segunda-feira, 30 de junho de 2025

O drama de quem perde filho usado como publicidade

Rádio Eldorado FM
Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Sei o que a família da menina que caiu no vulcão está passando. Meus sinceros sentimentos. Vi amigos meus perderem filhos e sei o quão devastador é e continuará sendo. Novamente, meus sinceros sentimentos.

Mas sou contra o poder público pagar o translado. Se estava viajando e fora do país é porque tem condições para arcar com as consequências; supõe-se. Ouvi uma opinião, com a qual concordo totalmente: não se deveria permitir sair do país sem seguro saúde que inclua translado.

Antes de pagar o translado de um drama que tocou todo país, portanto é boa propaganda, os governos deveriam ser obrigados a pagar e facilitar velório e enterro de todos os mortos por bala perdida, sem falar em custos reparação vitalícios. Isto jamais acontecerá porque expõe o absurdo fracasso da segurança pública que vem sendo praticada. Já o drama maluco dos que perderam seus filhos nesta guerra insana ninguém fala.

E repito mais uma vez, meus sinceros sentimentos a família da menina. Não é normal e não deveria acontecer a brutalidade de pais enterrarem seus filhos. 


No velório do filho de uma amiga não aguentei a barra e tive que ir embora. A cada notícia da morte do filho de alguém tomo uma porrada emocional, disto não escapo. A vida fez com que me acostamasse com mortes, no plural, as mais diversas, algumas nada agradáveis, das que deveriam me chacoalhar, mas não o fazem, simplesmente entendo, aceito. Mesmo a prática não conseguiu mascarar o brutalidade da morte de um filho de quem quer que seja. Todos que perderam filho nunca mais voltaram a ser os mesmos, isto sei porque acompanho. A cicatriz deixada não fecha, doi sem parar como as queimaduras do inferno, e esta dor fica estampada, não importa quanto tempo passe.  

sexta-feira, 27 de junho de 2025

45 ou 450 m²?

Não tenho como agradecer ao Ricardo pelo delicioso jantar, cozinhado e servido por ele, e poder estar com gente que sempre gosto demais, mas não os via fazia mais de 50 anos. Que absurdo! A vida nos faz tomar caminhos diferentes e perder de vista quem nunca se deveria perder de vista.
Acabou sendo muito divertido, pelas histórias e conversas, muitas recordações do passado, e até pelas briguinhas entre primos, no caso, entre Ricardo e Silvia. Coisa de quem se gosta muito e faz questão de atazanar o outro. Família!

O jantar foi oferecido num dos clubes / condomínios mais exclusivos e chiques do Brasil, algo fora da curva no meio desta insanidade de novo-riquismo desenfreado que vivemos, melhor, que o Brasil se transformou. Quando deixamos de nos ver, lá pelo fim dos anos 60, ser rico era uma outra história. Raríssimos os que ostentavam da forma como se ostenta agora. Tinha lá seus exageros, mas nada comparado com os disparates que temos hoje. 
O clube / condomínio em questa é uma ilha de verde com um clube completo, incluindo barcos e outros esportes de aqui no Brasil são de elite. A sede e várias construções são dos anos 50, creio. Tem alguns com dinheiro que moram ali em casas de uns 200 m² em média, não mais, nem é permitido, boa parte delas no meio da mata atlântica primária beirando a água. E tem os chalés, espécie de casa comunitárias, meia parede, construção padronizada, térreas, que remetem ao que se vê um filmes americanos ou europeus de época, anos 40 ou 50. É lindo. Tudo tem regras para manter as velhas e boas qualidades do lugar, e são respeitadas. É proibido construir nos terrenos padrão, acho que 1.000 m², as alucinadas, fantásticas (?!?) mansão-shopping-center-murado-quanto-maior-melhor-mais-chique-para-esfregar-na-cara-do-outro como se vê cada vez mais com frequência na rica (???) São Paulo. A única coisa que incomoda é quantidade de automóveis, mas deste mal ninguém consegue escapar, pelo menos por enquanto.

Interessante receber o adorável convite para ir naquele clube justamente agora. Por conta de obrigações com a família tive que negar um convite para estar numa cidadezinha de 6700 habitantes no meio do sertão bahiano. O meu anfitrião lá mandou fotos e filmes do lugar, lindo, tão chique quanto onde jantei. Igual na riqueza, mas no sentido oposto, se é que é possível entender isto no meio da baderna cultural que vivemos. 

Lá, no sertão, eu ficaria numa casinha mais ou menos no tamanho da casa onde foi o jantar, talvez um pouco menor. Está no meio do nada, como dizemos aqui neste caos de cidade, ou seja, no meio de uma caatinga verde, esplendorosa, de encher olhos e alma. Uma paz! Me deu raiva de não ter ido. Nas casas do clube me senti muito tranquilo também, a diferença é que na área do social e esportiva do clube tem monte de carro estacionado e circulando, como já disse. Lá no sertão é muito verde, algumas árvores e umas poucas vacas, cabras, cavalos, galinhas... E cobras, que não saem nas fotos, mas foi dito que tem aos montes, talvez não tanto quanto o número de carros do clube. 
Na cidadezinha, no próximo fim de semana, tem as festas juninas, famosas na região. Pelo que entendi e li, não tem nada a ver com multidões, música ensurdecedora, povo olhando para o palco esfuziantemente iluminado com braços erguidos balançando. Festa de cidade pequena, tudo a ver com se divertir até morrer. 

O contraste entre isto e aquilo é de se pensar. Nos dois cantos o objetivo final de seus habitantes é muito parelho, tem mais afinidades do que possa parecer: tranquilidade, paz, ver e viver a vida. Complicado é conseguir fazer encarar e aceitar os paralelos.

E no meio do jantar contei que vivo numa casa de 45 m² de telhado, um choque para um dos convivas. "Como assim, 45 m²? Não entendi. Como pode alguém viver em 45 m²? Minha casa tem 450 m². Não conseguiria viver com menos. Preciso de espaço para viver, pensar, criar, trabalhar." Ok, também preciso de um pouco mais espaço para trabalhar, mas criar coragem e reorganizar, tudo se encaixa. Coisa de cidadão que acha normal a explosão de arranhas-céu, ou será arranhas-céus, com coberturas de muitos metros quadrados, muitos mesmo, tipo de 500 para cima, onde viverão um casal, talvez com filhos. O único feliz, talvez, será o cachorro, desde que não se pergunte "Quer passear?".
 
O ponto comum com a comparação das realidades do que oferece a cidadezinha e o chique clube está em encarar a realidade pelo que ela é, e não pelos preceitos estabelecidos. 

Espaço, a definição da palavra é fácil buscar no dicionário, mas a compreensão ou o sentido subjetivo não. Acabei de ver, no dicionário são 14 as definições, para minha surpresa, duas delas tangenciando o que quero dizer aqui. 
6.
capacidade, acomodação.
"há e. para todos no auditório"
7.
cabimento, oportunidade.
"não havia e. para aquele tipo de comportamento"

Lá, no sertão, no frio congelante de 21° C, segundo a avó de quem me convidou, vi na foto enviada com a família sentada fora da casa com fogueira acesa. Morri de inveja. Um dos meus sonhos é voltar a ver um céu de bilhões de estrelas límpido, e lá, longe da fogueira e da parca luz da casinha, teria a oportunidade, ou terei, porque um dia vou. 
Aqui, na linda e acolhedoura casa do clube, sentamos nós no terraço e conversamos até Ricardo avisar "vamos sentar, o jantar está servido". Até procurei um lugar escuro e olhei para o céu, mas estando em São Paulo se vê muito pouco, quase nada. As luzes da cidade...

Conhecia o clube. Fui umas tantas vezes quando era criança, aí falo de algo como 60 anos atrás, ou mais. Mudou pouco, felizmente. Óbvio que está muito mais cheio.  

O que me espera no sertão é uma viagem ao passado que gostaria de ter vivido muito mais intensamente. Mais ou menos na mesma época em que ia para o clube, também fui para fazendas de vida muito parecida com a simplicidade do sertão. Estrada de terra, casa de pouca mobília e utensílios, cozinha mais simples ainda, na minha época fogão a lenha, uma delícia. Que saudades! Aliás, chuveiro aquecido a lenha, serpentina dentro do fogão. "Toma banho rápido ou acaba a água quente para sua irmã".

O pessoal que revi passava as férias de verão na casa de praia em frente onde eu ficava hospedado. Era tudo open house, portas escancaradas para a multidão de crianças que podiam cruzar a rua sem olhar para ver se vinha carro. Na casa de Ricardo sempre passavam as férias algo como 19 crianças. Na que eu ficava recebia pelo menos mais 5, quando não 6, 7, 8... E tinha ainda a casa de minha tia, com outras mais. Era um exército de crianças.

Numa das fazendas onde fui quando criança nos perdemos, eu e mais dois, subindo um morro e começou anoitecer. O pai do meu amigo mandou um funcionário nos encontrar e trazer de volta. Era um homem negro, muito forte, calmo, que nos guiou para casa e a segurança. Alí descobri que havia vida fora do planeta que eu vivia. 
Na manhã seguinte do terraço eu o vi carpinando e não entendi como alguém que havia nos salvado poderia estar carpinando pesado debaixo daquele sol tórrido. Fui até lá agradecer. Talvez ali tenha começado a entender que a diferença entre o rico clube e a casinha do sertão, entre os 45 e 450 metros quadrados, possa ser olhada de outra forma.

...e no meio da calçada tinha a frente de um carro

Pedalando na calçada completamente desligado chapei a frente de um carro que acessava o estacionamento. Estava olhando janelas acesas de uma casa que foi vendida e pensando se agora vai ser posta abaixo. Bum!, uma barulheira, e chão. 

Sei que pedalar em calçada é, no geral, muito mais perigoso que pedalar junto com o trânsito. Não falo sobre calçadas largas, mas aquelas de bairros, estreitas, e não raro cheia de buracos e obstáculos. 
 
Este não foi o primeiro acidente que tenho pedalando numa calçada. O primeiro e mais marcante, foi quando era criança, lá pelos meus 5 anos de idade, se tanto. Chapei a porta de um carro que estava saindo da garagem de sua casa. Em algum canto tenho a foto da bicicleta com garfo torto, sinal que a batida não foi muito suave. Me lembro que o motorista saiu do carro e veio ver como eu estava, e eu, apavorado menos com a batida e muito mais com a possibilidade que lá em casa meus pais descobrissem que eu fugia para pedalar muito além do que me era permitido. Hoje, fico impressionado que ninguém tenha perguntado porque o garfo estava visivelmente torto para trás. Provavelmente nunca olharam a bicicletinha.

Outro acidente pedalando numa calçada aconteceu tanto por conta de uma deformação da calçada em razão de uma raiz de árvore, quanto por um amortecedor que eu sabia defeituoso e que me jogou para cima e contra um poste. Resultado, uma costela quebrada. 

O terceiro acidente, infelizmente, mas infelizmente mesmo, para minha completa tristeza, mácula imperdoável em meu currículo de mais de 40 anos pedalando, um dia derrubei uma senhora que saia de casa. Calçada muito estreita, não vi, e sobre a calçada jamais poderia ter visto, o portão abrindo e ela ponto meio corpo para fora. Resultado, ela caiu de costas, felizmente sem se machucar, e eu parei no chão. De novo, na calçada e viajando completo na maionese. Na rua, que é estreita e vazia, teria tido ângulo e tempo de reação para não atropelar a senhora. 

Repito a recomendação que sempre faço: não pedale na calçada, é perigoso. O triste é que não adianta falar, o pessoal não só não acredita, mas fica bravo quando falo. Calçada não raro é muito mais perigoso que pedalar na rua.

A segunda razão para este e os outros acidentes foi estar muito relaxado, completamente desligado. Aliás, pensando bem, todos os acidentes que tive, dirigindo automóvel ou pedalando, foram causados por distração.

Estou naqueles momentos da vida que são um tanto agitados, por assim dizer. Tenho pedalado, tanto para transporte quanto para relaxar, desligando a cabeça. Em alguns momentos passo da conta e desligo por completo. Noutros tem tanta coisa rodando na cabeça que também desligo por completo do trânsito. As duas situações são perigosas. Eu já estava prevendo que uma hora a coisa ia dar ruim, e deu, felizmente muito devagar e na calçada. Ficou o alerta: acorda Arturo!


segunda-feira, 23 de junho de 2025

Crime, terrorismo, corrupção


Como muitos brasileiros, guardo o direito de não confiar na lisura do topo de nossa pirâmide do poder público, leia-se inúmeros políticos, alguns governadores e secretários, e principalmente e não só os que agora ocupam o Planalto. A razão para a falta de confiança vem de atitudes, algumas comprovadas, que demonstram um forte interesse por enriquecimento sem a menor preocupação com as consequências para o país. Duvido que estejam preocupados que de onde veio seu bom dinheirinho, se do crime ou de uma possível organização terrorista. Aí está um buraco assustador que vem afundando o Brasil faz tempo. Afinal, corrupção nunca foi usada para financiar terrorismo? Pelo que a história diz, sim, foi.

Fim do Cidade Limpa? Times Square paulistana?

SP Reclama 
O Estado de São Paulo 

Faz tempo que vereadores paulistanos vem usando NY como referência para nossa cidade. No começo desta explosão imobiliária, que causa mais que estranheza, um vereador disse que estava feliz, que São Paulo se transformaria numa Manhattan. Agora querem transformar a cidade numa Times Square em nome do aumento do turismo. Quem afirma isto mostra uma vergonhosa falta de conhecimento. O turismo de NY definitivamente não está ancorado na Times Square. Aliás, ali se faz um turismo de baixo valor agregado, tipo de turismo que as cidades pelo mundo querem se livrar o quanto antes possível. Quem apoia a ideia desconhece o que é o turismo em São Paulo, onde e qual são seu valores agregados e onde estão suas fraquezas. Não resta dúvida que ao apresentar a ideia o vereador deixa claro que faz turismo farofeiro e não tem a mais remota ideia do que a atual NY, a maior e mais interessante revolução urbana dos últimos 70 anos, tem a oferecer e ensinar. As cidades com turismo mais rentável no planeta são limpas, despoluidas e principalmente seguras, nada a ver com cartazes comerciais luminosos.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

O que eu pensei sobre minha vida estava errado

O que eu pensei sobre minha vida estava errado. O que estava errado? Muita coisa. O peso dos meus erros diminuíram, (diminuíram?), quando descobri, através de uma música do Sting no disco Brand New Day, que o Corão fala sobre o valor e aprendizado que se pode tirar das dores, dos sofrimentos. Com certeza os contratempos ensinam. A questão é o tamanho da bagaça, para usar uma expressão bem pop.

Mas precisava ser assim?

Estou desmontando o apartamento de meu pai, que morreu. O relacionamento com ele foi ruim. Não sei se ruim é a palavra certa, mas definitivamente não foi uma relação fácil. Ruim, eu diria. Tenho consciência dos defeitos dos dois, meus e dele. Quando jovem joguei tudo nas costas dele em desabafos e atitudes que me arrependo, muito. Talvez até tivesse razão, e muitas vezes tive, mas a perdi não calando ou metendo a boca no trombone, não sabendo comunicar devidamente, nem com quem de direito.

Comunicar se! Este é o segredo da vida. Errei, mas tenho um bom desconto de ter vivido numa sociedade onde a comunicação é bem precária, digo a boa comunicação, não o frequente vômito inconsequente de palavras.

Num jantar para acabar com dois anos de distanciamento total, no meio de explicações que não eram pertinentes, perguntei a ele quem era o adulto ali, quem era o que deveria ter experiência de vida para não se chegar até uma situação como aquela. Ele ficou mudo. Minha tia dizia que ele era o eterno adolescente. 

Que seja, sei das minhas razões, mas absolutamente nada justifica os erros que fiz. Tereza sempre vem com "Quantos anos você tinha? Você não tinha maturidade...". Eu não aceito, não me dou ao direito de olhar para meu passado e aceitar com tanta naturalidade erros grosseiros. Não posso, não consigo. 

Agora espero que minha experiência sirva para algo, alguém ou alguma coisa. A vida é, ou pelo menos deveria e a ser, um passar de bastões, feito da maneira correta. Em outras palavras, comunicação de forma e no momento apropriados. Ou...

Agora, desmontando o apartamento, tenho certeza que desperdicei minha vida numa pressão que não valia a pena. Mesmo com outras pessoas, aquelas com quem tive bons momentos, eu poderia ter me saído melhor, muito melhor. Faltou maturidade, faltou educação e treinamento para fazer a coisa correta, ou pelo menos minimizar deslizes. Faltou orientação. "A gente vai amadurecendo", dito popular, para mim é comodismo calhorda, de quem acredita que vai aprendendo só com os erros, muitos inaceitáveis. Comodismo principalmente de quem pode e deve orientar, mas tira o seu da reta e senta no sofá. O inaceitável é inaceitável.

Acumular razões, emoções e coisas é fácil, biscoito, como dizíamos. Desmontar a bagunça é outra história, nada fácil. Vivenciei um amigo desmontando suas verdades nos últimos meses de vida. Partindo dele, cabeça dura, para mim foi uma surpresa, pena que muito tarde. Pela vida ele distribuiu riquezas, conhecimentos, ensinamentos, como poucos o fizeram, mas de uma forma dura, grosseria com muita frequência, difícil para quem estava próximo. Poderia ter sido muito mais proveitoso.

Fiz besteira adoidado pela vida. Se arrependimento matasse... Algumas besteiras ainda posso pelo menos me desculpar com quem as sofreu, outras não, até porque é muito difícil achar uma justificativa que se encaixe na palavra "minimizar". Erros de relacionamento e principalmente erros que dizem respeito ao pragmatismo necessário da e para a vida.

Um amigo com quem trabalhei me disse que se eu tivesse vivido fora do Brasil teria tido uma vida muito mais fácil, em todos sentidos. Primeiro, "se"? Então esquece. Nasci e vivi aqui. Tenho certeza que muitos dos meus erros são normalidade desta terra, mas não se justificam, pelo menos não para mim mesmo. Nada justifica.

Um dia olhei no espelho do banheiro e me vi de verdade. Uma coisa é o reflexo nosso de cada dia, outro é cair a ficha de quem está sendo refletido. Foi um tranco, daquela vez um daqueles trancos que faz o motor pegar e o carro desembestar para felicidade da vida do motorista e passageiros. Talvez agora eu deva parar de olhar no retrovisor. Sim, estou fazendo isto. Ou tentando. 

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Sabores da infância e do passado

Quais são os sabores de sua infância? Titulo de uma matéria de uma revista Gourmet americana de mil novecentos e bolinha. Boa pergunta.

Arroz, sempre arroz.

Fim de semana eu estava liberado para uma única garrafa de Coca Cola e vez ou outra um suco de pêssego ou pera em lata da Yuqui, creio que esta era a marca. Do gosto das Cocas não me lembro, mas da magia de poder tomar uma lata de suco de pessego ou pera ainda recordo com delícia toda vez que tomo os sucos. Consigo lembrar com detalhes a entrada no supermercado Sirva-se, passar pela pratileira, pedir para pegar, e na rua abrir a lata e bebe-la entrando no paraíso.   

Os bifes feitos por meu pai eram maravilhosos. Frigideira de aço no fogo alto, quando vermelha, derreter manteiga sem deixar pegar fogo, imediatamente colocar o bife com borda de gordura, cozinha cheia de fumaça, um cheiro inigualável, bife começa a sangrar, só então o sal, aí vira o bife, deixa sangrar e serve. Faca afiada, corta-se a gordura, que é o que dá gosto à carne, e... delícia.  

Algumas vezes almocei na casa do então meu amigo Eduardo. Ele tinha uma empregada, Balbina, senhora já de certa idade, negra, que ouvia novela de rádio enquanto cozinhava e fazia um ovo mexido completamente diferente, maravilhoso, dos deuses, ou orixas, ou todos juntos. Eu era muito pequeno para saber qual a magia. Um dia me distraí e deixei os ovos na frigideira com manteiga mais tempo que o normal para um clássico ovo mexido. A clara ficou branca a meio ponto de sair dois ovos fritos, mas eu mexi e... ovos mexidos da Balbina. Não deixe secar. Divino!

Guarujá, peixe com purê, a senhora negra sorridente que gostava de mim e muito mais ainda de meus primos, de quem era cozinheira e santa, e coloca santa nisto, protetora. Nas férias ela ia junto com a família, coisas daquela época. O file de peixe com pure de batatas que era servido era coisa de outro planeta, tanto que, ainda muito pequeno, lá pelos meus 4 anos de idade, um dia fui até a cozinha, minima por sinal, agradecê-la.

Estas são histórias de minha infância. Lembrei, tem mais uma, curiosa. Lá pelos meus 4 anos de idade fui a festa de aniversário de um dos que estudavam comigo no pré primário e uma mão esticou uma garrafa de 7Up para mim. Quando olhei para cima dei com Marisa Matarazzo, sim a própria, a famosa cantora pré bossa nova, que em voz conhecia bem e adorava. Fiquei olhando para ela sem sabem o que responder. Sobre o refrigerante? Sei lá. Marisa Matarazzo!

E troquei de escola, ou fui convidado a mudar, sei lá. Mais justo a segunda opção. E na nova conheci a professora de francês que aplicava seguidas palmatórias, inesquecíveis. Esquece. E Zé Assumpção, amizade que durou mais de 65 anos. Eu não me lembro, mas a mãe dele, senhora fina e gentil, inteligência rara, das minhas paixões, contava rindo que no aniversário do Zé eu comecei uma guerra de brigadeiros na hora do apagar as velas que os adultos não conseguiram controlar. Saíram da sala de jantar, trancaram as portas e deixaram os anjinhos acalmarem. A reforma custou caro. Sobre brigadeiros... não, não são meus prediletos. Sobre a acusação que me fazem, não me lembro, mas nego veementemente. Eu? Fazer uma arte destas? Nunca!

Cachorro quente é bom. Em Mar del Plata, na praia de areia grossa e pedras, mar gelado, primos eufóricos com aquele sol que mal esquentava? Cachorro quente, melhor, panchos, muitos panchos, sentado dentro da barraca, no quentinho do meu casaco, nada mais delicioso. Diga-se de passagem, a salsicha Argentina é outra coisa.

Terceira escola. E minha mãe encasquetou que eu gostava muito de sanduíche de pimentão vermelho. Era bom, mas precisava ser todos dias? Nas raras vezes que tive dinheiro ia me deliciar com o misto da cantina. Muitos anos mais tarde voltei a comer o sanduíche de pimentão vermelho de minha mãe e era muito bom mesmo, mas precisava ser todos dias?

Sorvete Guarujá. Meu pai me deu 200 sei lá o que, creio que Cruzeiros, para passar toda as férias. Gastei 180 na recém inaugurada sorveteira Caramba. Preciso dizer algo mais? 
Poucos anos depois, o mesmo na Fredo de Buenos Aires.  La Flaminia... cucurucho de dulce de leche com cobertura de chocolate? Sonho! Faz uns anos, pouco mais de uma década, abriram uma Bacio di Late próxima. Repeti a loucura da infância: dois grandes de três sabores por dia, um mês impecável. 

Tostado jamon e queso con una tasa de chocolate caliente em Buenos Aires servidos por meu avô, Arturo, final da tarde no terraço do clube. Até hoje consigo sentir os gostos na boca, principalmente do tostado. Ali descobri não só gostos deliciosos, mas o que é uma boa vida. Detalhe, nesta mesma viagem, aos 11 anos de idade,  este meu avô, Arturo, me ensinou o que é um bom café. Avenida Santa Fé, Café de Colômbia expresso, 1966, o primeiro de um vício de vida. Aliás, nesta mesma férias ele, o velho Arturo Raul, parou o carro no meio da estrada, desceu, abriu minha porta, e disse "Daqui para frente você dirige". E lá fui eu. Isto em La Plata. 


Arroz. Entrei em casa depois do colégio e dei com uma panela de arroz recem feito, fogo que acabara de ser apagado, fumegando um cheirinho maravilhoso. Perguntei a minha mãe, mais em tom de brincadeira, se podia comer todo arroz, e ela caiu na besteira de dizer que sim. Panela de arroz para cinco. E eu raspei a panela e fui para meu quarto. Pouco depois aparece minha mãe na porta não sabendo se ficava preocupada pelo absurdo de arroz que eu havia engolido, se dava bronca por que teria que fazer mais e o almoço de meus irmãos que tinham que trabalhar atrasaria, ou o que. Não importa, ela ria e deu a volta em direção a cozinha dizendo a mesma frase que ouvi toda a vida: Arturo, comporte-se!

Arroz!

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Calçadas, caminhar, mobilidade

Segurança jurídica, o termo do momento. Ou a falta de segurança jurídica. É o que define não só os passos para o futuro, mas também quem é a sociedade que oferece ou não segurança. Brasil é o país da lei que cola e lei que não cola, começamos por aí. Brasil é o país com uma das maiores diferenças sociais. Brasil é o país onde caminhar a pé é coisa de pobre. Nossas calçadas que o digam. 
Cidades são o espelho da sociedade que ali vive. É no caminhar das calçadas que se constrói o que refletirá no social. Ali, no caminhar, do qual ninguém escapa, até mesmo motoristas, está estampada a equidade ou iniquidade. 
No Brasil a calçada é de responsabilidade do lote lindeiro, cabendo ao poder público fiscalizar. Há leis e normas, mas como com tudo, tem o que cola e o que não cola e, mais, pouca ou nenhuma fiscalização, isto quando há ou quando respeitam a segurança jurídica, ou ainda outras variáveis típicas do jeitinho brasileiro.
Cidades são construídas com vias, ruas e avenidas, as quais quem caminha obrigatoriamente cruza. Aí a equidade esvanece. A rua é dos automóveis, ninguém nega. O número de pedestres mortos e arrebentados não mente. O poder público tem pleno direito a sinalizar e fiscalizar o trânsito. Fiscalizar? Como? Tem lei (e norma) que cola e tem lei (e norma) que não cola. Fiscalizar o que e como?

Que cidade queremos? Igualdade? Equidade? Que vida você quer? Basta de violência! O primeiro passo é ser respeitado, dirão. Passo, dois passos, caminhar. Parece que brinco com a linguagem, mas não estou, definitivamente não estou. A cidade, a sociedade, a órdem, o progresso, só existem porque nos movimentamos, caminhamos. O direito ao caminhar com segurança é a base de uma sociedade equânime, justa, de bom futuro. Caminhar é mais que necessário, é essencial, determinante. Um país onde ainda se diz que caminhar é coisa de pobre está fadado a o que? Um país onde as leis e normas de segurança no trânsito para pedestres colam ou não colam está fadado a o que? Pense bem, o sujeito sai de casa, vai para a rua, e o primeiro recado que a cidade dá, melhor, que a sua sociedade lhe dá, é "Vai! trouxa! Vê se não atrapalha o trânsito". Muito dos problemas sociais que temos hoje, incluindo baixa produtividade, vem daí. Estou exagerando? Se você pensa assim, tenho certeza que se acostumou com o ruim. 

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Ser moderado, radicais, politicamente correto

Fórum do Leitor 
O Estado de São Paulo 
Rádio Eldorado FM 





É o que penso. Bravo Norberto Bobbio. Bravo Diogo Shelp.

Eu estou certo e os outros estão errados?

Ideias livres foi o que nos fez alcançar nas liberdades que alcançamos.

Politicamente correto, além de não implicar diretamente em agir corretamente ou ser correto, cai na besteira, para dizer o mínimo, de que o cuidado com as palavras leva direta e inevitavelmente a um comportamento social descente, apropriado, justo, produtivo.

Politicamente correto para quem e para que?

De pessoas que são politicamente corretas perante o público e nada as escondidas estou de saco cheio. Passei minha vida convivendo com eles, e aprendi, e continuo aprendendo. Aliás, aprendemos.
Qual é a inteligência embutida na besteira, até na grossa, estúpida? Não se aprende com erros ou o que possa parecer um erro? É repugnante ouvir o que não nos parece adequado? Se deve censurar ou limitar em nome de uma nova Santa Inquisição?

Salve, salve, Santo Chico Anízio 

sábado, 7 de junho de 2025

Duplamente ameaçado?

Recebi mais uma mensagem sobre os desmandos que ocorrem com frequência no Brasil e cai na besteira de responder. Não, não era vírus, nem fakenews, era fato, verdade, mas enviado com o gosto do ódio que faz da notícia uma arma para enlouquecer os que são contra. Não sou contra o que escreve, penso diferente, acredito em outra forma de resolver o problema, no caso, responsabilidade social. Solto o celular. Respiro. 

Calor pesado e vou tomar um sorvete. Aparece um menino, pré-adolescente, me pede para comprar um sorvete, e digo não. Para que? Como um ser de classe média com cara de alta elite não tenho o direito de recusar, não importa o que sou como cidadão ou se doo um bom percentual do meu dinheiro para instituições de caridade que têm um papel fundamental para a qualidade de vida dos pobres. Não comprei o sorvete para o pedinte, ponto final, sou execrável para o menino e os que estão em volta também tomando sorvete. Duvido que os iguais que me olham com reprovação façam alguma coisa de fato para mudar, ou pelo menos tentar mudar a situação daquele menino, de sua família e conhecidos. Atender ao pedido dele? Ninguém abre a boca ou tira a bunda de seus lugares. O problema é meu, decretam.
O menino tem prática, num rápido olhar sabe bem quem abordar e quem é tempo perdido. Foi bem treinado pela mãe para esmolar, pedir ou vender paninhos. Passa a irmã dele e o seu bebê no colo. Peito grandes que ainda amamentam e bebê bem exposto para todos verem, é concorrência desleal para o seu irmão que está ali pedindo sorvete. Mas o garoto sabe o que faz, é agressivo ao pedir e mais ainda depois de ouvir não, mesmo um não delicado. Solta frases prontas para encostar na parede quem se nega, as mesmas que ouvimos de tantos outros pedintes. Tudo igual. 
O que faço? Penso. Pago R$25,00 pelo sorvete para me livrar da situação ou continuo com a doação automática de R$200,00 / mês para uma entidade séria que com este dinheiro vai dar de comer a uns tantos miseráveis por dias? 

Nego o sorvete de novo, e o ambiente fica pesado. Por que os outros, os que me encaram em desaprovação, não satisfazem o menino? Hoje não quero dar, tive um dia ruim, preciso de paz. Os em volta me olham com desaprovação, mas quando o menino olha para eles buscando outra vítima, todos rapidamente desviam ou olham para o chão. O menino entendeu o jogo e força a barra. Eu tenho vontade de explodir, alguns torcem para que eu exploda, mas respiro fundo e profundamente constrangido até perdi a vontade de continuar no meu sorvete. 
Passa a mãe seguida dos irmãos menores que ela usa para sobreviver, talvez mais correto seria dizer como pequenos escravos. Já longe berra "vem!" para o garoto que se diverte em me acuar. Ele dá um último olhar ameaçador e se vai.

Fico sentado ali mesmo por um tempo, copinho do sorvete na mão vazio. Exausto. 

O direito de ter direito, a segurança publica e o populismo

Fórum dos Leitores
O Estado de São Paulo 

Segurança pública e direitos humanos segundo a vida de três faxineiras. A primeira precisa ser acompanhada pelo marido até o ponto de ônibus que espera até seu embarque. O risco de assalto até violento faz parte da vida no bairro. De uns tempos para cá também no ônibus. Os assaltantes são vizinhos jovens, conhecidos. A segunda só sai para o trabalho um pouco mais tarde para chegar "inteira". A patroa aprova. A terceira, que mora perto da segunda, tem a sorte de pegar o ônibus na porta, mas alguns dias da semana não consegue dormir por conta do pancadão que rola a algumas quadras de sua casa. A história delas é a mesma de milhões. Roubos, assaltos e outras violências, inclusive a macabra lei do silêncio, fazem parte da vida de toda população, independente do nível social.  Segurança pública e direitos humanos? Quantos anos o PT está ou ficou no poder? Lula vai bradar agora sobre segurança pública, só por que sua popularidade despenca? E o PT fica no dilema com os direitos humanos? O recado foi e continua sendo "dane-se os direitos humanos da imensa maioria vítimada violência, o nosso negócio é reeleição". Aliás, sempre foi.
Não, a solução também não está no que propõe esta direita, tão ou mais populista que esta esquerda. Tão religiosos, tão corretos, tão bonzinhos, mas duvido que Cristo ficaria feliz com o que rezam.
Fato é que ninguém, dos dois lados, tem interesse em correr atrás do dinheiro, o do crime, o ilegal, o lavado,  a única forma que se provou acertada e eficiente para frear a violência e melhorar os direitos humanos. Pedir isto a eles é demais, o orçamento secreto que o diga. Populismo lá, populismo cá, e todos sabemos como vai ficar o tico tico no fuba. 

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Nada mais estupido que punir piadas?

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Entre os que conviveram com judeus costuma se dizer que judeu burro nasceu morto. E quem teve um contato mais aprofundado sabe que uma das bases desta "inteligência" é o imperdoável e maravilhoso senso de humor deles, algumas vezes até cruel com os próprios. Já fiquei sem saber se devia rir ou o que com piadas absurdas contadas por um rabino. É assim que eles, judeus, colocam tudo na mesa para conversar, discutir e pensar. E se fortalecer. E sobreviver...

"Punir piadas é sinal de fraqueza institucional"? Sinal de burrice, tacanhes, mediocridade. Pior, aponta para um Brasil que é tão estupido que deixou de ser risível faz muito.

Benção Chico Anízio

Benção a todos santos comediantes que tentaram fazer deste país um país




Vá de retro o politicamente correto

segunda-feira, 2 de junho de 2025

As rampas para cadeirantes

Rádio Eldorado FM 



A imagem fala por si. Pergunta: boa parte, se não a maioria destas rampas servem realmente para que? A maioria apresenta o mesmo problema: o cadeirante não consegue transpo-la. Ok, melhor com elas do que sem, como dizem, mas mais uma vez se implanta uma melhoria urbana para cumprir a lei, e não para servir ao uso.

Cadeirante ou pessoas com necessidades especiais de mobilidade, para quem estas rampas foram criadas, representam quanto da população paulistana? Mesmo que seja uma minoria, que não o é, eles merecem respeito.

Funcionar mesmo, funcionam para ciclistas subirem rápido na calçada. Definitivamente o projeto não parece ter sido pensado para cadeirantes.

A filmagem foi realizada na esquina das avenidas Higienópolis com Angélica, portanto bairro classe A. O mesmíssimo problema se apresenta na porta do Shopping Higienópolis. A bem da verdade, repito, é comum encontrar pela cidade rampas que pouco servem para seu fim.

Como sempre digo, não é a quantidade, é a qualidade que interessa, porque só a qualidade resolve.