sábado, 15 de janeiro de 2011

Invasões, trilhas e desastres

Aconteceu de novo: o morro desceu e a força das águas varreu mais uma cidade. Alguns bairros simplesmente desapareceram. Culpa da chuva?

Quando se olha com cuidado as imagens dos morros que vieram abaixo na região serra do Rio de Janeiro quase sempre é possível ver situações que parecem ser a causa do colapso da encosta. Em uma destas imagens de destruição a mata parece intacta, mas olhando para esquerda da foto o topo da montanha há um caminho, provavelmente uma estradinha de serviço, que no ponto onde o morro desceu está escondida pela mata. Noutras o morro está pelado ou há grandes casas no topo. Quase sempre dá perceber algo estranho. A tromba d’água foi muito forte, isto não se discute, mas o que mais aconteceu?

Estou me perguntando se morros despencam desta forma quando a mata é de fato virgem. Será que houve problemas parecidos na época dos índios? Há relatos? Não se fala uma palavra sobre o passado longínquo. Não há referência. Tudo gira em torno de dramas e não sobre história e ciência, que é o que nos pode dar alguma resposta para o futuro. Não se trata situações como estas como casualidades da depredação humana.

O Estado São Paulo foi o primeiro a ter uma lei, criada por Asis Ab Saber no Governo Paul Maluf, de proteção a Mata Atlântica. Hoje há uma lei Federal, de autoria de Fábio Feldman, aprovada em 2006, depois de 18 anos tramitando no Congresso. Ontem o Jornal Nacional deu uma cronologia dos desastres similares acontecidos nestas últimas décadas e o roteiro é vergonhoso para todos nós, que a bem da verdade estamos cagando e andando para este e outros problemas. Ninguém faz nada, nem em relação ao lixo que vai para o chão. Ninguém consegue fazer cálculo: custa muito mais barato prevenir que remediar. É questão da nossa cultura.

Provavelmente no meio da mata deve haver trilhas para pedestres, animais, que não costumam ser problema, e talvez até para motos, jipes e outros motorizados. O efetivo de policiais florestais é muito baixo e o controle é precário, mas com a lei foi dado um passo importante. Hoje, com o problema da escassez de água para a população da região metropolitana de São Paulo há a necessidade, cada dia mais urgente, de manter os mananciais produtivos, intactos e limpos. Água é mais valiosa que ouro. A proteção das matas ciliares, dos morros no entorno, e de todo do ecossistema correlato às águas passou a ser coisa séria. A discussão sobre construir desordenadamente passou para um novo patamar onde até os invasores e depredadores têm consciência que do jeito que foi e está não pode continuar.

Há uns meses ouvi uma conversa sintomática de uma moradora do Bororé, bairro as margens da Represa Billings, área com muitas construções irregulares, invasões nas margens dos córregos e morros. Dizia ela que há uma certa irritação do povo que é morador antigo, dos lotes legais, com o pessoal que invadiu o córrego que se vê de sua rua. A conversa tinha um tom forte no sentido de que não se considera mais aqueles invasores uns coitados, um pessoal igual que não tem para onde ir, que invadir área pública é normal. Ela tem uma consciência clara sobre o que é área legalizada e ambientalmente correta, e começa a pensar em agir para retirar o pessoal ilegal dali. A comunidade quer ter uma cidade urbanizada, quer seu parque linear, não quer mais ficar socorrendo quem sabidamente está onde não deveria estar. Efeito do projeto Córrego Limpo da SABESP que já foi implantado na represa Guarapiranga, não longe dali, e que para mim é o projeto urbano mais importante em andamento no país porque educa para as águas. Água nos mostra sua incrível força para a vida, a destruição ou a morte.

Este novo desastre da região serrano do Rio de Janeiro me fez lembrar as trilhas que fazemos em mountain bike, que não raro tem trechos muito erodidos pela passagem de moto ou jipe. Os buracos deixados por motos costumam ser os piores, mais profundos. Não sei quanto um talho no chão da mata, uma erosão causada pela simples diversão, pode ser causa de um desastre destes. Provavelmente em grande declividade uma situação destas desestabiliza toda encosta. O caminho deixado por uma bicicleta é muito menos danoso, mas de qualquer forma é um corte, uma cicatriz. Por isto há muitas campanhas nos Estados Unidos e Canadá para que o mountain biker seja amigo da natureza e evite deixar destruição para trás. Aqui Engenheiro Evangelista e Engenheiro Marsilac, os dois últimos bairros antes da reserva florestal de Capivari Monos, extremo sul e reserva florestal de São Paulo, houve (e espero que continue) uma ONG, se não falha a memória “Olhos D’Água”, que treinava ciclistas para fazer mountain bike amigo da mata. Acabavam servindo de fiscais e ajudando a preservar tudo.

Um comentário:

  1. Pergunte aos geólogos, encostas sempre caíram. Talvez com menos frequência por ajuda da vegetação nativa, talvez encima de menos gente, pois a super-população e a ocupação irregular vem piorando com o tempo. Te dou toda a razão.

    Quanto aos trilheiros (seja motorizado ou não) sou um pouco mais radical: quer ver natureza, vá vestido de natureza, a pé. Quer se divertir, procure áreas já devastadas para plantação de pinus... são as melhores trilhas.

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