O que houve no Rio de Janeiro? Não sei. As primeiras notícias foram de arrepiar, 64 mortos. Confronto entre polícia e bandidos traficantes? Só isto? Para mim o absurdo é só uma mínima parte da barbárie. O que mais, o que não estamos sabendo? O que não interessa que venhamos a saber?
Acordei, tomei café da manhã e olhei o celular. Triste notícia, Mif, minha querida Mif, minha protetora durante os anos de relacionamento dela com meu pai, se foi. Triste por que depois do seu tombo, creio que banheiro, que resultou num estado de demência, não a fui visitar. Não tive condições mentais, exausto com meus problemas, os mais variados que vieram numa tacada só. Fico feliz que tenha ido. Ninguém merece passar de certo ponto de vida. Ninguém merece.
Programei minha ida ao velório, caiu uma tempestade que parecia não ter fim, e já não tinha tanta certeza que conseguiria ir. E ouvindo as notícias na rádio soube que o povo estava carregando e depositando corpos da chacina do dia anterior no meio da comunidade, mais de 50. Celular na mão vi a foto da Reuters tirada por um drone. Imagem impactante, muitos corpos cobertos e muitos só de cueca, todos estendidos lado a lado no meio de uma rua, que segundo a rádio, uma das principais da comunidade.
Liguei a TV e o que ouvi foi assustador, ou, melhor, desanimador, brochante. No meio da violência que vivemos ser assustador ficou para trás. Brochante! "Peço desculpas, Mif, mas não consigo ir (ao velório)" falei baixinho, olhando pela janela o sol que aparecia. No notícias do UOL começaram a sair detalhes que a rádio não dera. Selvageria total, com todos requintes de crueldade possíveis.
Um monte de perguntas começaram a zuar minha cabeça. E uma exclamação que tenho certeza que deve estar na boca de muita gente: "bandido bom é bandido morto". Exclamação burra. Sou contra, não por razões ideológicas, mas por puro pragmatismo. Morreu, foi-se um arquivo, talvez precioso. "Numa guerra (guerra?) mortes são inevitáveis", disse algum imbecil sobre o ocorrido. Sim, numa guerra, a primeira que morre é a verdade.
Estamos ou não numa guerra pouco importa, só me interessa resultado: quero, como todos queremos, paz.
No meio de tantas perguntas que se seguiam às notícias voltei a me perguntar: O que realmente foi aquela operação policial no Guarujá? O que realmente está acontecendo? Por que nossos (nossos?) políticos e autoridades não conseguem resultados em relação ao crime? Por que nunca se interessaram para valer? Ineptos? Opa! na procura pelo sentido exato de 'inepto' dei com "ineptocracia". Com certeza, por aí. Mesmo que estejamos numa ineptocracia, vale a pergunta: Qual o interesse em manter as coisas assim? Violência é rentável, eu sei, muito rentável, dos mais rentáveis negócios existentes. Mas, o que mais? O que nos falta compreender?
O que realmente aconteceu nesta operação violentíssima, a mais violenta da história do Rio de Janeiro? O que está por trás? A resposta de vários comentaristas é simples e direta: eleições. Com certeza, sim; mas o que mais?
Quanto mais chegavam notícias, mais a situação toda se mostrava uma barbárie sem tamanho, injustificável. Os mortos, número assustador para um "confronto" entre polícia e bandido? Não, injustificável, porque ninguém consegue responder as perguntas mais simples e sensatas, começando pelo "como nesta operação para frear os bandidos o governo carioca não tem um programa de ação?" Entraram, encurralaram, mataram e foram para casa jantar? Este é o programa do Governo do Rio de Janeiro para a redução da violência urbana? Upa!
O que as forças de segurança cariocas (forças de segurança?) fizeram sabemos. Alguma coisa está vindo a tona, mas e o que mais? Começando pela pergunta: dos da comunidade, quantos foram ver os corpos, quantos protestaram, e quem? Quantos perderam os seus? Quem são? E a pergunta que não quer calar: quantos locais não podem se expressar livremente sobre o ocorrido? Imagine os que vivem um inferno cotidiano e querem que os que lhes trazem o inferno real no dia a dia vão para o inferno. Corrigindo, caso necessário: quantos simplesmente querem viver em suas casas na comunidade em paz? Paz!
Paz, mas a que preço?
Como se constrói a paz e prosperidade?
Volto a recomendar que vejam os novos documentários sobre a Segunda Guerra Mundial que estão revendo a história, abrindo detalhes que antes não interessavam a muitos, mas que mostram que a verdade não foi exatamente aquela que conhecíamos. Revisitando a WWII, Revisando a WWII e WWII a cores. Contam a história como foi, não a dos vencedores e perdedores.
Eu quero paz, e sei que a imensa maioria também quer paz. Só chegaremos a ela quando soubemos o que realmente está acontecendo. Este massacre na Penha e no Alemão pode ser chamado de um ponto fora da curva, um absurdo, ou qualquer outro adjetivo forte, dramático, mas faz parte de um processo que vivemos a décadas, que normalizou-se e é inaceitável.
Talvez o meu bater sempre na mesma tecla seja só uma chatice. Talvez toda esta violência seja aceitável, não nas palavras e reclamações, mas na alma de muita gente.






