Em 1976, na Bolívia, o ônibus era parado na fronteira de cada uma das Províncias. Descia todo mundo, todas as malas eram retiradas do bagageiro, colocadas no chão da estrada e era feita uma minuciosa vistoria de alfândega.
Estamos em 2010, e o primeiro procedimento para tirar o visto de entrada nos Estados Unidos é procurar informações na Internet, procedimento lógico e condizente. Google na cabeça, link correto e rapidamente aparece o que se deve fazer. Paga esta taxa, paga mais aquela, junta papelada, imposto de renda, passaporte, tudo direitinho, e ai tem que preencher um formulário digital que parece fácil, coisa de criança. Primeira tentativa e o preenchimento pára no meio por que, diz lá na telinha, eu ultrapassei os 20 minutos permitidos para preenchimento. Questão de segurança deles, suponho. Tento ser mais rápido, faço seguidos salvamentos, tento não errar a flechinha do mouse no yes ou no, mas não há forma, as opções não ficam marcadas. Espira de novo o tempo e de novo o salvamento não é feito a contento. Recomeço um novo formulário mais uma vez, já perdi a conta de quantas, e vou acompanhando o tempo pelo relógio e em menos de 20 minutos o preenchimento é derrubado de novo. Deve ser a minha banda larga. E assim vai. Seis horas depois de seguidas tentativas consegui terminar o bendito documento. O site manda fazer uma cópia. Fácil. Ai vem o pequeno detalhe que o PDF gerado pelo site da Embaixada Americana não se faz imprimir. Problema na minha máquina ou o Vista de novo? Teta isto, tenta aquilo e nada. Já desesperado consigo colocar no papel o print screen, que tem baixa resolução, mas já é alguma coisa. Faço mais algumas tantas tentativas, baixo o último Adobe, atualizo a impressora, mexo no antivírus e nicas de pitibiribas. Vou para cama absolutamente exausto, mas com a cópia do print screen e o “Seja o que for” rodando na cabeça para acalmar. Durmo.
Acordo cedo, bom dia, hoje é o dia. Vamos lá. Chego no Consulado, passo rápido para dentro, consigo vencer também com rapidez a fila da senha e em pouco tempo sou chamado ao guichê de pré-entrevista, onde o requerimento impresso é rejeitado por que o código de barras não pode ser lido. Bravo com a situação conto ao funcionário sobre o drama que havia passado ontem, sobre horas de preenchimento, não conseguir imprimir da forma correta. “O senhor salvou? Então, por favor, vá até uma lan house lá fora (do Consulado) e faça uma nova impressão. Nosso sistema está funcionando bem. Já atendi muitas pessoas e ninguém reclamou”. E lá vou eu. E ai me lembro que havia conseguido enviar o documento pela Internet para meu próprio endereço. Estou salvo! Será? Beto da Anderson Bicicletas consegue imprimir de novo a folha, desta vez com código de barra aparentemente legível, mas com minha foto deformada. Vai servir ou devo procurar um cyber café? De volta para o Consulado com o que tinha na mão. De volta à fila de entrada, à revista dos seguranças, à fila da senha, e à ordem para ir parta outra fila e esperar para tirar as digitais com uma nova senha, segundo eles agora mais rápida. Espera, espera, espera, e na hora do almoço foi avisado que haveria uma parada de 40 minutos para quem tinha numeração acima de tal, inclusive eu. Saímos todos. O solzinho estava ótimo e calmante.
Antes de bater os 40 minutos volto para dentro e grudo o olho no placar eletrônico das senhas. Espera, espera, espera, espera. Mais espera e ai aparece muito rapidamente o meu 7020. Quando estou no meio do caminho para o guichê, uns 15 passos se tanto, volto a olhar e já me substituíram por outro número. Espero o figura chamado ser atendido, ele sai, a atendente atrás do vidro aciona outro número, eu protesto, e ela olha em volta, vê meus papeis e me chama. Diz que havia me chamado outras vezes e que eu não havia atendido. Retruco que deram ordem para nós ficarmos no pátio por 40 minutos. “Ah é!” pensa ela em voz enfadonha. Toco meu pianinho e sou mandado para outra fila, finalmente a da entrevista. O rapaz que fica orientando pede que eu espere na frente do guichê 17. Em pouco tempo sou atendido por um senhor tranqüilo, que puxa uma conversa informal no meio da qual faz duas ou três perguntas, tudo muito rápido. Pelo vidro vejo que pega um pequeno papel, nele assinala algo e me diz “Por favor pague aqui ao lado esta taxa e volte aqui”. “Feito?”, pergunto eu para saber se está aprovado. “Aprovado” responde ele.
Vou para mais uma fila, que suponho seja a última. Pergunto ao segurança se ele sabe se aceitam cartão de crédito “Só internacional...; quando está funcionando”. Consigo pagar a taxa de US$ 60,00 imprevista. Volto ao guichê 17, o senhor recolhe o comprovante de pagamento, pega mais um papelzinho azul e diz que tenho que pagar o SEDEX do envio do passaporte e que isto é feito fora do edifício. Saio e lá, no envio, descubro que eles só recebem em dinheiro. “Aonde tem caixa eletrônico?” – “Lá dentro”. Volto para os seguranças pela terceira vez, simpáticos aliás, passa a mochila pela máquina, tira tudo dos bolsos, “O que é isto?” – “Meus remédios” – “Abre a garrafa (de água) e bebe o líquido (de novo)” – tudo de novo, pela terceira vez. Pego o dinheiro, saio, pago o envio e estou livre. E deprimido. Me lembra a história das alfândegas da Bolívia. 1976 e 2010 tanto se parecem.
Reciprocidade, esta é a questão.
Brasileiro tem que passar por este processo, até um pouco humilhante, por que faz o mesmo com eles, americanos. Pior, dizem, porque as condições para um americano conseguir um visto para o Brasil é menos cordial. A diferença é que nós perdemos muito mais que eles nesta história. Nosso turismo internacional cresceu muito nestes últimos anos, mas ainda tem números ridículos se comparados a países que tem muitíssimo menos para oferecer. Provavelmente hoje eles, americanos, devem dar Graças a Deus por esta reciprocidade diplomática por que somos terra de bandido, como todos os brasileiros de bem sabem e provam nossos índices de violência, criminalidade e corrupção. Ai somos topo de ranking. Deveria ser uma tremenda vergonha por que temos uma das mais respeitadas economias do mundo. Como pode uma potencia econômica, há muito entre as 15 mais ricas do planeta, hoje entre as 10 mais fortes, permitir a bandalheira que temos por aqui? Ontem o Senado aprovou o projeto “Ficha Limpa”, o que é ótimo, mas é só mais um passo para nos fazermos respeitar como gente civilizada. Há quem ache esta loucura para conseguir um visto normal e comemore o feito de ter sido aprovado; o que só reforça o patético da subversão de nossos valores.
O que espero é que a posição pessoal de um homem que não sabe quando é sindicalista, quando dá azas ao egocêntrico doente, ou quando é presidente do Brasil, não venha a dificultar mais ainda a entrada de brasileiros em outros países. Esta molecagem do acordo sobre a questão nuclear do Irã, que cruza e atrapalha todo trabalho realizado por diversos países do mundo até então e só tem como fim prestígio pessoal e eleitoreiro, vai ter conseqüências no futuro, podem apostar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário