quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

...17 anos de obras para o Governo entregar.... 17 anos para formar um estudante

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Depois de 17 anos de obras finalmente foi entregue a Estação Terminal Vila Sônia do metro, notícia velha, um mês talvez, mesmo depois de 17 anos. O tempo de obra parece não espantar mais os brasileiros, acostumados a ver obras de interesse público empacarem pelas mais diversas razões, nenhuma plenamente justificável aos olhos de nossas urgências, muito menos aceitáveis em qualquer país minimamente organizado e funcional. Os dados internacionais não mentem. Deprimente dizer, mas como é de se esperar não há previsão para inicio de várias outras obras importantes, o que dizer para a entrega realmente concluída, até de obras bobas e vitais para o bem estar da população e futuro da nossa incerta macro economia. Num país tão desigual, com boa parte de sua população jogada na completa miséria, o descompasso entre vontade, ideias, projetos e conclusão só piora e com isto a desgraça geral e nacional. Baixamos a cabeça considerando normal o eterno "faz de qualquer jeito que lá vem a eleição" repetido por políticos sem escrúpulos a cada 4 anos e desta vez multibilionário; como se isto fosse a única solução. O que adianta ser mais um a lamentar? O que faremos de fato para mudar este Brasil cada dia mais disfuncional e esta tragédia nacional que agora mais que nunca afugenta os mais preparados que no mais puro desespero vão prestar seus bons serviços em outros países. A educação e treinamento destes que fogem saiu do bolso de cada um de nós e o custo deste êxodo, como sempre, recairá no futuro dos mais pobres. Do maternal à completa formação universitária são os mesmos 17 anos anos gastos para entregar uma única estação de metrô. Faz sentido?
 
Foto de 2007. Do outro lado da avenida o muro do que hoje é a Estação Metrô Vila Sônia. Passados 15 anos a calçada continua exatamente a mesma.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Feliz 2022 "se Deus quiser?"

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

"Se Deus quiser vamos ter um 2022 melhor" é um dos votos para o Ano Novo que mais se ouve pelas ruas, bares e lares. E numa destas trocas de gentileza ouvi de uma menina pequena segura pela mão da mãe "E se Deus não quiser?" Está provado que a suposta vontade de Deus ou a esperança de qualquer outro milagre vindo sabe-se lá de onde não mudará a situação do Brasil, mas ações e posturas sensatas e realistas de todos nós brasileiros. Um "ajuda-te que ajudar-te-ei" está em todas escrituras e vem bem a calhar. A máxima popular "Quer moleza? Senta no pudim" deve ter sido escrita por Deus. Como canta Elis em canção de Ivan Lins e Vitor Martins, "Deus está conosco até o pescoço".  Pensando com honestidade para com o futuro me nego a repetir "Feliz 2022, se Deus quiser". Em respeito aos jovens e pequenos, não só os meus, mas ao futuro deste país, do planeta, de todos, como cidadão tenho que arregaçar as mangas para corrigir nossos próprios erros e pecados, não necessariamente religiosos. Prefiro desejar um "Ao trabalho neste ano que se inicia por que temos muito, mas muito mesmo a fazer". 



quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Feliz Natal... com Covid

Foi um dos mais bem realizados casamentos. Longe pacas, lá em cima do morro, local ermo, talvez no passado uma casa de fazenda, chique, espaçosa, com muito verde, e flores, lindas decorações, vasos imensos. Festa divertida ao ar livre, gente pulante, camisas suadas, empapadas, danças, muitas, e uma comida deliciosa, mesa de frios e saladas quase sem igual, e uns doces... ah! os doces! 
Não bebo, e mesmo os que beberam, e não beberam pouco, não conseguiram nem chegar perto de terminar a adega oferecida. O melhor whisky não foi a bebida preferida naquele casamento carioca, coisa estranha para o gosto paulista. Que casamento! Quer saber, o casal mais que merecia, benção dos céus. Mais doces que todos os doces, maravilhosos doces que foram servidos.


No dia seguinte, almoço com toda família, incluindo a casada, e a noite jantar de aniversário de Clara. E abraços no pai da noiva, tio da adolescente, gente boa, grande amigo. E mais abraços.

Véspera de Natal e vem o alerta geral. "Você não leu o Whatsapp? O pai da noiva está com Covid!" Todos para o exame de Covid. Um pouco depois nova notícia: a mãe da noiva está com Covid! Correria geral. Véspera de Natal e todos os locais onde fazem exames de Covid sem hora e data disponível. 
Corre para lá, corre para cá, e finalmente se consegue exame para toda a tropa. Tudo negativo. Ufa! Quase. A médica consultada diz sem titubear o que já se sabe: antes do 5º dia todo teste... Ou, em outra perspectiva, acabou o Natal em família. "É recomendável que vocês não fiquem junto a idosos e bebes" dá a médica o veredito final. Bingo! Na mosca! O Natal é com idosos e dois bebes, um deles recém nascido. Acabou!

Feliz Natal a todos!

Óbvio que estou chateado, mas não vou colocar em risco ninguém. Por outro lado estou muito feliz por que de certa forma meu Natal já está feito. Como? Não consigo passar o Natal sem deixar alguém um pouco mais feliz. Um pouco de atenção, carinho e principalmente comunhão, é este o espírito da coisa. Cristo recém nascido ainda chorava pelo leite materno e nem sonhava com festas, alegria, comunhão, mas com certeza seus pais, os Reis Magos e o povo que viu a estrela e foi à manjedoura ia achar divertido todo mundo reunido comemorando o nascimento de Jesus e a esperança que neste dia nos traz.
Mais tarde o próprio Jesus já Cristo iria achar o máximo uma festa de aniversário, não para apagar as velinhas, mas deixar os outros felizes e bem alimentados. Natal? Papai Noel? Não exatamente para ele, definitivamente não exatamente. Muito menos o Natal emocional da Coca Cola com seu Santa Klaus definitivo que está na mente de todos. Creio que nem Ele reclamaria da propaganda bem feita e comunitária.

Meu Natal, o de minha alegria, será realizado mesmo que eu não esteja presente. Infelizmente. Dia 25 acontecerá um almoço de Natal para 20 pessoas que diariamente fazem 1.500 bolinhos e pães, mais um cafezinho com leite, para moradores de rua. E distribuem mais outros 1.500 à noite. E em breve vão começar servir refeições também. Detalhe: os 20 que trabalham pesado na padaria foram todos moradores de rua. O que tenho a ver com isto? Muito pouco, mas colaborei, colaborei com que pude, muito menos do que pude, mas colaborei um pouco mais que havia colaborado nos Natais passados.
Comunhão. Doar-se. Paz de espírito.

Por precaução dia 25 "provavelmente" não apareço por lá, no almoço de Natal do Pão do Povo da Rua, mas estarei lá, isto sim, estarei lá. Já dei um mínimo de felicidade para eles. A maioria nunca, repito, nunca teve uma árvore de Natal, nem presentes, sequer algum dia de suas vidas sentaram-se numa mesa para almoçar em família. Mesa para jantar é um luxo para poucos.
Neste Natal vão sentar juntos para comemorar o nascimento de Jesus. Acho que Ele gostaria, não pelo próprio Nascimento, mas por vê-los juntos e felizes.

Feliz Natal a todos

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Fontes, portais, pontes estaiadas, agulheiros, privilégios

Ironia do destino, tomando um café na rua acabei conversando com uma pessoa que trabalha na consecionária EcoRodovias. Falamos sobre a questão dos ciclistas nas rodovias Imigrantes e Anchieta, que não é o ponto aqui, mas ela soltou uma pequena informação que tem tudo a ver com o texto que publico a seguir:
- Nós (consecionária) negociamos por 21 anos para ter a liberação da obra (para fluir o trânsito na entrada de Santos, que é um caos).
Sim, 21 anos para liberar uma obra crucial até para a economia do Brasil. Não é excessão, mas infelizmente quase uma regra, talvez não de 21 anos, mas... Talvez justifique "Fontes, portais, pontes estaiadas, agulheiros, privilégios". Corrupção é um problema. Ineficiência são "n" problemas todos juntos e ineficiência é o que mais abunda neste país. Portanto viva o chafariz! (pelo menos enquanto jorra água)
Praça de Paraisópolis, quase excessão muito bem cuidada, com seu chafariz dos anos 50.

Prefeito que é prefeito de cidadezinha de interior tem que colocar ou reformar a fonte na praça na frente da igreja, ou pelo menos tinha para ser reconhecido, respeitado, aplaudido, votado. Inaugurada a belezura com pompa, passado um breve tempo e a fonte seca, a água não jorra mais, o laguinho da fonte vira lixeira de alguns. 
Prefeito novo, fonte nova, e assim vai, ou assim ia, já não sei mais como é. Os cuidados políticos com a fonte têm que ser acompanhados de bancos de concreto e propaganda dos financiadores pro povo sentar-se, conversar, ver os outros passar. Se não tem tudo isto não é fonte luminosa, que beleza! 

Não se esqueça dos portais que impõe respeito. Cidade que não tem um em sua entrada é cidade menor. Quanto mais chamativo o portal mais aplaudido, mais votos. Tem que ter em algum lugar o "Bem-vindo a..."

Edifício é coisa mais importante ainda, não importa o tamanho da cidade, que muitas vezes está mais para vila, mas sem edifício alto, pelo menos uns 10 andares, único que seja no meio da cidade, não é cidade, sabe-se lá o que é. Ora! onde morarão os ricos?

NY, o povo grita contra estupidez como esta
E estamos inseridos no progresso mundial. A passos largos nossas cidades se enchem de arranha-céus, tipo os últimos de NY, pode ler Nova Iorque mesmo, sem o coraçãozinho antes do NY. 
Na beira mar de Copacabana desponta o famosos hotel destoando andares e mais andares do padrão. Está lá a décadas, hoje não mais como algo estranho, mas integrado à paisagem que sobrea toda a praia no início da tarde. Uma cascata linda de fogos de artifício no ano novo.

Camboriú vista da BR116, foto 2013. Hoje muito mais agulheiro

Camboriú é irreconhecível para quem a conheceu faz poucos anos, uma década ou pouco mais. Exemplo de agulheiro exemplar, sim com hipérbole e tudo mais. Orgulho para muitos, a maioria. Até estenderam a praia para ter um pouco mais de sol que simplesmente sumiu das areias nas tardes, ou logo depois do almoço.

São Paulo dia pós dia é deformada, mas desta vez não foi a lançadora de moda do agulheiro.
os três estúpidos palitos vistos do Central Park 

A população de NY está em pé de guerra contra os paliteiros. A gota d'água foram os que fazem sombra no Central Park. A diversão agora é que um ou dois destes paliteiros residenciais está com sérios problemas de construção. 
Os nova iorquinos querem uma cidade que ofereça mais vida. Não querem privilégios. Ora, quem compra um apartamento com vista livre 360º não tem um senhor privilégio sobre os simples mortais, aqueles que caminham pelas ruas. Que se dane que sua vista sombreie a calçada do povo, que por sua vez fique mais fria. Que se dane que mude os ventos que diminuem a umidade de outros apartamentos. "Que se danem! Eu posso!" (E quem construiu e vendeu que viva feliz para sempre.)

Ponte estaiada é a belezura do momento. Chiquérrimo! Coisa de rico. Tem que ter uma de dar inveja nas outras cidades. Não importa se vai servir ao pretexto, tem que ser imponente, bem estaiada para todo mundo ver e dizer "que linda!".

A população de São José dos Campos até que brigou contra a ponte estaiada, mas ela está lá. Dita linda iria resolver os problemas do cruzamento que atrapalhava a vida dos motoristas de Colinas e outros bairros mais ajeitados. Não resolveu por completo ou não resolveu, depende do parâmetro que se use. De qualquer forma é uma imensa escultura, até interessante, mas para que? Nem pergunto quanto custou. Bom, agora está lá, são águas passadas. Grande chance de repetir-se.


Um dia cai a ficha do povo. Ou não. 
Num negócio nunca se deve centrar atenção na venda para um único cliente ou se perde outras vendas, lucro, geração de empregos... 

Perguntas que não querem calar: 
  • como se deve definir privilégio?
  • qual é o limite de se permitir privilégios? 
  • como estabelecer equilíbrio entre o que hoje se entende como "direito individual" (ou será privilégio?) com o direito e a responsabilidade coletiva?
  • qual é o custo futuro dos privilégios que permitimos hoje?
Por último; fontes, chafarizes, portais, pontes estaiadas são bens públicos ou privilégios políticos? E a liberação para construção dos edifícios altíssimos é privilégio de quem no poder público? 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Transitado e Julgado: nem Kafka imaginaria tal coisa, disse o advogado

Qualquer semelhança com.... blá-blá-blá...

Tudo começa com os sogros que compram um apartamento (50, 60 anos atrás?) com financiamento do governo e um tempo depois compram o segundo apartamento usando a mesma fonte de financiamento do governo. Não pode! Não pode!

E começa o pesadelo... que nem Kafka imaginaria.

Um dia a conta da nora está bloqueada. Como assim? O que houve? Não pode ser? Por quê? Mas é.
Procura daqui, procura dali, e descobre que os bens estão confiscados pela Justiça. Procura e descobre que é para pagar a dívida de um processo relativo a compra do segundo apartamento dos ex sogros, já falecidos a mais de 30 anos. Como assim?
Advogado dos bons na parada. Não é um processo, mas dois; opa, três processos, um na Justiça Federal, outro na Justiça Estadual... Este foi o que bloqueou a conta. Transitado e Julgado, nada mais a fazer.
- Para! Como assim?
Transitado e Julgado na Justiça Estadual, assunto encerrado, acabou, não tem recurso. Como assim?

Depois de bom tempo e consegue acesso às 8 mil páginas de processo, sim, 8 mil páginas de processo! Está lá na sentença: os réus foram procurados pela Justiça por mais de 10 anos e não foram encontrados, portanto Transitado e Julgado, a nora é considerada culpada, fim. Se os réus não se interessam que se danem, diz o juiz em outras rebuscadas e educadas palavras.
- Espera aí, quantos anos tem este processo?
- Correu por bem mais de 20 anos.
- Não me lembrava, chora a nora.

O outro processo, o chamado processo mãe, aquele que deu início a toda história corre há 30 anos na Justiça Federal ainda sem data para ser julgado.
- Quem estava cuidado do caso era meu cunhado, que foi juiz e desembargador; comenta a nora. Hoje está aposentado, completa ela olhos marejados.

Justiça Federal: o financiador, Governo Federal, processa os sogros pela compra do segundo apartamento financiado. Não pode!
- Espera aí; não foi o financiador que financiou o apartamento? Não foi um erro do financiador? Por que processar o comprador?
De fato, pela lei não poderia financiar um segundo apartamento para o mesmo comprador. Mas termina aí, o financiador colocou o apartamento em leilão antes de buscar acordo com os compradores ou a Justiça definir o que fazer no caso. Mais: o apartamento já estava 85% pago quando os sogros morreram e a lei neste caso diz que o apartamento estava quitado, pago, assunto encerrado.
- Bom, isto na Justiça Federal.
- Onde entra a Justiça Estadual e este Transitado e Julgado definido agora?
- O juiz que deu a sentença é considerado um dos melhores que a Justiça tem.

Justiça Estadual: o Transitado e Julgado se dá a favor do comprador do apartamento que comprou do financiador, Governo Federal, mas não recebeu, não tomou posse porquê o apartamento se encontrava alugado pelos réus, os herdeiros dos sogros já mortos e enterrados faz décadas.
- E eu com isto? Desculpe, não estou entendendo? O apartamento foi a leilão sem aval legal, foi comprado por uma segunda pessoa que comprou e não levou? É isto, eu entendi bem?
- Um funcionário da financiadora, Governo Federal, colocou em leilão antes da definição da justiça sobre o direto de posse do apartamento.
- É problema deles.
- Os herdeiros (dos sogros, o ex-marido e o cunhado desembargador) colocaram um inquilino. Daí o terceiro processo, do inquilino contra os não proprietários ou o que quer que seja.
- Ok, então todos vão pagar por uma confusão do financiador?
- Não, só você, a ex, e cunhada.
- Como assim? E minha cunhada, mulher do desembargador?
- A Justiça diz que ninguém foi encontrado, só você. Procuraram durante 10 anos e nada. Transitado e Julgado.
- Tivesse colocado meu nome no Google e sairia um monte, pelo menos três páginas. Meus endereços que constam no processo não mudaram. A casa dos meus pais continua no mesmo lugar. Como não me encontraram?

Advogado vai atrás buscando mudar a situação, questiona, questiona, questiona a Justiça até receber uma multa do Juiz por exagerar nos questionamentos. Transitado e Julgado, acabou, fim, não tem mais o que discutir!

Pergunta que não quer calar: se o cunhado é desembargador aposentado e está recebendo do poder público como não se sabe o paradeiro dele?
No processo de 8 mil páginas está que a ré, a ex cunhada, abdica de toda e qualquer relação com seu os interesses de seu ex, inclusive possíveis bens provenientes de herança dos sogros. Documento anexado ao processo bem no começo do tramite na Justiça. Terá o juiz que pegou o processo agora e deu como sentença Transitado e Julgado tê-lo lido ou visto no meio de um processo com 8 mil páginas correndo há 20 anos?
- Você vai pagar sozinha.
- Como assim?
- Vou acabar na rua sem ter o que comer? Não tenho como pagar?

A justiça declara que o ex-marido, o filho dos sogros compradores do apartamento e irmão do desembargador desaparecido, deve receber do financiador do apartamento irregularmente comprado pelos seus pais, uma indenização. (- Como?) Razão: o Poder Público imaginava que ele estaria morto e enterrado. Sem atestado de óbito. O morto agora foi milagrosamente encontrado vivo.
- Doutor, é piada? diz a nora para o advogado.
- Não, não é!

O proprietário do apartamento, vencedor na Justiça, Transitado e Julgado, decide, depois de receber boa parte da dívida da cunhada, que vai arquivar o processo contra ela, nora, e ir atrás do ex-marido e do cunhado desembargador, que agora se supõe estejam vivos. No caso do juiz e desembargador aposentado e recebendo da própria Justiça, imagina-se que esteja vivo e com certeza está recebendo sua ótima aposentadoria da Justiça.

Falta o terceiro processo: o inquilino dos herdeiros dos sogros foi posto para fora e se sentiu prejudicado nestes mais de 20 anos. Agora processa os ex proprietários, ou seja, a nora, a única encontrada pela Justiça. Transitado e Julgado

Qualquer semelhança com Kafka deve ser descartada porque nem Kafka imaginaria tal situação.
Qualquer semelhança com a realidade.... blá-blá-blá...

Transitado e Julgado, final.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Quando vem a chuva no pedal?

Pare! Olhe para o céu com atenção. Feche os olhos, sinta o cheiro do ar e a umidade do vento. Abra os olhos e num ponto fixo veja como está o movimento das nuvens, a altitude, a cor, como elas passam, de onde vem, para onde vão. 

Uma das coisas que a bicicleta me ensinou foi saber com alguma precisão em quanto tempo vem chuva. No passado, em décadas, foram raras as vezes que errei o tempo que ainda tinha para pedalar seco. Hoje mudou, está estranho, mas ainda dá para fazer uma boa ideia. 
Estabelecer uma ligação mais direta com a natureza dá a vida um outro sentido, algo muito maior que é difícil de explicar. 
Sempre tive inveja de gente que consegue ler a vida, integrar-se com ela. Em Santa Catarina vi um pescador que sabia onde estava o peixe na rebentação da praia em noite completamente escura. Conheci mateiro sabe onde tem o que mata adentro vendo o que ninguém vê. Gente do campo, caipira ou lavrador, que olha calmamente pro céu e sabe o que virá no dia seguinte. Nuno, tio de amigos, homem igual a qualquer animal, que acampado no meio do terreno do Simba Safari conseguiu controlar as brigas dos leões, mãos limpas, simplesmente dando broncas e eventualmente um ponta pé na bunda deles. Os leões nunca reagiram contra ele.
Ler a vida, integrar-se a ela. Em raras experiências de minha vida senti me literalmente vivo. Não dá para explicar, tem que experimentar. Na vida da cidade é olhar para o horizonte...

Olhe o céu.

Passei o fim de semana em São José dos Campos visitando um velho amigo. Pedalamos na sexta-feira à noite um pouco abafado, calor agradável, céu limpo, estrelado e lua crescente, perfeito para rodar por dentro de um bairro residencial calmo. Sábado pedalei só pela manha num calor pesado, depois almoçamos feito esfomeados que tinha acabado de sair do deserto. Iríamos pedalar novamente à noite, mas ainda sofrendo dos efeitos da gula e com um calor infernal, 34º, desistimos. 
Domingo, meu último dia, queria ter ficado com ele um pouco mais e dado um forte abraço de Natal antes de voltar para casa, mas olhei o celular e acabei fugindo rapidinho da chuva que eu simplesmente não conseguia ver pela janela do 10º andar do quarto do hotel. 
Preparei minhas coisas, olhei de novo a meteorologia no celular e dava chuva em breve. Mudou rápido. Olhei novamente pela janela e vi só algumas nuvens altas, nada de chuva. De qualquer forma me mandei pedalando para a rodoviária, parei um pouco na maravilhosa vista do banhado de São José dos Campos com a Serra da Mantiqueira ao fundo, vista aberta, longa e nenhum sinal de chuva. 
Não demorou muito entrei no ônibus, partimos e um pouco a frente apareceram as nuvens pretas e o vidro marcado pelas gotas de chuva. Cheguei em São Paulo e em casa sem chuva, almocei e caiu uma chuva torrencial. A noite deram notícia que a tempestade fez estragos e mortes em Guararema, onde caíram pingos na janela do ônibus, e em alguns bairros por aqui. Conversei com o Zé que contou que também tinha caído o mundo por lá. 

Óbvio que a meteorologia do celular mais que ajuda, é precisa, ou pelo menos deveria ser já que vem da interpretação de dados de inúmeras estações meteorológicas espalhadas pelo país. Já fui enganado mais de uma vez pela sofisticada tecnologia que afirmou uma coisa e acaba acontecendo outra. Erro deles? Não. A informação do aplicativo do celular é precisa, mas genérica, tipo 'vai chover' sem dizer exatamente onde. Acontece principalmente se você estiver numa cidade imensa como São Paulo onde ilhas de calor criadas pelo cimento e a falta de verde fazem de previsões algo um tanto imprevisível.

Quando você olha para o céu vê o que vai acontecer com certa precisão no local onde você está. Use seus sensores e volte seco ou molhado para casa, sua opção. 
Procure um local de onde tenha uma visão ampla, se possível o mais próximo de 360° que permita enxergar o céu longe. Aí basta olhar, sentir a velocidade do vento, seu cheiro e umidade. Dá uma divina sensação de estar vivo.    

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Velhos, aponsentados e abandonados

Estou cuidando de uma pessoa próxima e querida que tem Alzheimer. Só sabe o que é quem já passou pela experiência. 

Faz muito meu médico recomendou que em vez de gastar dinheiro com remédios caros gastasse com alguma diversão ou algo que me fizesse bem. Foi minha opção e para o caso funcionou. É provável que os remédios tivessem acelerado a recuperação, mas a diversão foi muitíssimo mais barata. É o que eu estou voltando a fazer agora. 
Empresas com alta eficiência tratam bem seus funcionários exigindo que eles parem, descansem, se divirtam, não só para diminuir custos com saúde, mas também para aumentar a produtividade. Esta técnica é mais que conhecida e funciona.
Fugir é bom para diminuir a pressão, mas dependendo da consciência que se tem da realidade não resolve. Não sei de quem é a frase "a ignorância é uma benção", maravilhosa ideia que neste momento não consigo aplicar. Conforme a intensidade dos ventos nem o salto no vazio para cair suavemente de paraquedas no gramado verde de terra firme acalma.
Tudo tem um limite e tem vezes que só diversão não resolve, o que parece ser o caso agora, mas ainda vou tentar mais um pouco. Não sou fã de remédios.
Como detalhe: Paris tem uma única farmácia 24 horas em toda cidade. É de se pensar. Que seja.


Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Estou tendo contato com Alzheimer pela segunda vez. Meu avô se foi faz tempo, numa época que pouco se sabia sobre como manter alguma qualidade de vida do doente. Hoje é fácil acessar documentos que oferecem orientação sobre como agir corretamente para o bem-estar de quem se cuida. A questão é que para cumprir o básico é necessário muito tempo disponível e principalmente dinheiro. Tempo disponível é um luxo para pouquíssimos. Dinheiro? As contas simplesmente não fecham mesmo com tudo na ponta do lápis e consultoria de uma excelente, responsável, cuidadosa especialista no tratamento da doença. 
A regra básica é respeitar o histórico do doente. Dependendo do nível de consciência tirá-lo da convivência de sua casa, afastá-lo de seus hábitos e dos seus é mais que uma violência. Mandá-lo para uma instituição ou casa de repouso é muito cômodo para todos e mais barato, mas dependendo do estágio da doença é literalmente desumano. Deixá-lo largado ou cuidado por não profissional é grande risco de piora ou sofrimento. 
Um ponto dramático é o custo das cuidadoras que por conta das leis trabalhistas saem caríssimas. A lei não olha para os cidadãos que necessitam cuidados especiais e contínuos, muito menos para a realidade da maioria os próximos que simplesmente não tem condições de se adequar a situação legal.
Colhendo informações sobre tratamento confirmei que a vida da maioria destes doentes ou pessoas com necessidades especiais via de regra é muito precária, não raro pior que o dito inferno. Falo aqui de grande parcela de mais de 15% dos brasileiros.

A conclusão do que estou vivendo é que ou este povo que trabalhou toda sua vida pelo país acaba do jeito que dá, praticamente sem reconhecimento e assistência do Estado, ou vira business, em outras palavras, um belo negócio rentável. Que mal estes cidadãos fizeram para o Brasil?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

O valor agregado dos detalhes no turismo. Ou, como ter um ótimo produto e não tirar proveito.

Por que tem, melhor, tinha (antes da pandemia e este nosso caos econômico) tanto brasileiro optando por viajar para o exterior? Porque o turismo interno brasileiro não alcança o potencial que tem? 
A razão mais provável é que na ponta do lápis fazer turismo no Brasil não raro sai (pelo menos saía) mais caro do que ir para os Estados Unidos ou Europa. A segunda razão era a qualidade do turismo, o que é entregue para quem paga para relaxar cá e lá; aí há uma diferença tristemente desfavorável do viajar no Brasil. Temos um país de belezas raras, mas com uma estrutura de serviços e atendimento que no geral é precária, principalmente no turismo. São inúmeros os erros, as falhas no atendimento, alguns primários, aparentemente sem sentido, parecendo fáceis de corrigir, mas que não se corrigem. Não aproveitamos o imenso valor agregado que temos.

Estive no Hotel Carlton Suites de Limeira, um hotel muito bem instalado numa imensa área com verde, gostosa piscina que dá para nadar (15 metros), piscina para crianças, pequena academia, sauna, 3 quadras de tênis, quadra de vôlei, bem cuidado campinho de futebol gramado e muito verde. A estrutura que eles oferecem para o preço que se paga é raro na hotelaria mundial, um custo / benefício ótimo para o hóspede. Confesso que não entendi bem tudo aquilo e passei os dias pensando como fazer o incrível valor agregado do hotel virar valor agregado não só para a rentabilidade do próprio hotel, mas para a cidade de Limeira. Com a correção de uma série de detalhes comuns na hotelaria brasileira esta seria uma das melhores estadias de minha vida, incluindo alguns ditos hotéis de 4 e 5 estrelas da Europa. Começaria por divulgar com clareza e eficiência o que oferecem, depois melhorar o serviço de bar e restaurante, tendo como ponto de partida o café da manhã, o que não foge da regra da hotelaria brasileira. No Ibis Sorocaba a gerente de então (Carolina, creio), que gosta e sabe o que é um pão, tirou os farinhentos e serviu "pão", o que resultou numa melhora sensível em todo o café da manhã, que por sua vez fez boa diferença na ocupação. No caso do Carlton Limeira, ter aquela ótima área de piscina e não ter pessoal sempre por perto atendendo, não dá para entender, principalmente porque metade do restaurante é acessível aos banhistas. A área é agradabilíssima, mas mal aproveitada. Detalhes e mais detalhes que aqui no Brasil parecem irrelevantes para o negócio do turismo. Será?
E é comum o hotel não se lembrar que está numa cidade, que faz parte da cidade, que pode tirar proveito da cidade. Próximo do hotel Carlton tem a praça João Soares Pompeo que a noite abre seus trailers de sanduíches, churros, pasteis, com preparações típicas do interior de São Paulo: grandes, super recheados, deliciosos, leves. Você senta ao ar livre da praça que recebe todo tipo de gente, de famílias com crianças pequenas a jovens prontos para noitada. Muito agradável, ouro em pó para o turismo que não vem sendo aproveitado. Nesta praça comi um sanduíche imenso e delicioso no trailer Baita e no dia seguinte um dos melhores pasteis de minha vida no trailer do Patrick. Eu ainda volto para Limeira só para comer em todos trailers que estão lá. Quem conhece gastronomia sabe do que falo. Fato é que deixariam babando qualquer um daqueles apresentadores de TV que correm os Estados Unidos atrás de sanduíches e outras guloseimas, programas de grande audiência aqui no Brasil.
Detalhe: eu janto muito cedo, por isto na foto a praça está vazia. A diversão para valer na praça começa depois das 20:00h.
A estrada para Piracicaba tem uma paisagem linda, riquíssima, e é ótima para pedalar ou correr a pé. Pedalando um pouco mais de 30 km tem a vila Monte Alegre construída para o pessoal que trabalhou na usina hoje desativada, um patrimônio histórico arquitetônico lindo que está sendo restaurado. Tem alguns ótimos restaurantes abertos. Vale a visita, vale o pedal. Descobri por acidente, porque era o caminho para o salto de paraquedas que fiz logo ali. Quero voltar, vou voltar, merece. 
Tem outras estradas, outros locais próximos, outros atrativos até em Limeira, mas ninguém fala, parece não interessar fixar o turista lá.
O potencial do hotel Carlton é muito grande, mas porque não senti que se está apostando nele?  
Dá para corrigir e não se corrige porque não querem. Do jeito que está tem público, está bom? Pensamento curto.
Num passado não muito longínquo Paris era destino de muito desejo, mas o comportamento e o atendimento dos parisienses afastavam o grande turismo. Foi necessário intervenção das autoridades para tornar Paris a cidade amigável que é hoje, uma das cidades mais visitadas do mundo. Resultado: empregos, cidade cheia de vida, diversão, trabalho, turistas e mais turistas, muitos com bolso cheio disposto a gastar... O parisiense mal-humorado praticamente desapareceu, o atendimento ao turista é ótimo, cuidadoso, carinhoso, detalhista. Bom para todos.

O turismo no Brasil está melhorando, mas está muito longe de seu potencial, muito longe. Precisamos entender que ser formalmente educado não significa dar bom atendimento. Atendimento é uma coisa, atendimento obrigação do trabalho é outra, completamente diferente. Uma é quente, rentável, outra é formal, fria, no final das contas desagradável.

Turismo tem que ser receptivo e saber receber é uma arte que se aprende quando se tem vontade.  

domingo, 5 de dezembro de 2021

Saltar de paraquedas

Fomos arrastando a bunda pelo longo banco até a larga porta do avião. No meio do caminho o paraquedista a quem eu estava preso pediu para esperar o paraquedista da frente saltar; e ele desapareceu, não me lembro como. 
- Passa a perna sobre o banco e lembra do que te disse, cuidado com a cabeça, agachado (na beira da porta), com as mãos (segurando) nas alças do paraquedas". Eu estava completamente calmo, quase apático. Coloquei a cabeça para fora do avião, senti o vento forte passando, olhei para baixo, linda paisagem, e pelo que me lembre me joguei. 
A primeira sensação foi a da aceleração muito forte entrando na cabeça. Muito vento da cara. Antes mesmo dele pedir estiquei minhas pernas e braços. Em poucos segundos a aceleração se estabilizou e me senti mais cômodo. Zero medo. Como sempre olhava apaixonado a paisagem, nada mais. Senti uma suave desaceleração do primeiro paraquedas e logo em seguida um tranco para a desaceleração mais forte do paraquedas principal. Silêncio. O barulho do vento na cara parou. Silêncio. Olho para baixo e nada sob minhas pernas, nada. Voo. Delícia, só a terra lá em baixo, como num avião, recortada em terrenos, verdes de plantação, quadrados de construções, estradas, um pouco mais longe Piracicaba, paisagem sem a janela de um avião, sem o chão, sem nada; mágico, mágico. Paraquedas aberto a partir de uns 2.500 metros começamos a descer suave, em completo silêncio. Quisera ser urubu, sou urubu, estou urubu. Jeff, o paraquedista fez um giro rápido e pedi para parar. Quis ver a paisagem.com calma, olhar para baixo e não ter nada sob os pés, quero virar urubu, voar, voar, voar.
- Vamos saltar de 4.000 m. Para você vai ser um pouco mais longo, disse Jeff enquanto ganhávamos altitude no avião, a frase passou rápido, descemos lentamente, mas não quero descer. Aquela paisagem.
Jeff me trouxe de volta ao paraquedas 
- Segura aqui, e as cordas de comando do paraquedas foram soltas em minhas mãos. Só então olhei para cima e vi que o paraquedas não era o redondo, mas estes mais modernos, tipo paraglide ou parapente (ou simplesmente paraquedas retangulares). As reações do paraquedas aos comandos são muito suaves. Você puxa a corda da esquerda e vamos para esquerda, a da direita vamos para a direita, puxa as duas e... sei lá. Parece não ter segredo.
Ele retomou o comando. 
Só a partir de uma certa altitude se percebe de fato a descida. As referências ficam cada segundo mais nítidas e maiores. No alto é tudo muito pequeno, de uma beleza sem fim. Tive sorte com o clima, poucas nuvens, sem vento, céu azul, ar límpido, transparente, dia ideal. A região de Piracicaba é belíssima, de uma riqueza rara. Nos últimos momentos passei a olhar o ponto de aterrissagem pela curiosidade do procedimento. Medo zero, nada diferente de um avião.
- Mais um pouco vamos aterrissar. Lembre do que te disse; pernas esticadas para frente e mão segurando as alças das pernas das calças. Vamos aterrissar de bunda. (De bunda?)
Os metros finais são interessantes. Vejo pequeninhos os outros paraquedistas fechando seus paraquedas e me pergunto onde aterrissamos, no meio deles? Jeff gira para direita, gira para a esquerda, nos alinha com o gramado gramado ao lado da pista. Nos aproximamos menos rapidamente do que imaginei. Rasante bem baixo. Minha bunda arrasta pela terra levantando poeira. Fico sentado; Jeff me pede que espere, solta as travas que me prendem ao corpo dele. Me levanto, ele pergunta se gostei, quase respondo "precisa perguntar?" Maravilhoso!

O único incomodo que sinto é nos ouvidos. 
- É normal, acontece com todos paraquedistas. A diferença de pressão é muito grande. Abre a boca que passa, orienta Jeff. Aperto o nariz, fecho a boca, sopro e volto ao normal, ou quase: o corpo diz baixinho que houve algo fora do usual, nada de mais. Olho em volta e os paraquedistas que saltaram junto desapareceram. O avião, lindo por sinal, acelera o motor e passa decolando para levar outro grupo de paraquedistas.
Jeff enrola as cordas e o paraquedas, cruzamos a pista. Na entrada para o pátio ao lado do hangar encontro os três que vão fazer o salto duplo depois de mim, duas meninas e um garoto. Quando preenchíamos a ficha de inscrição estavam tensos e ansiosos.  
- E aí, como foi? pergunta uma delas com a mãe apreensiva ao lado. 
- Maravilhoso. Tranquilíssimo. Vocês vão adorar. Vale e muito a experiência. Vocês vão adorar, Tranquilíssimo.


Saltei com o Quero Saltar Dive Thru. Recomendo. Não sei como são as outras companhias que oferecem salto duplo, mas nesta o atendimento foi muito bom, pessoal educado, simpático, leve, o que é muito importante para já não sair do chão tenso. A menina da recepção recomendou que usasse o macacão deles "para não sujar a roupa", o que recomendo a todos. Fiz o salto numa sexta-feira, que é mais tranquilo, com um pouco de sorte é chegar lá e saltar. Sábado e domingo costuma ser concorrido.

Vou saltar novamente? Caso não estivesse tão sensível de labirinto com certeza. O que com certeza vou fazer é um voo duplo de asa delta, o que só não fiz antes por simples impedimentos das oportunidades. 
Medo? Zero. Sou ciclista, pedestre, motorista, me interesso por segurança no trânsito e vou ter qualquer preocupação em saltar de paraquedas? Só se for por piada. Saltar é infinitamente mais seguro que viver numa cidade.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Voar ou saltar de paraquedas? Qual o preço na vida de cada um?

Nunca pensei em pular de paraquedas até que meu pai, aos 88, disse que nesta vida ainda gostaria voar de Paulistinha e de saltar. Voar de Paulistinha não me surpreendeu, mas saltar sim. Vendo como fazia para realizar os desejos dele descobri que voar de Paulistinha é difícil tanto porque restam poucos voando por aí como porque a ANAC não permite mais voos de "turismo" nestes aviões. Queria eu voar de Paulistinha.


No jantar que ele falou sobre seus desejos acabou vindo a pergunta se eu teria coragem de saltar. "E por que não?". Mesmo não sendo um desejo latente, quando abri os sites de paraquedismos acabei ficando com curiosidade. E por que não? Afinal, base jump provavelmente teria sido meu esporte caso existisse quando era jovem. Se faria um esporte onde praticamente não existe qualquer possibilidade para correção de um erro, um esporte chamado por alguns de suicídio controlado, por que não saltar de um avião? Como quero experimentar por pura curiosidade vou para um salto duplo ou em tandem.
- Deve ser parecido com down hill, disse um amigo.
- Não creio. Já desci forte com montain bike sem suspensão, sei o que é, mas não sei se desceria da forma como despencam hoje com estas full com 140 mm ou mais de curso (de suspensão). Acho que ai teria medo.
- Você está dizendo que salta sem medo para o vazio de um avião a 3.700 metros e tem medo descer (downhill) uma trilha numa bicicleta que deixa o terreno liso (por causa da suspensão)?
- Tenho. Se eu cair numa pedra a 50 km/h vou me quebrar todo..., e sou interrompido aos risos.
- Se o paraquedas falhar você morre!, diz ele ironicamente e rindo
- Exatamente, morro, acabou, ponto final. Se errar (no downhill) vou demorar meses para me recuperar o que já experimentei algumas vezes na vida e não estou a fins de repetir; e minha resposta o deixa tanto confuso quanto furioso.
- Cara, faz o que você quiser! e a conversa termina.


Nos permitimos pequenos erros diários que vão cobrar seu preço no futuro. Alguns erros vão acabar nos matando lentamente, os piores virarão círculo vicioso que nos enredarão em angústia eterna. Boa parte deles são erros conscientes.
A vida nos ensina que há situações em que não podemos cometer erros, zero, ou o preço é definitivo, e nestas nos esforçamos o máximo para não errar e normalmente não erramos.
Erro tem uma relação bem próxima com perigo, e perigo é algo inerente a nos mantermos vivos. Nós dias de hoje, onde os perigos para a sobrevivência são bem pequenos, o importante é manter a saúde mental e sem perigo virá uma chatice mortal.


O que de fato é mais perigoso, voar num pequeno avião, pular de paraquedas ou pedalar no trânsito? Como avaliamos os perigos? O emocional diz "paraquedas", a verdade, baseada em dados precisos, aponta sem qualquer sombra de dúvida pedalar no trânsito, mas quem se importa?


Que preço cada um de nós está disposto a pagar por seus próprios erros, pelos perigos inerentes?


Amanha salto. Não estou nem um pouco preocupado. Minha preocupação é outra, é com esta coisa de querer realizar meus desejos num momento que minha cidade, meu país, meus iguais vivem um caos. Meu sentimento de culpa me mata. Considero que erro feio, gasto muito com minhas vontades enquanto na esquina de casa um miserável revolve o lixo em busca de restos. Não me sai da cabeça.

Estranha sensação.

Outro dia, saindo da pizzaria com um pedaço de pizza na caixa, vieram no meu sentido dois adolescentes pobres olhando fixo a caixa. Perguntei se queriam comer a pizza, responderam felizes que sim. Entreguei a caixa, agradeceram, e pouco depois, bem rapidinho, passaram por mim, agradecendo novamente e se foram. Tão rápido não poderiam ter comido a grande fatia de pizza. Olhei, lá estava a caixa aberta sobre uma lixeira. Fui, peguei e vi que deram duas dentadas e largaram bom pedaço da deliciosa pizza ali. Fiquei com raiva. Na casa de minha mãe, classe média alta onde não falta comida, seria uma situação inaceitável. "Serviu mais do que consegue? Agora engole. Não vai sobrar nada no prato".
"Eles (pobres miseráveis esfomeados) têm direito (de não gostar ou deixar no prato)", me explicou a assistente social. "A falta do direito a ter direito é o que mais afeta a saúde emocional deles (moradores de rua e mendigos)". Ou de qualquer um, disto tenho certeza.
Por que não posso realizar meus desejos?

Dentro da sociedade que em desejos me cobro, onde todos são preocupados com o bem-estar dos outros, o número de suicídios é alto. É dado estatístico.
Em sociedades individualistas o índice de suicídio costuma ser baixo, mas o desastre social muito sensível.

A sociedade do indivíduo que tanto criticamos agora empurrou o progresso de todos em muitos sentidos e numa velocidade alta. É fato, não ideologia.
Sociedades igualitárias impositivas definitivamente não foram igualitárias. Fato, não ideologia.
Inaceitável é deixar os outros largado. Simplesmente não funciona. É fato.

Tudo tem seus erros e perigos, faz parte da vida. O que nunca aprendemos é avaliar corretamente os prós e contras. Aí está o perigo.


Amanhã salto de paraquedas.
Todos os dias neste Brasil inesperado salto socialmente de paraquedas, não importa como está a meteorologia.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Centro de São Paulo, reflexo da cidade, muito pior do que estava

SP Reclama
O Estado de São Paulo

Não faz muito, talvez um mês, passei pedalando pela av. Duque de Caxias. Voltei a passar para ir à Sala São Paulo e fiquei assustado com a gritante piora. Pedalo pelo Centro de São Paulo desde o final dos anos 70 e o nunca vi tão degradado. A área conhecida como Cracolândia sempre apresentou problemas difíceis de serem trabalhados, mas nunca ficou assim.
Numa cidade é impossível isolar um problema. Cracolândia é resultado de inúmeras políticas equivocadas, incluindo grosseiros erros de planejamento urbano que São Paulo vem tendo faz muitas décadas. Cidade grande, rica, muito desigual e sempre envolvida num tornado de especulação imobiliária que a cada dia vem se tornando mais destrutivo. Cresce rapidamente com distorções e suas consequentes cicatrizes que simplesmente parecem não ensinar nada aos paulistanos. O planeta hoje grita que crescimento a qualquer custo é estratégia que vai muito além do erro e da irresponsabilidade. Erros podem acontecer até por boa-fé ou desconhecimento, mas não importa porque razão terá seu preço futuro, isto é líquido e certo, paulistanos e cidadãos de qualquer cidade brasileira está cansado de saber.
Enquanto o Centro da cidade está largado à pior miséria, por toda a cidade se vê o surgimento de novos empreendimentos com edifícios enormes, altíssimos, sem qualquer padrão ou integração com o ambiente do entorno, o que desfigura o caráter, o espírito e a memória de toda a cidade e de seus cidadãos. 
A ideia básica desta distorção, escrita em lei, é permitir o adensamento populacional no entorno dos corredores de transporte de massa e do metrô, 50 anos atrás fazia sentido, tinha lógica, estava correto, mas estará hoje? Vale o preço de se apagar a memória da cidade? Nunca valeu. Com o crescimento dos meios digitais a forma de trabalho, transporte e vida social já mudou e vai mudar mais ainda, assim como o entendimento sobre o uso do espaço urbano e coletivo. O que vem do celular aponta para uma já sensível mudança nos deslocamentos e consequente uso dos transportes de massa. 
O caminho para um desenvolvimento urbano sustentável vem há muito sendo apontado por diversas capitais mundiais, mas mais uma vez São Paulo busca suas próprias verdades e caminhos que, olhando o passado, atenderam a interesses pouco coletivos, pouco urbanos, nada equitativos. Pouco deu certo e o resultado reflete-se na tragédia do Centro que temos. 
Passamos e muito da hora de respeitar a cidade que temos, vivemos e amamos.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

É lógico que consigo...


"Genial nada! De uma demência impar!!!" comentário sábio de Thomas que estava gravando e assustou-se com o 'pequeno erro' que cometi.

Como tudo nesta vida o discreto tombo foi uma burrice cortada por "faca de dois legumes", o primeiro esportivo(?), se assim se pode chamar(?), o segundo simbólico e metafórico, relativo ao comportamento social.

A razão do tombo esportivo(?) explico no blog Escola de Bicicleta correio, mas o resumo da ópera bufa foi: IDIOTA!

Eu sei o que estou fazendo amaldiçoa nossa humanidade e o planeta, nem de longe é minha exclusividade. Pouquíssimos são os que sabem de fato o que estão fazendo. Menos ainda quando um ser humano vai fazer o que não é o trivial. Estamos na era dos super heróis, dos vencedores, dos que não podem falhar. Somos uma sociedade incutida de todos estes predicados e mais o "vai que vai dar certo". Será? 

Mesmo no mais trivial vira e mexe cometemos erros básicos, risíveis, estúpidos ou qualquer outro adjetivo que se prefira incluir à besteira, burrice, idiotice... Você decide.
Por exemplo: outro dia coloquei óleo de soja diretamente no fogão. Como assim? Para que? Ora, para fritar a cebola e preparar o arroz. A panela estava à minha esquerda. Ora! por pouco! Pequena distração... (só rindo para não chorar). Felizmente estava com o fogo fechado. (Fogo fechado é ótimo, deve ser coisa de religião). 

Começa no "você não me deixa falar", passa pelo "deixa que eu faço", e outras frases afirmativas que têm a ver com a obrigação de ser socialmente vencedor, ou não aceitar que não sabe o que está fazendo, ou não interessa o que o outro sabe... Resumo: quem não é vencedor é perdedor, dogma inquestionável de nossa civilização; ou será civilidade?

Estou tentando ajudar uma prima que está com Alzheimer. Tudo que pensava até entrar neste processo sobre os que tratam, acompanham ou os que não conseguem lidar com o doente simplesmente foi revisto ou caiu por terra, e a maioria das minhas (frágeis) verdades se provaram invalidas, algumas completamente estúpidas.  Meu "é lógico que consigo..." está sendo um fardo além do que posso carregar. 
Somos todos humanos.

Contribuo com um dinheirinho para a AAC, sempre me preocupei com o pessoal que tem necessidades especiais, mas só fui ter a dimensão correta do problema individual, familiar, social e coletivo quando nasceu o filho de um primo com Síndrome de Down; e olha que não fui afetado diretamente, só procurei saber como ia a situação. É uma destas realidades brutas da vida que desmancham, desintegram o "é lógico que consigo...", o conceito de vencedor, de super herói ou qualquer outra besteira.
Vivemos dentro do que nos é suportável, não da realidade.

Minha vida começou a mudar quando ouvi "Quem você pensa que é?". Desmoronou de vez quando vi a largada dos deficientes físicos na São Silvestre. Com eles entendi o correto sentido de "eu vou conseguir".

"Não toca em mim. Eu caí, eu me levanto só. Por favor me ensina a me levantar só. Não quero e não vou ficar dependente de ninguém" disse em voz alta e firme a recém paraplégica para os que a estavam ensinando a andar com as muletas que iriam acompanhá-la até que a morte os separe - literalmente.  
 
Em Werneck, um vilarejo próximo a Paraíba do Sul, pequena cidade no Estado do Rio de Janeiro, conheci um mecânico de bicicletas que não tinha nada dos dois braços. Fazia tudo com os pés, tudo, inclusive montar uma roda do zero, o que para quem sabe como é sabe que com as duas mãos é trabalho para poucos. Ele é meu herói.

É lógico que consigo! É mesmo? Prove! 
(Brasil país do futuro? É mesmo?) 
"Não me interessa o que você está dizendo. Quero saber o que você vai fazer de fato". Palavras sábias.

Esta pandemia talvez tenha servido para boa parte da população entender que não sabe nada. Caso tenhamos aprendido esta lição temos boa possibilidade de construir um bom futuro. 
"É lógico que consigo..." vale quando não há qualquer soberba envolvida, o que é difícil acontecer. Consegue quem sabe de fato, conhece seus limites, suas possibilidades e tem responsabilidade para realizar. É disto que precisamos.

sábado, 20 de novembro de 2021

Terrorismo contra os motoristas e pedestres?

SP Reclama
O Estado de São Paulo

Rua Bela Cintra com rua Consolação; rua Groenlândia com rua França; rua dos Pinheiros com rua Capitão Antônio Rosa, são três das esquinas onde recentemente o foco dos semáforos para os veículos e para pedestres teve posição alterada, fazendo que, por exemplo, as duas vias do cruzamento fiquem com sinal verde simultaneamente. Em muitas outras esquinas pela cidade e faz tempo vem acontecendo o mesmo. Parece brincadeira, mas não é. É uma ação estúpida, criminosa, que pode levar a acidentes com vítimas, até mortes. Funcionários da CET SP dizem em off que têm consciência, estão muito preocupados, desconhecem quem tem feito, e quando são alertados ou veem corrigem imediatamente.
É impossível que vento ou mesmo um impacto mude a posição do foco da forma como vem ocorrendo. Vento não tem força para tanto. Impacto não é porque não há marcas nem deformações. Manutenção também não é. Troca de lâmpadas ou limpeza é realizada quando muito com o simples acionamento de uma pequena trava completamente desvinculada do alinhamento do semáforo que é fixo e determinado pela engenharia de tráfego. Para mudar a posição é necessário soltar grossos parafusos, destravar o semáforo da cremalheira, mudar de ângulo, travá-lo e reapertar tudo, o que tem sido feito provavelmente com uso de escada.
Não dá para imaginar do que se trata, se protesto, se contracultura, pseudo ato revolucionário ou o que quer que seja. Tenho dito e repito que (talvez) só se coloque um fim a esta loucura a hora que morrer alguém, ou quem de direito realmente se interessar pela loucura.

A morte da ciclista e modelo Mariana Livanalli Rodrigues no cruzamento da av. Faria Lima com rua Chopin Tavares de Lima, próximo ao Largo da Batata é um exemplo claro de como uma sinalização semafórica mal posicionada pode terminar em acidente grave. No caso, os semáforos para ciclistas e motoristas de ônibus estão posicionados no mesmo poste, um sobre o outro, induzindo exatamente ao mesmo erro que estas interferências indevidas em focos de semáforos vem causando.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Carro de ciclista, comportamento de motorista.

Deixo aqui a recomendação para que os organizadores da ótima, divertida, bem-organizada prova Desafio da Serra do Rio do Rastro nas edições futuras oriente os motoristas que estejam acompanhando ou participando do evento a ter um pouco mais de paciência e muito mais cuidado ao seguir e ultrapassar ciclistas. Algumas situações que vi estão longe de um comportamento adequado, de uma direção defensiva ou respeitosa por parte de vários motoristas. Sou ciclista urbano, de São Paulo, capital, metrópole, estou mais que acostumado a pedalar no meio dos carros e de trânsito pesado e definitivamente não sou de ficar reclamando. Algumas situações que vi na linda estradinha da serra e no entorno de Lauro Miller e Bom Jardim da Serra são difíceis de aceitar.

Imediatamente após meu retorno de Santa Catarina comecei escrever sobre o comportamento pouco gentil, descuidado, agressivo dos motoristas em relação aos ciclistas que estavam indo para a prova. Motoristas com rack e ou carregando bicicleta se aproximavam, colavam e faziam ultrapassagens nada prudentes sobre os ciclistas. 
É de se esperar que pelo menos quem pedala dirija seu carro com um mínimo de consciência de ciclista.

Eu já deveria ter levantado esta questão a tempo. Aqui em São Paulo, nos Jardins onde eu moro e circulo, lugar de bonitinhos e bem arrumados, estou cansado de ver carrões de ciclistas com rack ou adesivo de grupos ou marcas de bicicleta tendo condução inapropriada com outros que pedalam pelas ruas. A sensação que dá é que para este pessoal se o cidadão ou cidadã não está todo paramentado e treinando com sua joia rara não merece respeito. Eu próprio já fui insultado por um destes motoristas por estar pedalando tranquilo, calça jeans, camiseta, mochila, modo de transporte, no meio de um bairro tranquilo de casarões, gente estudada, viajada dirigindo carrões. "Vai pedalar na ciclovia. Sai da frente!"

A bem da verdade, qual a diferença de comportamento por parte destes ciclistas motoristas na direção dos seus carros com a forma como pedalam, se aproximam e ultrapassam em pelotões os ciclistas mais lentos na ciclovia do Rio Pinheiros? O número de incidentes e acidentes conhecidos ou notificados diz tudo. Não generalizo, somos todos humanos, mas tem mais que deveria ou é aceitável.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Baldes, lixeira e consciência ambiental


Estou lavando roupa e, como sempre, faço reuso da água que sai da máquina. O processo todo dá para encher bem mais que estes três baldes e a pequena lixeira. O grosso vai para dois toneis ao lado da máquina.
Duas vantagens nesta história, a primeira ambiental, a outra, para mim hoje importantíssima, é que carregar baldes para despejar no vaso sanitário praticamente acabou com minhas dores de coluna. Ufa!

Quando passei agora pelos quatro recipientes senti um delicioso orgulho. O balde grande em alumínio foi comprado. A lixeira cinza de plástico também foi comprada em 1987 quando entrei nesta casa. Vida longa à lixeira! Um dia quebrou uma alça e depois a borda, mesmo assim dei um tapa com um arame e está aí sendo usada. 
O balde pequeno em alumínio estava jogado numa caçamba com um furo pequeno no fundo. Colei uma manta plástica e já perdi a conta de quanto tempo está em uso.
O balde em plástico azul estava jogado no lixo com um pequeno racho no fundo, o que foi resolvido com Araldite. Já não sei mais quando foi. Um dia quebrou a borda e da mesma forma que fiz como a lixeira cinza passei um arame grosso, também encontrado na rua, para reforçar, funcionou e continua funcionando. 
Ora, direis: Que lindo, reciclado! É..., mas não deixa de ser simplório orgulho. 

De grão em grão a galinha não polui o chão. Ok, não faz o mais remoto sentido, talvez para Kafka; mas fica a rima para que se pense num enredo de escola de samba, o que se tratando em proteção ao meio ambiente faz todo sentido. No final das contas nossas ações pelo meio ambiente, mesmo as mais bem-intencionadas, parecem caminhar cambaleantes como o sonho de uma galinha que não cague todo quintal. Vida longa ao poleiro!

Quantas pessoas podem ou têm capacidade para pegar um balde ou qualquer outra coisa estragada e descartada numa caçamba ou lixeira, para dar um jeito e reusá-lo? Quantos têm tempo para isto? Quantos têm espaço para consertar? Quantos têm ferramentas e habilidade? Quantos, quantos, quantos...? 
Quantos cidadãos se deslocam numa velocidade compatível com o olhar calmo e atento para o que está pelas ruas (fora vitrines, carrões, gostosas e gostosos e outras trivialidades sociais)?
Quantos têm coragem, não sentem vergonha, não ficam constrangidos, assumem a estranheza de "catar" um "lixo" da rua?
Só estas perguntas já colocam a questão ambiental em um patamar muito longe da ação necessária para reequilibrar o meio ambiente. 

Uma vez por mês levo um saco grande cheio de embalagens para a reciclagem e disto não tenho tanto orgulho assim, aliás, nenhum orgulho, acho uma vergonha. Correto seria não ter que reciclar, mas não faço a mais remota ideia de como viver neste círculo vicioso da cidade moderna sem comprar produtos embalados ou produtos com vida útil e ou obsolescência programada.

Me considero um cidadão com interesse e alguma atitude em relação ao meio ambiente, mas tenho certeza absoluta de que sou um imbecil funcional para o assunto. 
Tenho um amigo que estuda e trata de ter uma postura de vida de fato ambientalmente correta, mas muitas de suas opções definitivamente não funcionam em larga escala, mesmo sendo corretíssimas.
Outro dia me foi mandado uma charge onde se via um congestionamento de carros com os dizeres "no futuro o congestionamento será de carros elétricos". Define com perfeição o problema que temos. Urge passar de palavras não direto para a ação, mas para a educação, o entendimento, para um projeto com princípio meio e fim. A única saída é o conhecimento. 

"O problema não é o lixo visível..." Amir Klink.