Faz de conta que alguém está me perguntando "O que achou do Bicicultura?" Minha resposta é "Tenho que tirar o chapéu para quem organizou, quem pôs em pé tudo aquilo. Foi uma trabalheira sem tamanho. Parabéns, mas parabéns mesmo!" Se o alguém me perguntasse a seguir "E o que mais...?", responderia "Bom, quer ouvir, então lá vai..."
Ato final do Bicicultura: um passeio de bicicleta de 20 km pela cidade reunindo participantes do congresso, terminando numa confraternização num bar cervejaria. Passeio levado por um grupo de mulheres que pedalou no ritmo delas um tanto sem olhar para trás, sem se preocupar com participantes que não fazem parte da turma, alguns com pouca prática de pedal e outros turistas na cidade de Florianópolis. Pelo caminho, quatro rotatórias bloqueadas pelos guias para que os ciclistas ficassem girando duas ou mais voltas em cada uma destas rotatórias gritando palavras de ordem, e que se danem os motoristas. No meio do passeio, numa ciclo-faixa que pulava do asfalto para a calçada a queda, feia, de uma ciclista, Vera. O resto da história quem quiser que vá se informar.
Terminado o passeio foram para a confraternização num bar / cervejaria de cardápio não popular, por assim dizer, onde as puxadoras meio que 'ouviram' alguns protestos sobre a condução do passeio para então meio que 'pedir desculpas'. "Nós fazemos assim..." respondeu uma delas. Ótimo, então que seja. De minha parte, Arturo, sei como são alguns passeios, então não estranho.
Peço desculpas se erro na forma e tom que escrevo aqui, mas traduzo em minhas palavras debochadas o que me foi dito. Vera, a que tomou o tombo, está com várias lesões, mas está bem, tudo está dentro do terreno do bem dolorido até aqui; faltando a radiografia do braço.
No Bicicultura caiu a ficha que o que me incomoda em algumas mulheres do movimento feminista é que elas são muito, mas muito mesmo, parecidas com homens chatos, mal humorados, de estranha soberba, e não raro prepotentes, porque não dizer empoderados, com os quais tenho dificuldades de comunicação. Não, não foram assim comigo, até porque não interagi tempo suficiente, mas pelas brevíssimas respostas que tive algo me dizia que eu terminaria tenso se a conversa se alongasse. Não senti muito clima, então mantive certa distância.
A sensação que me deu, mais uma vez e como sempre, é que como todos movimentos sociais de frente, de ponta, os que se dizem ou não, mas se acham "revolucionários", há um sentido de nós estamos certos, ou, mais, nós é que temos razão e vocês são uns idiotas. Eu fico com a definição sobre ideologia do filósofo, ensaísta, jornalista romeno Andrei Plesu (com cedilha no "s") que está no seu livro "Da Alegria no Leste Europeu e na Europa Ocidental".
Teresa D'Aprile e Vera, do Saia na Noite, estiveram no Bicicultura e certos momentos, para um público específico delas, foi como não estivessem lá. Não foram elas que disseram isto, mas eu é quem afirmo porque vi. Teresa e Vera têm uma história de muito valor para contar, são revolucionárias de verdade de uma outra forma, abrangem um campo social muito maior do que se possa acreditar só olhando "a revolução". Ou será um "carro a menos e um homem a menos" e ainda não caiu minha ficha? A bagagem e a experiência delas é notável e deveria ser imperdível, mas pelo visto não interessa.
Termino meu comentário, até diria protesto, tirando a generalização, e pedindo que o pesado de minhas palavras, o acido de meus comentários, fiquem no terreno do bom humor e do politicamente incorreto, o que definitivamente vai ser bem difícil. Não iria escrever sobre o azedume que senti se não tivesse tido a nítida impressão que o mesmo respingou até sobre outras mulheres, não só as duas do Saia na Noite. Da mesma forma que não aceito o "a bicicleta, pela bicicleta, para a bicicleta", definitivamente não entendo uma parte do movimento feminista, feminismo que acho mais que pertinente, com um discurso soando "a mulher, pela mulher, para a mulher". Mais ainda quando dito com tons empoderados. Empoderado deve ser chiquérrimo, mas não sei porque me embrulha o estômago. Talvez Gabeira um dia consiga me explicar. Talvez meu problema seja a forma como tem sido usada, aliás o mesmo problema que começo a ter com a palavra democracia.
A minha discordância sobre o uso de social e afins, incluindo socialismo, já deixei mais que claro, de qualquer forma acredito que exista uma diferença abissal entre ideologia, populismo e esquerda, que não raro são mescladas e confundidas. Para mim esquerda não é venda de um produto, mas a entrega de resultados sociais.
A definição de uma das mais ativas participantes do cicloativismo sobre o que aconteceu no Bicicultura foi precisa: "Isto aqui é uma igreja". Genial, brilhante!
Dito isto, em parágrafo de destaque, vou dizer que não valeu a pena? Muito pelo contrário, valeu e muito. No geral foi a mesma ladainha de sempre, mas tiveram ótimos momentos.
Para mim o ponto alto foi ter visto a prestação de contas da UCB, União dos Ciclistas do Brasil. Devia ter gritado "parabéns, parabéns mesmo!". Como acompanho a UCB desde o início, para mim foi uma gratíssima surpresa ver que a entidade tem um bom dinheiro em caixa, que recebe apoio até de banco, que faz contabilidade, auditoria, ou seja, que usam ferramentas monetárias capitalistas para chegar um fim de cunho social, porque não dizer, e de esquerda. Bravo! Bravo! Os puristas, a quem devo meu carinho e respeito, mas discordo, e seu purismo, que entendo, ficaram para trás, mas ainda estão junto na luta. Bravo! Eu queria ter dado um beijo em todas as que fizeram a apresentação financeira, mas pelo clima tenho certeza que me enquadrariam na Lei Maria da Penha, ou mandariam para o hospício. De qualquer forma, querendo ou não, fica meu beijo de agradecimento estalado e babado em todas. Bravo! Bravo! Quer saber, ali valeu minha ida ao congresso.
De minha parte gostaria que eu, Arturo Alcorta, não fosse citado, de preferência fosse esquecido por completo, como de certa forma está provado que quase estou. O Brasil não tem memória, caga e anda para sua história, porque seria diferente com o que aconteceu no passado da bicicleta.
Se faz muito não interessa o que penso e falo, se faz muito dizem que falo sem parar, que lá vem o Arturo, então peço desculpas por não ter me retirado definitivamente antes, mas tenham certeza que aqui me retirei. Mesmo que alguns tantos digam que meu trabalho serviu de referência, serviu é passado, foi-se. Minha voz, minha experiência, minhas contribuições e ou discordâncias, a bem da verdade de qualquer um, não interessam mais. Hoje é o tempo da bicicleta pela bicicleta, para a bicicleta, da ciclovia e ciclofaixa, do carro a menos. Não ouvi uma palavra sobre pedestres e pessoas com necessidades especiais, aliás ouvi, quando para pedir melhoras para ciclistas foi citado o número absurdamente alto de pedestres mortos em Florianópolis. Quem estava lá para ouvir um senhor vestido de preto, um Secretário ou o próprio Prefeito? Que me lembre chamaram o Prefeito.
Pessoas com necessidades especiais e suas mobilidades? Pelo que entendi das falas, a cidade tem que se curvar à revolução da bicicleta. Che Guevara pedalava ou só usava moto, como aparece no filme?*
Para mim é uma surpresa, Che Guevara nunca disse “hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”. De quem quer que seja, o "tem que endurecer, mas sem nunca perder a ternura" faz todo sentido, mas eu completaria com "sempre olhando os mais necessitados".
Sem mais, boa sorte a todos e todas.
Talvez vocês estejam certos e eu completamente errado, mas sigo porque acredito o que meus próprios erros me ensinaram: pensa em todos, pensa em tudo, não confronta, trate bem até seus inimigos porque mais vale um mau acordo que um confronto, e talvez ele tenha alguma boa razão. Olhar no espelho e me achar lindo e inteligente não fez parte de minha formação.
Inté, caros amigos. Boa sorte
*Respondo eu: Che estudou no mesmo colégio que meu pai, Colégio Marista Champagnat, era três anos mais velho, e naquela época, por volta de 1944, ninguém usava bicicleta, principalmente numa Argentina tão rica como era*. Era carro mesmo, algumas pouquíssimas motos. Via de regra era carro bom para circular numa Buenos Aires riquíssima, Belle Époque tardia e total. O resto, até que a história seja revista, é história.
*... Argentina tão rica como era... até entrar num ciclo vicioso de um populismo assistencialista que há 50 desintegra o país e empobrece brutalmente os mais necessitados.
Responsabilidade social é uma coisa, aquilo, o que houve, é outra coisa, completamente diferente.
É deprimente, mas agora votaram pelo fim dos donos da pobreza entregando o poder a um mucho loco, para dizer o mínimo minimorum. Deprimente, mas previsível. A toda ação existe uma reação. Aquilo deu nisto.
Serve de exemplo.