O Rosewood Hotel, no antigo hospital e maternidade Matarazzo, é um choque de cultura difícil de descrever. Só indo lá para entender como somos pobres.
Não adianta ficar aqui falando sobre o que vi lá fora, sobre as maravilhas do primeiro mundo, sobre como eles são ricos. O que é ser rico?
Já escrevi sobre o cuidado na reconstrução de uma rua e calçada próximo ao Scala de Milano, via Alessandro Manzoni, ou as pedras portuguesas maravilhosamente assentadas, com extremo cuidado, nas cidades portuguesas, ou a revolução urbana de NY. Não quero ser esnobe ao comentar o que é o suflê do Recamier, ou a maluquice que é La Grand Epiceri de Paris, quase vizinhos em Paris. Não é esnobe, é muito bem feito, é muito rico, mas rico num outro sentido. Tem um enorme caldo de cultura por trás.
A escala de riqueza do Rosewood Hotel, Cidade Matarazzo, é outra, e ao mesmo tempo a mesma que experiências que agradeço muito por tido pela vida. Hoje não é mais meu lugar para sentar e tomar um café ou comer, mas é inegável que é simplesmente maravilhoso, imperdível como experiência e referência humana.
Riqueza é uma outra história, uma outra escala de valor, não tem nada a ver com bestice, com querer ser, com pretensão. É! A partir de um ponto de cuidado, capricho, empenho, esmero, respeito pela finesse, sutileza, é. Não é para qualquer um, é para poucos, bem poucos.
Escrevo com uma certa frequência sobre pobreza e riqueza porque para mim a saída desta diferença abissal de nosso Brasil não está em quanto ou quão pouco, mas numa brutal distorção de valores que todos nós temos, e não é distorção sobre valores monetários, é o conceito de valor, melhor, conceito sobre o que é o valor das coisas. A cada dia penso que este é nosso maior problema, erro de conceito. Neste Brasil que agora se apresenta, mesmo o que para nós é rico, no sentido mais banal da palavra, na verdade é muito pobre. Cheira a mesquinharia.
O jovem pesquisador vindo de uma família de vida muito simples em numa cidade baiana de um pouco mais de 6.000 é infinitamente mais rico do que a maioria dos que se acham ricos por ter capital ou até mesmo aqueles que acham que tem alguma cultura. Para ele ver o Rosewood Hotel foi um choque, para mim ouvir ele falar sobre a cultura brasileira foi um choque maior ainda. O Rosewood e o jovem, que aos 25 anos com todo aquele caldo de cultura, tem muito em comum, são quase a mesma coisa.
Rico pobre é o que não falta. Como diz Eduardo: "Pobre rico pobre!"
Ver pela primeira vez uma escola de samba carioca do grupo especial na avenida é um choque de cultura e conceitos tão forte quanto foi entrar no Rosewood Hotel. Vi uma arquibancada inteira chorar de emoção com a passagem da Mocidade Independente de Padre Miguel em homenagem a Amazônia, riqueza impossível de descrever. Quem inventou estes carnavais impressionantes foi gente que poderia ter criado um Rosewood, fácil. Nos dois casos o que não falta é inteligência e fizesse.
O Patrimônio Histórico do Município de São Paulo deu a autorização para a demolição de um casarão tombado no Paraíso. Ela está prestes a cair e não há mais como recuperá-la. Virou notícia excepcional porque o imóvel estava tombado desde a década de 80 e nunca se fez nada para preservá-lo como tal. O que poucos já devem ter notado, é que pela cidade a mesma situação se repete com frequência. O palacete na Av. Paulista quase esquina com a rua Ministro Rocha Azevedo é a prova mais escancarada disto.
Como cidadão fico feliz do Hospital e Maternidade Matarazzo estar revivendo, e de de certa forma prestando homenagem ao legado Matarazzo, que não foi pouco.
Mas este é o Brasil. Chique mesmo, rico, é morar num edifício arranha céu, num destes novos que estão pipocando por aí. Dane-se o passado, dane-se a história, dane-se toda a cultura que as pequenas vilas de meio de quarteirão representam. Ninguém se importa, põe abaixo. Chique, rico, é morar no 30° andar com vista para toda cidade e seus novíssimos arranhas céus. De certa forma o Rosewood vai na contramão.
Não vou pesquisar para saber como foi o processo que preservação do desativado Hospital Maternidade Matarazzo onde hoje está o Rosewood, mas para mim ficou marcada a briga que evitou que fosse construída uma passagem subterrânea da rua São Carlos do Pinhal com a rua Rio Claro. Que pobreza de pensamento! O que tem a ver uma coisa com a outra?
Explicando: a alameda Rio Claro é a entrada do Rosewood Hotel e da Cidade Matarazzo, como chamaram toda a recuperação da área. A obra do túnel seria bancada inteiramente pela empresa responsável pelo bilionário projeto, e a rua Rio Claro, hoje um calçadão meio abandonado a própria sorte entre a São Carlos e a Paulista, ganharia vida nova. Aliás, o entorno teria uma sensível valorização monetária e civilizatória. Bateram o pé, gritaram, não quiseram. Quem? Adivinha.
O que me faz lembrar dos projetos da Avenida Paulista e da Juscelino Kubitschek em dois planos, um local e outro no subsolo, expresso, o que daria outra qualidade de vida a estas importantes áreas da cidade. Imagina poder circular a pé livre, quase como um calçadão, pela av. Paulista?
O Metrô teve que mudar o local previsto das estações Angélica e Cidade Universitária, a primeira por imposição da sagrada família falida de Higienópolis e a segunda pela incrível inteligência (?) do corpo de professores da USP. "Aqui dentro não!" Inaugurada a Estação Butantã, a mais próxima da USP, algo como 1 km do portão, caiu a ficha do tamanho da besteira que fizeram. Não sei o pessoal de Higienópolis entendeu a besteira que fez.
Me lembro também de entrar na Sub Prefeitura do Butantã, lá por 2005, ser chamado a uma sala, e terem me dito que os moradores do City Butantã não aceitavam ciclista passando pelo meio do bairro, e que o projeto cicloviário teria que sofrer mudanças. O projeto não saiu, mas a falta de inteligência marcou.
Não consigo esquecer a forma como fui atendido em várias bicicletarias ditas "chiques" por estar pedalando uma bicicleta "simples", suponho, ou por não estar vestido de franga com todos adereços ciclísticos da moda. Deu para ter uma noção do que é ser discriminado.
Cara, quanta pobreza desnecessária! O que é ser rico?
Não posso esquecer como nos foi gentilmente aberta as portas do Plaza Hotel em NY, na 5ª com 59th, esquina frente ao Central Park, então um dos lugares mais chiques do planeta. Infelizmente não tenho fotos de como eu e meu amigo estávamos vestidos, mas tenha certeza absoluta que, pensei e sigo pensando eu, não era própria para entrar lá. Um pouco esculachados, diria eu.
Aliás o mesmo aconteceu no Rosewood aqui e agora. Vestido com camiseta de ciclismo e bermuda cargueiro velha, e vestida para sujar, que aliás estava, perguntei ao segurança na rua se tinham local para deixar a bicicleta. Gentilmente me encaminhou. A garagem é mais chique que 99,9% das moradias que já vi na vida. O espaço de entrada e distribuição para as salas de reunião choca pela simplicidade e imponência. O lobby de recepção é de um impacto que confesso não sei descrever, ou, melhor, sei: Como nós somos pobres!
Há uma enorme diferença entre o "wanna be" e o ser. O Rosewood definitivamente é. Nunca vi nada parecido aqui em São Paulo. E não me lembro de ter visto fora do Brasil. Talvez só escola de samba no Rio. O Copacabana Palace? Tradicional, maravilhoso, por sua história pode-se afirmar um pouco mais rico, mas páreo a páreo.
Uma amiga, que já teve dinheiro, foi outro dia ao Shopping Iguatemi depois de muito tempo sem entrar lá. Se sentiu mal com tanta presunção.
Rico que é rico definitivamente não é grosseiro; por isso é rico.
A rua Oscar Freire, uma das referências de riqueza destas terras, nos fins de semana fica cheia de turistas compradores. Em Ribeirão Preto ouvi do dono de uma ótima loja de sapatos que o pessoal do interior quase se recusa a comprar coisas finas no interior, que tem que vir para São Paulo para dizer que comprou em São Paulo. Para eles é chique, só menos chique que ter comprado no exterior, mesma assim chique, pelo menos para eles.
'Voltar do exterior sem compras é de uma pobreza...'
O abismo social que temos vem da forma como pensamos. No Brasil ser rico é um crime, mas o povo gosta, e como queria ser bilionário. Coisa só da direita? Quem pensa pobre mantém a pobreza, esta é a questão.
Um bom paralelo com o Rosewood seria uma casinha de operário em Santo Amaro que, infelizmente não está mais lá. Estava numa rua de área industrial, numa calçada com uma sequência de pequenas residências construídas para operários. A diferença gritante era o esmero com o jardim, o muro baixo, a pintura, o cuidado com a calçada. Nunca soube quem eram seus moradores, mas eram ricos, sem dúvida muito ricos.
Chique, rico e dinheiro são coisas diferentes. A diferenciação se faz quando cai o complexo de inferioridade. Ter cultura, educação, civilidade, ajuda, como ajuda, a fazer a diferenciação.
Entender o Rosewood não é para qualquer um.
Entender o nível de cultura do jovem pesquisador de 25 anos vindo dos sertões é para a imensa maioria mais difícil ainda.
"Brasil não é para principiantes" - Tom Jobim