sexta-feira, 17 de maio de 2024

Anafalbetos Brasil, segundo IBGE, realidade?

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

IBGE divulgou os números do analfabetismo no Brasil. O que se deveria perguntar é qual é o índice de alfabetizados que realmente sabem ler e escrever, que conseguem ler uma notícia e fazer juizo dela. Ou, quantos são os anafalbetos funcionais. Vou mais além, quantos são os afalbetizados funcionais que não são tão funcionais assim. Quantos brasileiros são capazes de operar máquinas automatizadas, para começar a história? Muitos dos ditos alfabetizados funcionais que trabalham na construção civil, o emprego com menor nível de exigência do mercado, executam seus trabalhos com um índice de erros que é inaceitável em qualquer país dito civilizado. A prestação de serviços, no geral, qualquer que seja, é de baixa qualidade. Atendimento ao público? E por aí vai. Este custo Brasil é absurdo e neste sentido os números sobre analfabetismo no Brasil divulgados pelo IBGE pouco ou nada significam. Vou mais longe ainda, os ditos alfabetizados e instruídos tem um grave problema de formação. A prova está no altíssimo grau de aceitar quaisquer absurdos como verdadeiros. Redes sociais que o digam. 

quinta-feira, 16 de maio de 2024

catástrofe Rio Grande do Sul

Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Guilherme Seto e Danielle Brant
Custo de deslocar cidades no RS chega a R$ 30 bi, estima governo
Cruzeiro do Sul, Roca Sales e Muçum ficam à margem do rio Taquari, um dos mais afetados pelas fortes chuvas.

A notícia é velha, os números agora são outros, o tamanho da catásfrofe também. Tudo muito muito maior. 

Um dos prefeitos reuniu seus secretários, depois chamou a população e disse que a cidade tem que mudar de lugar para que novas catástrofes não se repitam. 

Conversei com uma amiga de lá, que foi pouco atingida, e pela primeira vez que ouvi que o Rio Grande do Sul tem que se repensar para se reconstruir. Ou as catástrofes continuarão como continuam em Blumenau e região.

Estou em NY, cidade que desde 2007 vem recebendo mudanças sensíveis no uso do espaço público das ruas. O que vem sendo feito tem dado resultado. A razão é simples: projetos eficientes, sérios, bem pensados, que atendem a um macro planejamento de longo prazo, discutidos civilizadamente com a população, um cronograma de trabalho realista, bem estabelecido e cumprido, correção dos possíveis erros e imprevistos, e principalmente execução final com qualidade. Foi assim que Jeanette Sadik-Khan, ex comissária do Departamento de Transportes de NY, conseguiu implantar uma radical transformação em 20 quarteirões na Broadway Ave. que abriu as portas para uma transformação no pensar o espaço público e o espaço privado de uso público de Manhattan e a cidade de NY como um todo. 
Jeanette Sadik-Khan só pôde realizar o que realizou, e definitivamente foi não pouco, porque no final da década de 70, ou seja mais de 30 anos antes, as autoridades decidiram dar um basta no caos que NY vivia. Você acha que o Rio de Janeiro é violento? Pena que você não viveu em NY nos anos 80 para entender o que é violência, sujeira, baderna urbana, desalento, depressão econômica, miséria... 
Como NY reverteu isto? Foi feito o que era necessário fazer para resolver os inúmeros problemas. Muito diferente de bla bla bla, de programa deste ou aquele governo, que não raro é só propraganda de governo, onde cada um faz e desfaz o que bem entender porque não atende a seus princípios políticos e ideológicos, e outros mais. É deprimente, realmente deprimente, mas é o cheiro que está vindo dos pampas. 

NY hoje é uma outra cidade. Tive a sorte de conseguir acompanhar de perto a impressionante transformação que segue vindo. Outro dia caminhei na Amsterdam Ave. entre a 77th St. e a 85th St. As mudanças implantadas, principalmente a diminuição do espaço para automóvies e as vagas vivas, transformaram o local que bem conhecia. No lugar de pequenos comércios de sobrevivência, daqueles que vendem baratinho quinquilharias, surgiram pequenos restaurantes de todos tipos. Mudou radicalmente a vida na rua, que agora está cheia de vida, gente sentada, caminhando, conversando, comendo, gente com expressão feliz, amigável, cidade viva. Não citei a ciclovia, por que? A população entende que ajudaram muito na transformação, mas por ela praticamente só circulam entregadores a milhão, e os atropelamentos de pedestres são frequentes. Precisam repensar a situação, o que pelo que entendi já vem acontecendo.

Tudo são maravilhas? Não. Toda transformação tem seu preço. A questão é colocar na balança os prós e contras com dados, informação correta, e um olho no futuro melhor para a maioria. 

Interesse público ou da cidade? Não é a mesma coisa? Não necessariamente. Fosse levado em consideração o interesse público, ou de boa parte da população, a Paris que está aí, a Paris de Hausmann, que foi toda reurbanizada e reconstruída, jamais teria se transformado na capital do mundo. O Central Park de NY continuaria sendo terra para pequenos fazendeiros e favelas. As cidades continuariam sendo as cidades do automóveis. Etc... 

Com a catástrofe do Rio Grande do Sul está em jogo muito mais do que a recuperação de um estado ou de sua população. Está em jogo o futuro do Brasil, não porque os gauchos são a 4ª economia do país, mas porque o que for decido e realizado lá pode e deve servir de refererência para o resto do país. Eu acredito nos gauchos, mas guardo o direito a dúvida que o resto do país aprenda algo com o que aconteceu e acontecerá. Não aprendeu em outras catástrofes...

Não dá para fazer errado, não dá para brincar de politica ou ideologia, onde quer que seja. É deprimente, mas já se divulga discordâncias políticas eleitorias que podem atrapalhar e muito a recuperação do Rio Grande do Sul. Começou muito mal.

Um dia me explicaram a diferença entre o Brasil e os Estados Unidos da América
Pegue um problema ou um projeto. Dê para um brasileiro, ele vai se sair bem e ter boas ideias. Brasileiro é inventivo, desprendido. Junte a ele outro brasileiro, os dois vão pensar e trabalhar melhor. Adicione mais outro brasileiro e as discordâncias se iniciarão. E quantos mais brasileiros estiverem trabalhando no problema ou projeto, mais confuso será o processo. 
Peque o mesmo problema ou projeto, dê para um americano. No geral os americanos são mais amarrados, tem menos jogo de cintura, mas o sujeito fará tudo para conseguir dar seu melhor. Junte um segundo americano e as ideias vão começar a surgir. Mais outro e o processo será mais produtivo. E assim por diante. 

Confio nos gauchos, confio na união que sempre tiveram. Espero que sejam ajudados e não atrapalhados.   

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Luiz Dranger

Beto Dranger de azul e Luiz com boné da Power Bar e camiseta da Cactus Cup  

11 de maio de 2024, 9:58, recebo uma mensagem de Nando, avisando que Luiz Dranger, seu pai, descansou. Descanse em paz, meu caro amigo e, em certo momento de minha vida, um orientador. De minha parte, sem qualquer dúvida, muito obrigado Luiz.

E quem foi Luiz Dranger?

Ele e o irmão, Beto, foram os responsáveis pela entrada e inicio das operações da Specialized no Brasil. Para quem não sabe, Specialized é definida por muitos como a Porsche das bicicletas, ainda hoje a referência de mercado. Luiz e Beto fizeram um trabalho brilhante, genial. Mesmo dentro do setor e do meio da bicicleta muitos poucos conhecem esta história real, como é bem comum acontecer no Brasil. Apaga-se a história, esquece-se quem foram os reais atores.

No final dos anos 80 Luiz tinha saído da Norton Abrasivos, onde fora Diretor Comercial com resultados mais que expressivos. Na época Beto era Diretor de Marketing da Elma Chips no Brasil. Os dois, apaixonados por bicicletas, decidiram trazer uma marca de bicicletas para o Brasil e optaram pela Specialized, já então considerada uma das melhores do mercado americano. Specialized vinha sendo sondada por várias pessoas e empresas, incluindo um milhonário que ofereceu mundos e fundos.

MIke Sinyard, criador e proprietário da Specialized, ficou impressionado com o profissionalismo dos dois irmãos e entregou a marca para eles operarem no Brasil com uma condição: vender dois conteiners no primeiro ano. Venderam 20.
Vale lembrar que a Specialized daquela época tinha um extremo cuidado com qualidade de todos seus produtos, bicicletas, acessórios, roupas, outros, com os mínimos detalhes de apresentação, venda, atendimento ao público, do montar e entregar e dar manutenção nas bicicletas. Junto com as bicicletas vieram acessórios e roupas, material de propaganda e algumas diretrizes de trabalho. Mesmo entre outras marcas importadas, mesmo entre as grandes americanas, este nível de detalhismo e cuidado com qualidade geral não era praticado. Todos queriam vender bicicletas. A Specialized vendia conceitos, e procurava entragar caminhos para o futuro. E entregou.

Specialized já era uma referência nos Estados Unidos. Aqui no Brasil virou um bem mais que isto, principalmente pelo trabalho os irmãos Dranger. O primeiro responsável técnico da marca fui eu. Logo depois a responsabilidade passou a Daniel Aliperti que tinha acabado de voltar de um dos mais respeitados cursos técnicos de mecânica dos Estados Unidos e trabalhava tudo com detalhes que beiravam a F1. Eu fiquei com o treinamento e atendimento a público.
Outro detalhe, ao contrário de muitos que trabalhavam dando um jeitinho fiscal, tudo na Specialized foi feito no estrito da lei, o que tornava as bicicletas mais caras que a concorrência e, por sua vez, dificultava as vendas.

O primeiro foco de vendas foi para a elite. Como ação promocional juntaram a Specialized com o Rubaiyat, um dos restaurantes mais sofisticados de São Paulo, para fazer um passeio noturno por semana pela cidade acompanhados por vários guias previamente treinados, um carro a distância com água e sorvetes. A ideia foi convidar 30 pessoas escolhidas a dedo por passeio que começava com uma recepção no Rubaiyat Faria Lima regada a deliciosos petiscos, alguma bebida, enquanto eu revisava todas as bicicletas, e terminava num maravilhoso jantar oferecido por Berlamino, dono do Rubaiyat. Não foi só um sucesso, explodiu. Acabou gerando uma matéria de uma página na VejaSP, então publicação de grande público na cidade. Não me lembro quanto tempo durou, mas teve que ser suspenso por causa do enorme sucesso e repercussão. No último passeio foi servido exatos 100 jantares, maravilhosos. Não houve forma de controlar. O impacto não só no meio das bicicletas foi enorme, a ciumeira também.

A razão para a venda de 20 conteiners foi um acordo realizado com o Free Shop. As bicicletas, Hard Rock, eram vendidas por US$ 330,00, sem impostos. O sucesso foi total e durou uns dois ou três anos, até que Luiz fez um acordo com Tito Caloi para a fabricação delas pela Caloi. De novo o sucesso foi total.
O negócio tinha crescido demais e tinha entrado num outro patamar, financeiro inclusive. Os Dranger não tinham condições financeiras para seguir crescendo como era necessário, foi a explicação de Luiz. Os irmãos foram aos poucos passando tudo para a Caloi. A princípio a Specialized - Caloi foi um sucesso, pelo menos até as vendas da concorrente Caloi Aluminun cairem tanto que Bruno Caloi pai, dono e quem mandava no pedaço, mandar parar a operação. 

Luiz também foi o responsável por trazer a Cactus Cup para o Brasil, uma prova criada pela Specialized que acabou servindo de referência internacional de como promover e realizar provas de mountain bike.

Terminado os tempos de Specialized, Luiz parte para os Estados Unidos e consegue trazer para o Brasil a Power Bar, barra energética de cereais, a primeira do mercado, a que vai abrir as portas para um mercado milionário mundo afora. Exatamente como com a Specialized, todas as ações foram cuidadosamente planejadas e executadas. O resultado não veio por diversas razões. O produto, barra energética criado para esportistas de ponta, Power Bar, era completamente desconhecido no Brasil, aliás, ainda uma novidade mundo afora. O investidor no projeto Brasil, pessoa conhecida, respeitada e de sucesso no mercado de alimentos, apaixounou-se pelo produto e perdeu a razão, com ele o tino e o bom senso comercial. E para finalizar, no meio de uma operação comercial bem complicada, o dolar dobrou. 
O tranco para Luiz foi grande. Até então toda sua vida de administrador fora só sucessos. Mesmo acostumado a lidar bem com contratempos, a sequência em cascata de problemas de todo tipo na operação Power Bar foi uma loucura. Eu trabalhei no projeto e sei bem, resumo muito a história aqui. Ali aprendi que nunca se pode confundir paixão com negócio.

Passado o desastre, Luiz continuou procurando novos negócios, mas um acidente de bicicleta acabou mudando sua vida. Eu estava junto. Tinhamos terminado a tarde num bar conversando com amigos. Luiz bebeu além da conta. Pedi para ele não voltar pedalando, e disse que estava bem. No único momento que tirei os olhos dele bateu contra um carro estacionado. 

Luiz foi praticamente um irmão para mim. Aprendi muito com ele, muito mesmo. Não tenho como agradecer.
Deixa um filho, Fernando, Nando. Tem dois irmãos, brilhantes também, Cao e Beto. De certa forma os Dranger deveriam servir de exemplo para o Brasil que poderia dar certo se olhasse mais para quem merece ser olhado. 

Daniel Aliperti: Um mito em nossas vidas. O cara que me conectou com a Specialized, com quem continuo.

Pouquíssimos fizeram tanto pela bicicleta no Brasil quanto Luiz Dranger. Não digo isto como um quase irmão, mas como alguém que apredeu a separar emoção de realidade e que a 40 anos está mergulhado nesta história.

Luiz, apaixonado por automóveis, indo para a fábrica da Specialized em Morgan Hill, California


quarta-feira, 8 de maio de 2024

Você acha que tem problema? Olhe para o Rio Grande do Sul

Andou quebrando tudo, uma coisa em seguida da outra, quabrando sem parar, um mês, sem parar. Adianta ter um ataque histérico? Resolve? Definitivamente não resolve. Só piora, mas cá estou eu, um histérico controlado espumando pela boca. Chuveiro, dentista, exames pernas, óculos multifocal que arranhou, bicicleta quebrou, geladeira... , um problema atrás do outro e, muito pior, minha conta bancária indo para o espaço.

Um problema atrás do outro? Ataque histérico?

De fato, tive não um mês, mas um mês e meio de um problema atrás do outro. Iniciei o texto um pouco antes das chuvas e o desastre que o Rio Grande do Sul está sofrendo.
Um problema atrás do outro? Ataque histérico? Só posso estar brincando. "Cada um sabe de suas dores". O que? Como assim?

Tenho grande carinho pelo Rio Grande do Sul desde a primeira vez que passei por lá por volta de 1964. Não tenho palavras para dizer como estou me sentindo com as imagens, os depoimentos, as reportagens que não param de chegar sobre a devastação causada pelas enchentes. A bem da verdade, não acho honesto, e não sei se esta é a palavra certa, dizer que tive um problema atrás do outro. Para de reclamar mané!
Olho no espelho e vejo um abençoado. Fico parado em frente a meu reflexo e sinto vergonha, por toda minha vida fui um privilegiado.

Sobre ataque histérico afirmo que cada vez que tenho um, e tive muitos pela vida, sou jogado ao pior dos infernos. Felizmente não tenho a mais remota dúvida que histeria é mais que ridícula, é profundamente improdutiva, quando não destrutiva.

Estou num cruzeiro onde boa parte dos passageiros são brasileiros. Se estão aqui é porque fazem parte da elite do Brasil, ou não teriam a menor condição de pagar por isto.
A conversa de alguns deles está sendo dura de engolir. Começou com uma reclamação sobre a programação do cruzeiro que, segundo eles, "é toda direcionada para os americanos". Traduzindo, nenhum destes brasileiros fala inglês. Detalhe: viajam neste cruzeiros pessoas de 65 naciolidades, isto mesmo, e só uns poucos americanos, mas como todos falam bem ou mal inglês, fora boa parte dos brasileiros, todos são americanos. Dedução brilhante por parte deles que define muito quem realmente são.
A programação em questão é de shows com músicas internacionais bem conhecidas, de grande sucesso, boa parte clássicos americanos, mais rock, pop music, caribenhas e... e... algumas bossas novas cantadas em inglês, que portanto para eles são músicas americanas. Tom Jobim? Sinatra? Quem?
Ontem o navio fez uma brincadeira coletiva apoiada nas músicas do Queen. Diversão geral, muita gente alegre e cantando, grande sucesso... inclusive para brasileiros - que falam inglês. Segundo os reclamões "foi um absurdo! Eles (navio) não colocam música brasileira".

Me fez muito mal quando a conversa girou para a tragédia riograndense. Os comentários foram de uma total falta de noção do que é a vida real e de compaixão. Não pararam de contar fake news, todas desmentidas por todas mídias, inclusive as que apoiam os grupos de direita.
Os governos são culpados por tudo, sempre. Tudo se resolve num passo de mágica, segundo eles, desde que seja sem a intervenção do estado.
Discurso de direita? Sim, mas sem grande diferença para o fanatismo que ouço com frequência de outros lados.

Segundo notícia do Estadão houve uma diminuição de 78% nos gastos Federais com preventivos para desastres naturais... no governo passado, o terraplanista, e continua mais ou menos a mesma coisa neste que vivemos. Sejamos justos, faz décadas que preventivo não é exatamente a especialidade dos governos, todos, mais aqueles ou aqueles outros. A bem dizer, ninguém neste país se interessa muito por estas besteiras de gastar dinheiro com preventivo, começando pelo esgoto nosso de cada dia.

Qualquer cálculo de serviço público é realizado com base numa média, ou seja, para ser gasto dentro da normalidade, com variações que são calculadas em cima da média  para as ocorrências excepcionais. O que está acontecendo no Rio Grande do Sul está completamente fora da curva, em todos sentidos. O governador teve a honradez de sair a público e avisar a população que o serviço e administração pública não teriam condições de atender uma calamidade desta ordem. Em um dos municípios atingidos a população foi avisada por todos meios que o desastre estava chegando e esta continuou sua vida normal até não ter mais tempo para nada.

O babaca com quem eu estava conversando disse que um bom governo mandaria a polícia combater os assaltos, roubos e outras violências armadas que se está registrando em Porto Alegre. Quando perguntei se a prioridade das polícias deveria ser salvar vidas consegui baixar o nível da besteirada.

Rio Grande do Sul é o 4º maior PIB do Brasil. Tem 497 municípios, com a 6ª maior população. Hoje pela manhã divulgaram que 300 municípios foram gravemente afetados. No final da tarde foi divulgado que 417 estão com problemas. Voltou a chover, ventos de até 110 km/h, amanhã despenca da temperatura. Aviso aos navegantes e aos delirantes: quebrou, acabou. Senhoras e senhores, delirantes de plantão, fanáticos de todas matizes: a senhora de olhar perdido sentada à porta do nada que restou de sua casa numa das cidades que simplesmente desapareceram do mapa é a imagem da realidade que se tem que enfrentar. E teremos efeitos colaterais, muitos, começando pelo preço do arroz e feijão, alimentação básica dos brasileiros, que subir imediatamente. Vai sobrar para todo mundo.

Brasil não sai de seus dramas porque as besteiradas ditas por aqueles e aqueles outros são sempre a solução mágica de todos os problemas.

Os gauchos merecem respeito. Besteirada é o que mais desrespeitoso se pode oferecer nesta ou em qualquer hora. Chega!
Fake news? Que nojo!

J. R. Guzzo, em seu texto do Estadão, é muito mais claro e explícito.





segunda-feira, 6 de maio de 2024

Quanto vale um presente?

Para meu completo espanto, Elisene veio com duas garrafas de vinho dizendo que nunca me deu nada. "Como assim nunca me deu nada? Só pode ser brincadeira" respondi atônito. Elisene é uma das pessoas mais bondosas que tive a benção de conhecer. O que recebi, melhor, o que recebemos dela pela vida não tem preço, pouco importa que ela fique na dela, no canto dela, fale pouco e só apareça quando se faz necessário. Não tem valor que pague o que ela é e dá para cada qualquer um de nós que apareça por lá. As duas garrafas de vinho em sua mão é de uma singeleza infinita.

Poli pediu desculpas, via Miriam, por não oferecer nada? E a maravilhosa conversa? As ricas histórias de sua vida? A conversa que só interrompemos porque há uma hora que é educado paritr e deixar o outro em paz em sua própria casa. Tudo ali, no apartamento dela, não tem preço. Agradável, muito bem decorado que me remete aos melhores momentos de minha vida, aqueles nos quais todos viam um futuro melhor, para todos, sem distinções. Toda vez saio de lá mais leve.

Qual o valor das coisas? E dos relacionamentos? No último livro de Licia está um breve conto, baseado na realidade, onde um senhor cercado no almoço pela numerosa família conta o segredo para manter a união: uma discreta ajuda recorrente. Mesada. 
A possibilidade tirar proveito, digamos receber um presente, dos bons convites para refeições ou viagens que lhe são oferecidas? A pergunta vem com frequência depois de uma sequência de debates na imprensa e mídias a respeito de como estão os relacionamentos nesta era digital. 

Walter Longo, em seu livro "O fim da Idade Média e o início da Idade Mídia", é mais um que afirma, com toda razão, que hoje em dia somos todos mimados. Temos praticamente tudo que precisamos e não precisamos a mão e com uma facilidade sem precedentes, e tudo muito focado no individual, no eu, como se o "nós" fosse coisa do passado. Ele define "Idade Média" como um processo milenar pelo qual se leva em consideração a média para estabelecer padrões. Hoje a intenção é buscar uma individualização tal que acabe por estabelecer o padrão. Resumo da ópera: todo mundo ganha presente, cada um ganhando exatamente o que deseja. 
O livro descreve as maravilhas deste mundo novo baseado na inteligência artificial que individualizará tudo. Teremos o que quisermos na hora e forma que quisermos, o que a bem da verdade já acontece. 

1960. Domingo era o dia de tomar uma Coca Cola. Era uma alegria tomar com hora marcada a única Coca Cola da semana. Tomar duas, três? Só em festas especiais. Pera e maçã eram caras, então só de vez em quando. Sábado pela manhã ia ao supermercado com meu pai e podia comprar uma lata de suco de pessego Yuki, do qual ainda me lembro cada gota bebida. Batatinha frita de saquinho? Upa! Hoje, o número de obesos pelas ruas deixa claro que os tempos são outros.

Quando tirei meus sapatos para me aproximar da garota descalça e com rosto profundamente deprimido abri as portas de uma longa amizade. Bom tempo depois ela me contou que a forma de me aproximar, descalço como ela, simplesmente lhe abriu as portas para sair da depressão e iniciar uma vida nova. Foi um dos melhores presentes que sem quer me dei pela vida.

Um dos meus aniversários passei em Joinville com Valter, Rose e Teresa. No dia ganhei uma caixa de lápis de cor das que se dá para criança pequena, caixa pequena com lápis pequenos e só umas poucas cores básicas. A brincadeira, pequena caixa de lápis de cor, continua até hoje, uns vinte anos depois, na minha mesa. Se tornou um presente inesquecível. Não faço a mais remota ideia de qual foi o presente dito "para valer" que recebi naquele dia. 
Aliás, não me lembro da imensa maioria dos presentes que recebi pela vida.

Yeda, minha querida tia / mãe entregou um embrulho de presente parecido com uma mochila para Renata, que veio até mim, esticou a mão desejando feliz aniversário e me deu. Eu abri e de lá saíram um par de luvas de boxe vermelhas. As duas crianças foram autorizadas por minha mãe para ir brincar no quarto dela. Subimos na cama de casal, cada um vestiu uma luva e sem que tivesse tempo para pensar tomei um muro no meio do rosto e fui literalmente a nocaute. É impossível esquecer a sequência toda, mesmo tendo ocorrido lá pelos meus 4 anos de idade. Presente estonteante.

Chuva, sol, por do sol, amanhecer, vento, mar agitado, um sabor especial... O bom da vida vem nos pequenos presentes inesperados que não tem preço. Ficar parado no meio da Ponte Bernard Goldfarb vendo o rio Pinheiros com o Pico do Jaraguá ao fundo não tem preço. Num final de tarde com o céu alaranjado então... Presente que me dou com frequência.

O que me move foram estes presentes imateriais que recebi pela vida, mesmo os que foram dados com embrulho de presente.  

sábado, 4 de maio de 2024

Lula no vazio e os chatos caducos

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

O estacionamento vazio para a fala de Lula é notícia divertida e alvissareira. Para bom entendedor esvazia o discurso recorrente apoiado no medo das esquerdas. Perigo do socialismo e comunismo no Brasil? No país do selfie? Crê quem quer ou quem acredita em walking deads. Dá um recado claro para aqueles que continuam estacionados nos anos turbulentos de 70 e 80: acreditem se quiser, estamos em 2024. Mesmo as igrejas, quanto tempo sustentarão seus estacionamentos cheios de vendilhões do templo? Restarão os bobos e fanáticos, mas somos todos humanos e estes são uma menor minoria, um traço social. Felizmente a cada dia mais e mais cidadãos se dão conta que não é este ou aquele, não somos nós ou eles. Se há uma coisa que a paciência de brasileiro não suporta é gente chata, e chamar este pessoal que está ai de chatos é um tremendo elogio. Chega de chato caduco.

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Brasil - Estados Unidos no Frota Leste: a viagem de minha vida


Embarquei na virada no ano novo de 1975. Nem sequer me lembro de ter ficado um dia em Salvador, onde o Frota Leste, um navio cargueiro de 75.000 toneladas estava aportado. Lembro do primeiro contato com minha cabine, simples, mas bem confortável para nós três, eu, o namorado de uma prima e um amigo dele, gente boa. Lembro de Salvador indo distante, o navio entrando em alto mar num fim de tarde, as luzes da cidade sendo acesas me fascinaram, até desaparecer. Navegamos numa distância que ainda podíamos ver as luzes das cidades, quase uma linha branca amarelada no horizonte. Acordei no dia seguinte e já só se via água ondulada, o mar aberto. O navio estava vazio, sem carga, e dançava com as ondas, um movimento lateral que não incomodava muito, a não ser para comer. No copo de suco o movimento do navio ficava claro.

Todos dias acordava e saía para o convés para namorar o mar antes de tomar café da manhã. Parece sempre o mesmo, mas definitivamente nunca é. 

Acordei um dia, saí para o convés como sempre e não entendi nada, o mar estava calmo, pequenas ondas e uma cor diferente. Subi até a cabine de comando para saber o que era. Estávamos navegando no rio Amazonas. Uma imensidão de águas, nada de terra, incompreensível. É um rio, a terra deveria estar a vista dos dois lados no navio. No Amazonas, esperava ver florestas. Nada, a não ser um mar de águas. 
Chegamos a Macapá para carregar minério. Tivemos a oportunidade de ir até a cidade para comunicarmos nossas famílias que havíamos chegado bem até ali. Uma Kombi nos esperava para uma viagem curta. O duro foi entrar na companhia telefônica para pedir e esperar a chamada, e mais ainda ficar dentro da cabine que não parava de mover-se. MInha mãe não conseguia entender porque eu não parava de rir enquanto falava. Eu estava com as costas encostadas numa parede e mão segurando na outra parede. Efeito da movimentação do navio sem carga. O labirinto continua a trabalhar em terra firma o movimento das ondas do mar sentido no navio. Muito estranho.  

No Caribe acordamos com as camas indo para lá e para cá, num balançar como se estivéssemos numa rede, ou num berço, resultado de um forte balançar do navio. Só consegui lavar o rosto aguarrado na pia. Abri a porta e dei com um marinheiro que foi logo avisando para tomar cuidado que o balanço seguiria forte. "Só desce a escada quando ela estiver subindo", disse ele. Como assim? O balanço do navio era tão acentuado que em certos momentos a escada ficava quase plana, para ir baixando lentamente até ficar tão inclinada quanto uma parede. "Espera ela subir e passa por ela correndo", terminou ele e seguiu seu caminho agarrado no corrimão das paredes. E lá fui eu. Mesmo antes do café da manhã subi para a ponte de comando e agarrado a uma mesa dei bom dia sorridente a todos. E la vi a proa do navio enterrar na imensa onda e sumir. Uau! Fiquei lá um bom tempo vendo o desce a onda, enterra a proa na onda, o navio se enche de espuma do mar, a proa vai emergindo, o mar escorre, e logo o navio começa a subir novamente a onda, chega à crista, a velocidade do motor é reduzida, o navio brinca de balanço de parquinho, a proa vai descendo até começar tudo de novo. Exceto o capitão e mais uns dois, todos passaram mal, incluindo eu, com o sobe e desce que nunca parava. Mesmo assim, adorei.

Muitos dias de mar, mares diferentes, ondas diferentes, de igual só as noites estreladas. Chegamos à foz do rio Mississipi, o navio foi ancorado, e fomos dormir. Acordei e como sempre sai para ver como estava o mar. Dei com um espelho, 'mar zero'. O banco no convés tinha uns 5 marinheiros sentados, olhares perdidos, apavorados, clara e literalmente apavorados. Dei bom dia e mal responderam quase em silêncio. Sentei-me ao lado deles e puxei conversa para saber porque o mar estava daquele jeito. "Prenúcio de furação" respondeu seco um deles sem tirar os olhos daquela lisura a perder de vista. Fui tomar o café da manhã, voltei e todos estavam exatamente sentados nos mesmos lugares, com exatamente o mesmo olhar apavorado. Encostei na amurada e vi um golfinho passando perto. A marolinha de sua barbatana era a única irregularidade visível em todo mar, mesmo quando ele já estava bem longe. No dia seguinte quando acordei já estávamos no rio Mississipi em meio a uma violenta tempestade. O capitão do barco ao me ver ordenou que eu saísse de lá e descesse imediatamente. No final do dia, só com chuva, vimos na TV que um navio um pouco menor que o nosso foi empurrado pelo 'tornado' para fora do rio Mississipi e navegou por terra firme uma meia milha. A imagem era impressionante. 

Em alto mar, em algumas noites eu subia ao topo do navio para ficar olhando as estrelas. São infinitas, parece óbvio, mas só vendo para crer a quantidade e beleza. Cheguei a ficar uma hora deitado no convés escuro, e meus olhos nunca pararam de se adaptar, novas estrelas, galáxias iam surgindo. 
Ali entendi que nós, humanos, não somos absolutamente nada, sequer uma poeira perante a natureza e, mais ainda, frente o universo. Somos nada, nada. 

A partir de sábado volto a fazer mais ou menos o mesmo trajeto, o de ida, Rio de Janeiro - NY, desta vez num cruzeiro. Sempre sonhei repetir a expeiriência em navio cargueiro, mas não consegui, ou não me esforcei para conseguir, o que pode ser mais verdadeiro. Com certeza não vai ter o mesmo impacto da navegação no Frota Leste com seus pouquíssimos tripulantes.  

Conversei com alguns amigos sobre este cruzeiro que faço agora. Todos disseram "Que chique!". Pois então, os quinze dias no navio saem muito barato se comparado a turismo interno no Brasil. Os cinco dias que tirei para ir a Penedo, com uma breve passagem por Sâo José dos Campos, são proporcionalmente mais caros que os dias no navio. A comparação que costumo fazer é quanto gasto por dia pedalando para fora de São Paulo, e mesmo aí o cruzeiro no navio sai elas por elas ou mais barato. Devo aqui lembrar que sou diabético e que vai uma grana em comida. Entrou no navio tudo é grátis, exceto drinks, óbvio. Como não bebo... 
Não confundir o preço de cruzeiro em viagens curtas, de uma semana ou menos. Estou embarcando num navio que precisa de passageiros para voltar ao hemisfério norte e fazer a temporada de verão lá. Dizem que as viagens mais agradáveis são as que vem da Europa e Estados Unidos para o Brasil. O povo é mais camo, o navio navega mais silencioso, na hora das refeições não há tumulto. Veremos