Quando criança toda vez que era levado ao Centro de São Paulo recebia repetidas recomendações de não tocar a mão em nada que não fosse a saia de minha guia. “É perigoso sujar!” (leia-se “contaminar”). Chegando em casa era levado diretamente para lavar a mão também sem tocar em nada.
Ainda criança, subimos uma montanha e não tivemos tempo para voltar com a luz do dia. Acabamos sendo resgatados no meio da mata por um trabalhador da fazenda. Não passávamos de três meninos apavorados perdidos na mata fechada e na escuridão total. No dia seguinte fomos para a plantação agradecer o feito para um homem preto com inchada na mão, muito forte, calmo, e para ironia do destino chamado Hércules. Ele recebeu nossas palavras com uma serenidade espantosa. Talvez tenha sido a primeira vez na vida que tenha entendido com clareza que posição social nem sempre resolve tudo.
É óbvio que cheguei à maioridade como um feliz motorizado. Era um rito de passagem. Por acidente comecei a pedalar e a bicicleta acabou me apresentando a marginalidade sem que me desse conta. No pedal cheguei a lugares que me mostraram que a verdade social é definitivamente outra. A cidade, seus habitantes, os indivíduos, tudo, é infinitamente mais diversificado e complexo do que o paupérrimo discurso da elite. E, por favor, não pense em “elite” só como a financeira, mas a cultural e social.
Neste exato momento estou entrando em mais um rito de passagem. Desta vez a marginalidade se encontra bem a minha frente e não mais passando ao largo para ser observada e pensada ou em palavras a mim direcionadas. Não consigo, no momento, equilibrar minimamente as contas. O que foi trabalhado nestes últimos dois anos acabou não rolando. Mas isto não interessa. Vamos em frente que atrás vem gente.
O incrível deste país é a falta de capacidade de percepção do quanto a marginalidade é intrínseca a cada um de nós. Poderia ser diferente com todo este desnível social? Ele não é o reflexo perfeito de seus criadores?
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