terça-feira, 25 de junho de 2024

De quem é a culpa?

Chamaram uma reunião de condomínio para finalmente resolver o teto mofado do banheiro do 4° andar. O condomínio tinha feito todas as inspeções possíveis e não havia mais nenhuma dúvida que o problema era no 5° andar. O edifício era pequeno, todos se conheciam, chegaram se cumprimentaram, trocaram conversas triviais e depois de algum tempo iniciaram a reunião. Tudo de acordo, tudo bem, até que o síndico avisou a proprietária do 5° andar que teriam que quebrar o banheiro dela para corrigir o vazamento. Antes que ele terminasse suas explicações ela, enfurecida, começou a dizer que o problema não estava no dela, mas no 3° andar.
- Desculpe, mas como assim, está no 3° andar? O problema é no apartamento abaixo do seu. O 3° andar fica abaixo do... 
E antes que ele terminasse, a proprietária do 5° andar bateu o martelo:
- Como pode ser do meu? Nunca! Lá não mexem! Água sobe. Água não desce. O problema está no 3° andar. O meu não tem nada com este vazamento.
A reunião terminou em gargalhadas com a proprietária do 5° saindo furiosa e batendo a porta. 
Enfim, ali água sobe.


Estava eu trabalhando num terceiro andar com boa vista para a rua. Saí do computador um pouquinho para descansar e fui ver as pessoas na rua. Vejo um pedinte de muletas, bem conhecido no bairro, se aproximar de homem jovem e pedir ajuda. O homem, calmo, respondeu algo e não deu nada. O mendigo desandou a dar bengaladas no homem, que em própria defesa o empurrou para trás. Não foi um movimento violento, mas um "para com isso". O pedinte ainda tentando acertar bengaladas no homem, e não conseguindo, se atirou no chão e começou a gritar. Abri a janela para ouvir a gritaria. Uma senhora que passava na outra calçada cruzou a rua e desandou a gritar furiosamente com o homem, também ameaçando bater nele. O homem, até que calmo para a situação, tentava argumentar. O mendigo, com sua nova protetora ao lado, urrava mais alto ainda. Desci correndo e fui contar para mulher o que tinha visto. Ela não me deu ouvidos e a confusão só piorava. Por sorte surgiu uma viatura da polícia. O policial parou o carro e ainda da janela falou para o pedinte: "Você de novo?" O pedinte imediatamente calou a boca e fez cara de quem tinha se metido em encrenca. Os policiais desceram da viatura, contaram para a mulher que o pedinte tinha várias passagens por agressão, exatamente daquela forma, a bengaladas. No mais completo silêncio o pedinte foi levantado pelos policias, colocado na viatura e levado para delegacia. A senhora, sem pedir desculpas, sumiu discretamente.


- Como você entra nesta rua sem olhar?
- Desculpe, mas você está pedalando na contramão...
- Você está dizendo que eu sou o culpado? Quem vai pagar o conserto da minha bicicleta? Quem vai pagar o tempo que vou ficar parado?


O pedreiro estava cortando o piso com a talhadeira. O acabamento estava ficando ruim. O dono do imóvel foi reclamar, o pedreiro disse que não tinha como fazer de outra forma porque só tinha aquela ferramenta. O dono foi na sua oficina, pegou a sua máquina elétrica, levou até o pedreiro, perguntou se ele sabia trabalhar com ela, ele respondeu que sim. Pegou a máquina e continuou o trabalho. Terminado o dia, o pedreiro saiu, o dono fechou a porta, foi tomar um café. E lembrou da sua máquina. Não achou. No dia seguinte chega o pedreiro, o dono pergunta sobre a sua máquina e o pedreiro na maior cara lavada responde:
- Era sua? Está em casa. Pensei que fosse a minha.
- E como você vai fazer o trabalho hoje? 
- Ué, com a talhadeira. Se ficar ruim a culpa não é minha.

domingo, 23 de junho de 2024

Mudanças não realizadas, violência generalizada

Duas matérias grandes do Estadão estão separadas por páginas e mais páginas, mas teriam tudo para ser uma só. Basta saber sobre o que realmente se trata.


"Metrópoles pelo mundo tem adotado medidas..." A qual brasileiro interessa o que o resto do mundo tem a dizer sobre suas experiências boas? Quando estivemos atentos a boas ações urbanas que deram bons resultados e resolveram problemas ditos crônicos que temos e que a cada dia se agravam?
"Violência urbana polariza busca por câmeras e blindagem" é o título da segunda matéria do Estadão que carimba "verdade" em cima do que escrevi no parágrafo anterior. 

No passado, ao qual faço parte, várias gerações tentaram trazer para São Paulo, e outras cidades brasileiras, experiências internacionais com resultados altamente positivos. Quem os ouviu?
No caso de um pequeno grupo ao qual pertenci, a luta foi pela introdução do uso da bicicleta com instrumento de transformação urbana que beneficiasse a todos, não só ciclistas como foi feito. Os projetos de então levavam em consideração todo entorno, dos não ciclistas aos espaços de uso público fora linha de passagem dos ciclistas. Pretendíamos recurar córregos, várzeas, praças públicas, áreas de linha de transmissão de energia... Nos projetos estavam estabelecidos o antes, o durante e o depois das mudanças em respeito aos envolvidos direta ou indiretamente no projeto e à população local. Diálogo. É sobre a cidade, é sobre a vida de todos.
Foram feitos 400 km de ciclovias e ciclofaixas sob o aplauso de uma nova geração que desconhecia e estava pouco interessada no que foi trabalhado no passado.

Dane se o que o outro pensa. Eu quero o meu e ponto final, esta é uma das principais razões que facilitam a entrada e o estabelecimento da violência.

O que se propõe mundo a fora é que a cidade seja um local coletivo para todos vivenciarem. É sobre isto a matéria do Estadão. A bem da verdade, é sobre isto as duas matérias do Estadão, aparentemente tão desconectas e tão uma coisa só.

Sobre violência, a experiência da humanidade não deixa dúvidas: só quando estivermos unidos venceremos. Encontrar soluções individuais ou para um grupo específico é tiro certo no pé.

Qualquer ação que segregue em nome da segurança só impulsiona e fortalece a violência.

Passamos muito da hora de pelo menos olhar experiências que deram certo. 

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Parada em Salvador, Bahia

Fomos em lua de mel viajando de carro para a casa nova, Recife. Uma das paradas foi em Salvador, onde uma amiga de Tina, Marina, uma baiana baixinha e de rara beleza, nos esperava. Paramos rapidamente na porta de sua casa, Tina desceu do carro e deu um longo e sorridente abraço. Desci com calma do carro e esperei o momento das duas. Tina nos apresentou, tivemos uma breve conversa e ela disse para nos instalarmos no hotel, descansar um pouco e depois daríamos uma volta em Salvador, e jantar. 
Mais tarde passamos e pegamos Marina, rodamos um pouco, Tina pediu para passar no Mercado Modelo que queria comprar umas coisinhas. Entramos no mercado, Marina disse para Tina escolher o que queria que depois ela iria comprar, assim evitaria preços para turistas. Tina voltou conversou com Marina que saiu pelo corredor direito, passou um, dois e do terceiro saiu um homem negro alto, muito forte, vistoso e deu uma tremenda passada de mão na bunda de Marina. Reação imediata vi Marina girar rápido esticando a perna e com o pé acertar em cheio no meio da mandíbula do negão que caiu feio um poste no chto ão e lá ficou imóvel. Tina me pegou pelo braço e em voz alta mandou que eu fosse ajudar a Marina. Literalmente pasmado olhei para ela e disse rindo "Você está brincando?". Acabamos ajudando Marina que ao lado do corpo estendido no chão estava desesperada. O machão foi tomando consciência e quando deu com Marina que lhe segurava a cabeça arregalou os olhos e disparou com "Moça, desculpe, moça desculpa, não foi por querer, nao foi por querer"... O jantar foi de risos, meu dia seguinte foi de rei, e assim fiquei durante dois dias sentado no trono. Viva o acarajé! Bem vindo a Salvador.

Numa oferta irrecusável embarquei num cruzeiro do Rio para NY. Primeira parada, uma tarde completa em Salvador.

Excursões a parte, nas quais não embarquei, não gosto, tive que desembarcar para comprar remédio, pasta de dente, e garrafa de água para academia. 

Andei só nas ruas próximas ao Mercado Modelo. Deprimente. Caindo aos pedaços. Aquilo é nossa história, foi nossa capital, capital do Brasil entre 1549 e 1763. É nosso patrimônio histórico, um dos nossos principais cartões de visitas, não pode ficar daquele jeito. É uma vergonha.
No navio de cruzeiro em que eu estava pelo menos 1500 turistas estrangeiros e mais um bom número de brasileiros ansiosos para conhecer Salvador. Os que foram nas excursões para o centro histórico, lá em cima, voltaram com boa imagem. Quem saiu para caminhar próximo ao porto ficou assustado ou deprimido com tudo largado e o cheiro ou mofado ou mijado.
Rua
Como estão nossas leis sobre patrimônio histórico? Não faço ideia. O que se pode fazer, o que não se pode fazer, quanto e no que se pode mexer numa casa, sobrado ou o que seja tombado pelo patrimônio histórico? De quem é a responsabilidade de preservação, do proprietário ou do estado? Ai sei: no geral do proprietário. Se o proprietário não tem condições de arcar faz o quê? 
São inúmeras as perguntas que se podem fazer para tentar entender porque está tudo caindo aos pedaços, não só em Salvador, mas Brasil afora. Mas uma é certeza: a situação que temos hoje é uma vergonha. Não funciona, ponto final.

A quem interessa a situação de nosso patrimônio histórico caindo aos pedaços? Especulação imobiliária em muitos casos é a resposta. Desmoronou não tem mais valor histórico, limpa o terreno, constrói e vende, é muito mais lucrativo. E dá muito menos trabalho. 

O resort de luxo que Neymar pretende, ou pretendia construir em área de preservação ambiental comete alguns erros: arrebentar área de preservação e ser um a mais igual a tantos outros mundo afora. Pequeno detalhe: mundo afora o esgoto é tratado e o mar é límpido, por isto que turistas vão. Projetos como este apontam para a pobreza como olhamos nosso potencial turístico, portanto econômico, e por conseguinte, a mediocridade como imaginamos que vamos resolver nosso abismo social. 

Povo sem memória está fadado à pobreza.
Não é nossa história que é pobre, nós é que somos ignorantes. A vergonha de olharmos no espelho é a prova cabal.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

O voto das 33 penalizando as vítimas

As 33 mulheres, ou senhoras, que votaram pela pesada penalização do aborto, o que fazer com elas?

A solução para fazer alemães entenderem que o nazismo é inaceitável foi arrasar, transformar em pó, suas cidades, o que se fez sem piedade com contínuos e pesadíssimos bombardeios até a rendição total e incondicional.

É certo que estas 33 apoiam o que não fazem idéia e provavelmente não vivenciaram. O fazem por puro fanatismo ou pelos votos, o que é mais deprimente ainda.

Violência não leva a nada. Diálogo é a melhor solução.

Mas a história ensina que a partir de certo ponto os insanos só cessam no olho por olho, dente por dente brutal, definitivo.



Uma coisa é história, outra são achismos.

A meu ver, o que falha a imprensa é não entrar na diferença entre religião, ou seja, o seguir ditames de uma "seita", e o que se sabe sobre a história de Cristo, e estou falando de história, de dentro do contexto, não nesta ou naquela religião.

Sei que é um terreno para lá de pantanoso, movediço, mas neste momento que vivemos, com as barbaridades que vem acontecendo em nome da fé, não dá mais para ficar no parcial "política e religião não se discute". Política se discute, até com fanatismos religiosos. Por que não se expor a religião com a boa conversa de uma política inteligente.

Não sou religioso, mas dentro do que resta de bom humor peço a Deus (que, como canta Elis, de nós está de saco cheio) que me reserve uma cadeira lá no fundo do juízo final, que a esta altura do campeonato rezo (?) para que aconteça. Quero ver o que Deus, e Cristo, vão dizer para estes malucos.

Expulsar os vendilhões do templo? É pouco.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

De carro pelas cidades do interior; Estados Unidos e um pouco mais

Por que conhecer o interior dos Estados Unidos? Porque conhecer, simples assim. Conhecer nunca é demais, muitíssimo pelo contrário. No meu caso, um apaixonado pela vida nas cidades e as cidades em si, conhecer o interior dos Estados Unidos foi importantíssimo, até para entender um pouco para onde caminha a humanidade e porquê. Simples, aquele pessoal tem força de voto suficiente não só para mudar os Estados Unidos, como já fez com Trump, como mudar muita coisa em todo mundo. 

Eu já conhecia o interior da Florida, mas por diversas razões, a latinidade e o clima, principalmente, Florida e seu interior não são exatamente os Estados Unidos. 

Eu queria conhecer terras dos rednecs, os "pescoço vermelho", o povo do interior dos Estados Unidos. Rednec porque são muito brancos e têm a pele muito queimada por trabalhar ao sol. Enfim, conhecer a terra da caipirada americana. Acabei circulando por onde os americanos chamam de Bible Belt, o cinturão religioso protestante. Queria ter mais tempo para poder mergulhar no que eles são no dia a dia.

Conhecer este Estados Unidos interiorano só de carro. Ônibus intermunicipal nos Estados Unidos é um lixo, só quem já usou sabe. Trem por onde passei nesta viagem praticamente só cargueiro. Antes de optar por NYC - Atlanta de carro, pensei em repetir uma viagem de trem que fiz entre Seattle - NYC, três dias de viagem, mas fui avisado que a qualidade dos trens de passageiros piorou muito, que vive cheio de reclamações. Imaginando algo parecido com as péssimas experiências que tive viajando de ônibus, o famoso Greyhound bus, desisti. Enfim, só de carro. Bicicleta nenhuma pelas estradas, aliás duas em 15 dias, praticamente dentro das cidades. Carro ou carro, simples assim.


Em qualquer viagem que fizer, tendo um pouco de tempo, fuja das cidades grandes e vá conhecer o interior dos países. Cidades pequenas e não turísticas, a verdadeira vida local. Vai se surpreender e se divertir aos montes. De preferência fuja dos estradões que passam direto pelas pequenas cidades. Diminua a velocidade de toda sua viagem, tenha tempo para olhar a paisagem, curtir as paradas, entrar nas cidadezinhas nem que seja para uma breve caminhada. Café da manhã, almoço ou lanche no meio da caipirada ou dos interioranos é mágico. Em todos estes anos de viagens tive experiências mágicas e deliciosas, e não foi diferente desta vez.

Diferente da Europa, e um pouco diferente da Florida, não é sempre que se encontra uma estradinha calma de mão dupla rodando pelo interior dos Estados Unidos, pelo menos por onde passei. Muitas das estradas secundárias são de duas vias e duas pistas cada. As estradas principais são bem largas e cercadas por árvores para manter a atenção do motorista no trânsito. São cheias de imensos caminhões, que junto com o cercado de árvores deixa o dirigir ao mesmo tempo tenso e monótono. A regra nestas autoestradas é acompanhar o trânsito, que via de regra anda numa velocidade acima da máxima indicada pelas placas. Num dos trechos a velocidade máxima era 55 milhas/hora e até as freirinhas estavam a 85 m/h, caminhões junto. A fiscalização é feita por radar e também por avião, sim avião, lá de cima, olhando tudo. Se você estiver muito rápido vão te pegar, se estiver muito lento também vão te parar, se começar a fazer ultrapassagem de forma perigosa não só vão te pegar, mas vai dar ruim. Ou seja, ou vai com a boiada ou tem boa chance de ter problemas.

Na Europa acontece mais ou menos o mesmo, nas vias expressas todos excedem um pouco a velocidade em conjunto. Se dirigir muito diferente do resto também pode complicar. Nas estradinhas de interior europeias a velocidade máxima é respeitada, o que não foi bem assim no interior americano.
Itália, ah! minha adorada Itália, ali as coisas são um pouco diferentes. A única que vi respeitando o limite de velocidade foi uma senhorinha bem velhinha num Fiatizinho 500 vermelho dos antigos, aquele bem pequenino, aliás mínimo no meio dos outros. De resto e principalmente no sul da Itália, velocidade máxima em autopista só serve para dar uma vaga lembrança. Numa das situações, perto de Bari, fui ultrapassado por três caminhões colados uns aos outros que estavam pelo menos a uns 150 km/h. Velocidade máxima ali: 80. A aproximação deles foi apavorante. 

Carro alugado, Google Maps na telinha do painel e vamos embora. Diferente daqui ou da Europa onde todas saídas são à direita, nos Estados Unidos tem saída de autoestrada para a direita e também para a esquerda. Tudo é muito bem sinalizado com antecedência. De qualquer forma, preste mais atenção que o usual na telinha para não ficar dando voltas no aeroporto de Newark, como eu fiquei. Não foi só lá que passei reto.

Preferi me distanciar de NY dirigindo numa estrada expressa, e só longe enfim saí para buscar estradinhas secundárias. Perto de cidade grande o trânsito sempre é intenso, igual a qualquer parte do mundo. Dá para sair sem entrar nos estradões? Dá, é bem bacana, mas a questão é quanto tempo disponível você tem para fazer isto. O que numa estrada expressa leva uma hora, por dentro vai levar no mínimo duas, e em alguns momentos vai te fazer passar por lugares estranhos. Tem gente que não gosta. De qualquer forma, para mim vale muito a pena.

dentro de uma das áreas de descanso das autoestradas

Se vai viajar para descansar, por que desembestar no mesmo ritmo de vida que temos no nosso dia a dia. Vai parando, vai curtindo, demora um pouco mais, mas vale cada minuto. Viajei muito de carro, já fiz viagens tipo "tenho que chegar", e acho um horror. 
Como já contei, um dia, quando ainda tinha uns 20 anos e adorava velocidade, peguei carona com um primo e fiz os exatos 300 km  de Cambuquira para São Paulo com ele respeitando todas os limites de velocidade. A princípio queria matar, depois descobri o tesão que ir com calma vendo a paisagem. Talvez tenha sido a viagem de carro mais marcante de minha vida.

áreas de descanso como esta são comuns e frequentes nas autoestradas, todas perfeitas

terça-feira, 11 de junho de 2024

Alugar um carro e conhecer terras novas

Podem falar o que quiser do automóvel, mas uma coisa ninguém pode negar: em inúmeras condições ele oferece uma liberdade quase única. Viajar pelo interior de onde quer que se esteja, com tempo contado, muito melhor se for dirigindo. Adoraria fazer o que fiz dirigindo pedalando uma bicicleta, mas infelizmente uma série de obrigações não me permitiram ou permitem. É a vida. Agradeço muito aos automóveis que aluguei pela vida. 

Tive meu próprio carro, mas usava tão pouco que vivia quebrando. O fim do último, um Fiat Pálio herdado de meu irmão, sofreu um P.T. estacionado. Depois disto só aluguei. Muito mais barato, muito mais prático, e de certa forma muito mais divertido. A maioria das vezes aluguei para ir para o interior visitar parentes, não raro com custo mais baixo do que se tivesse ido em ônibus. O cálculo leva em consideração tempo perdido, quantos viajam, o que carregava, distância... É um cálculo simples de fazer.

Viajar para fora e ter a oportunidade de conhecer o interior de outros países é uma experiência maravilhosa. Recomendo a todos. De automóvel se tem autonomia, se pode mudar o planejado, parar onde quiser...
 
Na Europa alugar um carro pode ou não valer a pena. Eles têm um sistema de trens que funciona muito bem. Nunca peguei ônibus na Europa, mas sei que são excelentes. De qualquer forma precisa fazer um cálculo de custo, tempo, e outras variantes mais para decidir. Lembre-se que não maioria dos centros históricos das cidades carro não entra. Mais, em vários países é muito fácil conseguir uma bicicleta para se mover dentro da cidade.
  
Estados Unidos é outra história. Tudo empurra para o uso do automóvel. Ou se for muito distante, para o avião. Alugar acaba sendo praticamente a única opção. Desta vez eu queria repetir uma viagem que fiz de trem, mas acabei descobrindo que não dá mais para fazer o mesmo trajeto completo e que a qualidade das viagens em trem piorou muito. Então, mudança de planos. Pena. Aluguel de carro.

Locadora de automóvel é o que não falta nos Estados Unidos. Opções também não. Uma vez, em Miami, 2015, aluguei um direto na loja do aeroporto. Quando perguntei o que tinham disponível, a atendente colocou sobre o balcão um livro imenso para que eu escolhesse. Dentro do meu orçamento tinham umas vinte ou mais opções. Perguntei se tinham um híbrido e me deram um Ford C30 Max, que adorei.
Depois de uma boa caminhada no imenso estacionamento, entrei no carro e fiquei como um imbecil me perguntando porque não ligava. Demorou para cair a ficha: estava ligado, não faz barulho, é só engatar a marcha e sair suavemente. Rindo fui embora. Foi uma experiência maravilhosa em Miami e  pelo interior da Florida. 
Nesta viagem aprendi que em estrada americana tem saída pela direita e também pela esquerda. Perdeu a saída... vai ter que rodar um montão.

Nunca saia da locadora sem entender bem como funciona o carro. Certa vez, em Montreal, quase bati de frente porque estava procurando algo nos controles do carro. Foi apavorante. 
Fora do Brasil não tem frentista em posto de combustível. Você é quem desce do carro e faz tudo. Em geral você coloca o cartão de crédito na bomba, digita a senha, tira o cartão e enche. Não se preocupe porque o cobrado será o correto. Ou vai dentro da loja e paga o que quer, tipo US$ 20,00 ou qualquer outro valor, dinheiro ou cartão. O cuidado que se deve ter é na Europa onde há a opção de gasolina ou diesel. A maioria dos carros que aluguei lá foi diesel. Colocou gasolina... vai complicar para valer. 
Entenda: fora do Brasil você tem direitos e deveres. Diferente daqui, errou pagou, líquido e certo. Eles vão para frente porque sequer fazem ideia do que significa a palavra "jeitinho". Aliás, tentar um jeitinho pode facilmente acabar num tribunal e no cumprir uma pena ou pagar pesada multa. Nunca dê uma de bobo, não seja idiota.

Na França aluguei um Peugeot 3008. Entrei no carro e não consegui me entender com o painel todo digitalizado. Tive que chamar ajuda para conseguir abrir o mapa. Boa parte das funções disponíveis e que ajudariam na viagem nunca entendi como funcionavam. Quando entreguei o carro no fim da viagem perguntei ao garoto que recebeu como desligava o rádio. Ele não fazia ideia.

Tome cuidado onde entra com o carro, em especial se for em terras italianas. A locadora de Florença está dentro da área do centro histórico, onde só podem circular automóveis com autorização. Quando voltei para entregar o carro, coloquei no mapa, que deu a rota para o outro lado do rio, na área de restrição, atrás da estação ferroviária, mas longe do famoso centrinho histórico. Óbvio que um tempo depois recebi uma multa por circular em área proibida. Uai? Então onde entregava o carro?

Numa outra viagem, para a linda Bologna, escolhi um hotel fora da área de restrição exatamente para não repetir o problema de Florença. Um tempo depois recebi uma multa aqui no Brasil. Eu não poderia ter circulado na rua onde está a única entrada do estacionamento do hotel onde fiquei. Como? Tentei recurso, mas nada, tive que pagar.

Então, muita atenção onde circula na Itália. 
Lembrei de outra: nas estradas do sul da Itália as placas indicando as cidades ficam em cima da saída. Não tem sinalização uns quilómetros antes avisando onde tem que sair. É uma piração. Sem mapa no painel é perder se não certa.
Itália é uma delícia, maravilhosa, mas tomar ou não multa é mais que prestar atenção, é uma questão de sorte.

Nesta última viagem.
Para os 10 dias viajando entre NY e Atlanta o aluguel de um carro "pequeno" em NYC sairia US 3.000,00. Voltei para o hotel e procurei opções assustado por não ter alugado com antecedência, o que normalmente faço. Um pequeno imprevisto, o tornado que atingiu Houston, me obrigou a uma mudança de planos de última hora. O outro detalhe complicador é que era um dos principais feriados americanos. Pela internet vi o que tinha disponível por perto. Acabei pegando um taxi e indo para Carteret, New Jersey, do outro lado do rio Hudson, simpaticíssima, e lá aluguei o mesmo carro "pequeno" ofertado em NYC por US 1.700,00. O carro pequeno, no caso, foi um Toyota Corolla Cross idêntico ao que temos aqui no Brasil. Carro menor que este eles não costumam ter, nem sabem bem o que é. A bem da verdade, pelo movimento nas estradas, é melhor estar num pequeno SUV que aqui no Brasil é carro grande.

O prata a direita
Novo contratempo em Atlanta, a ruptura de uma adutora que deixou o centro sem água, e tive que alugar um outro "carro pequeno", nova SUV, desta vez um Daihatsu XC60, do mesmo tamanho do Toyota, e uma delícia. Como sempre e é comum, todos os comandos de painel, e alguns do carro também, eram completamente diferentes do que conheço. Tive que pedir ajuda para conseguir colocar o mapa para funcionar na tela do carro. E até o fim da viagem fui aprendendo detalhes de funcionamento do carro. É muita eletrônica embarcada, é muita confusão.

Agora, que eu prefiro ir de ônibus ou trem, isto prefiro. O carro ganha porque você faz uma viagem deliciosa na estrada, mas quando você desce do ônibus... Aqui no Brasil, assim como nos Estados Unidos, o transporte coletivo urbano é bem precatório. Na Europa não, tudo funciona de ponta a ponta.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Festa junina de elite

O primeiro a notar é a altura do som com músicas caipiras que ecoa por toda o bairro. Se ecoa por todo o bairro algo deve estar errado. A festa é dentro do colégio particular e dentro do colégio deveria permanecer, mas não, como um aviso apocalíptico todo mundo tem que saber que dentro do colégio tem uma festa super animada, bacana mesmo, com crianças felizes dançando quadrilha caipira de São João.
Cruzou a portaria do colégio aí é que não se escuta mais o que a pessoa que está ao lado fala, a não ser que esta grite e que você responda aos urros. A questão é que a quadra onde a quadrilha está sendo dançada pelos guris fica longe, mas como a festa é animadíssima as caixas de som para ensurdecer a todos que por lá estão fica em cada e todos cantos do colégio.
Tomo um encontrão, olho para trás e vejo um pai carregando uma criança pela mão se distanciando como se nada houvesse acontecido. Mesmo que tivesse pedido desculpas pela ombrada que me deu, o que não aconteceu, eu não teria ouvido no meio daquela ensurdecedora alegria.
Indo para a quadra tenho que parar e esperar que pessoas se comprimentem e conversem alegremente, aos berros, no meio do único caminho disponível sem me dar passagem e sem se importar se estou lá ou existo. Delicadamente coloco a mão no ombro de uma mãe e a empurro delicadamente para o lado, ela dá um pequeno passo sem interromper sua conversa, e sem perceber que fechou a passagem, a única estreita passagem, para mim e a multidão que vem atrás. Danem-se todos, ela precisa conversar naquele exato local, naquela exata hora.
A quadra onde os disciplinados alunos dançam quadrilha, todos ao som da exata mesma música que se repete em moto perpétuo, fica a direita. A esquerda ficam os comes e bebes, e as brincadeiras, em barraquinhas encostadas nas paredes laterais das quadras abertas. No meio delas, embaixo de um sol escaldante, ficam as mesinhas para quem quiser sentar. Poucos se atrevem a ficar debaixo daquele racha-coco, muitas mesas estão sendo usadas, mas não resta espaço nas sombras e pais, tios, avós se acotovelam longe do sol. Óbvio que há potentes caixas de som na orelha de todos impondo a alegria de estar lá para ver seus queridos dançarem a quadrilha.
Quem gosta de festa junina sabe como é: olha a cobra, olha a chuva, peguem seus companheiros, lá vem o padre, lá vem os noivos. Nada disto, só a boa sanfona (e o sanfoneiro era bom mesmo) repetindo as notas do "São João, São João, acende a fogueira de meu coração...". Me questiono se será politicamente incorreto a cobra ou os noivos? Talvez o padre. Ou a tradição secular não se encaixe mais nos ditames atuais do socialmente aplicável. Então não para de tocar a música sem letra, sempre a mesma.
Crianças brincam com as prendas ganhas nos brinquedos. Bola na boca do palhaço. Argolas nos pinos. Argolas nos pinos? Uai? Não é politicamente incorreto? As novas prendas são dinossauros, transformers, rifles star wars, monstros... Opa, também tem bolas imensas que são jogadas para cima e vez em quando caem sobre os copos de um pai que sabe ser proibido reprimir a feliz criança.

Poucas crianças estão vestidas de caipira. Meu neto se recusou a vestir qualquer coisa que lembrasse que aquilo era uma brincadeira, ou estamos em épocas juninas. Olho para outras crianças e imagino que os pais passaram pela mesma situação. Pelo menos as crianças ainda sabem o que é brincar longe do celular.

Sento na sombra em frente a uma peteca que já foi chutada, pisada e sabe-se lá mais o que, e tem suas penas sofridas, retorcidas, perdeu sua almofada, está só no plástico que junta as quatro penas. Eu a pego do chão, do seu fim inglório, a jogo para o ar como uma peteca. Um grupo de crianças me olha com cara de espanto, não sei se porque peguei a peteca surrada do chão ou porque não fazem ideia para que serve aquela coisa.
Só não tem lixo por todo chão do colégio porque as faxineiras não param de varrer. Não sei como a peteca anda não tinha ido parar no lixo.

Conforme o calor vai aumentando as mesinhas vão se esvaziando e as sombras tumultuando. O som segue infernal. Chamam a turma do meu neto. A quadra onde corre a quadrilha é coberta. Ufa!
Entro, encosto na parede onde tem um banco de madeira daqueles longos. Ao lado tem dois pais guardando as prendas de um dos que estuda com meu neto. Estão sobre o banco e junto com a bolsa da mãe. O garoto vem e aos urros, mais estremados que o necessário pelo som ensurdecedor, ordena que a mãe não saia de lá ou vão roubar seus novos brinquedos. "E se bobear roubam mesmo" pensei.
A quadrilha começa, meninos de um lado, meninas de outro, todos de mãos dadas, mas generos separados no início, meio e fim da dança brincadeira. Será a nova quadrilha politicamente correta? Não entendi nada. Pelo menos a molecada está visivelmente feliz.
Quando o guri dono das prendas que estão sobre o banco relaxa e entra na brincadeira, e deixa de olhar para ver se mãe está lá vigiando como cachorro bravo, eu falo com ela e digo para ir ver o filho mais de perto que ficarei ali olhando tudo Ela agradece e vai. Pouco depois passa um garoto maior e olha com muito interesse as prendas, mas me vê, perde subitamente o interesse e segue em frente.
Terminada a quadrilha do neto ficamos um pouco no pátio aberto. Achamos uma sombra. Guilherme está mais incomodado que todos nós com o maldito som ensurdecedor. Levanta-se, vai até a caixa de som, olha por trás dela e abaixa o volume. Como não pensei nisso antes? Vejo outras caras felizes com a contravenção junina de Guilherme.
"Vamos embora" diz alguém. Na rua converso com um dos dois seguranças do colégio que é do Piauí. Falo sobre o volume do som e conto que já morei em Recife e Olinda. Ele sorrindo diz que festa junina por lá é outra coisa. E com outra alegria, penso eu.

No dia seguinte vou a outra festa de criança, desta vez num condomínio murado de edifícios altos, cheio de seguranças. No meio da festa acabam as cervejas e o pai pede que o ajude a trazer algumas do pequeno mercado que foi implantado lá, dentro do condomínio. Descemos, vamos para o pátio, e ao entrar no mercadinho para comprar as cervejas ele conta: "Acredite se quiser, aqui (neste condomínio fechado de classe média alta) eles (o mercadinho) têm tido 10% (do faturamento) de roubo". Não só acredito,, tenho certeza.

A classe média vai ao paraíso.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Fim de uma era de minha vida

Na noite anterior a minha partida de volta para o Brasil caiu a ficha que aquela não era só mais uma despedida dos Estados Unidos, mas o fim de uma era de minha vida. Não sei com que cara fiquei, luz apagada, mas simplesmente fiquei acordado até às 4:00h da manhã e só dormi umas duas horas, se tanto. 
No dia do embarque, ainda com a cabeça dando voltas, olhei tudo em volta com melancolia e um profundo agradecimento por tudo que tive na vida até aqui. Não tinha mais dúvida, não tenho mais dúvida, minhas viagens para fora do Brasil acabaram. A festa acabou. Tenho, como já tinha consciência, que tenho que reorganizar toda minha vida para daqui para frente. Talvez voltar um passo atrás, usando minha velha vidinha caseira de trabalho como referência ou ponto de partida.

Fiquei com a TV ligada tentando dormir e não faço ideia o que me acendeu os pensamentos sobre o significado daquele momento. Apaguei a TV e a luz e aí o mundo girou mais forte.

No meio do turbilhão de idéias veio a certeza que de todas as viagens que fiz aprendi muito. Em todas elas saí para as ruas sempre com a segunda intenção de colher algo que fosse valioso para nós, paulistanos, e brasileiros. Depois de cada viagem sonhei, melhor, delirei que traria para casa, minha cidade, algo de novo e melhor para todos. E como numa onda de ressaca caiu a ficha que não consegui transmitir ou fazer valer quase nada de minhas experiências. 

Lá fora saio para ver lojas, como todo ser humano destes anos de desbunde incontrolável, mas não sou um comprador, muito pelo contrário. Aqui não tenho o mesmo prazer.
Numa destas caminhadas por NY parei numa vitrine e fiquei embasbacado com a qualidade das costuras de um vestido. Entrei, fui bem recebido, minhas dúvidas respondidas.
Detalhe de uma costura perfeita

Muitas e muitos entram e compram porque acham bonito, querem a marca a qualquer preço. A qualidade do trabalho? O que está por trás daquela obra prima? Não importa. Importa os comentários que virão com o vestido.
Eu me preocupo com a costura. Fico maravilhado com a altíssima qualidade. Obra prima de museu.

O turbilhão da noite de olhos arregalados me fez rever meu caminhar por calçadas perfeitas, com guias bem rebaixadas, ruas silenciosas, sem um papel jogado fora da lixeira. Doeu saber que não vou mais poder caminhar sem qualquer preocupação, nem digo medo.

Não faz muito tive que me controlar para não acabar num psiquiatra. Estava surtado, literalmente, por causa do lixo espalhado por nossas calçadas e ruas. Um dia Teresa me deu uma bronca das boas e passou a pedir com frequência para eu parar de pegar lixo do chão, jogar no lixo, e parar de reclamar dos outros. As pessoas já estavam me olhando com cara estranha. 

Banco em praça pública doado por uma família. A pequena placa dá o nome.

Tudo me veio a cabeça. Não tenho dúvida que muito da rica colheita de experiências que tive nestes anos de viagem foi rejeitada. NY sofreu uma transformação mágica, certeira, para melhor, muito melhor nesta última decada. Naquela cama, estatelado nos pensamentos furiosos, caiu a ficha que o prazer dos banhos de civilidade se acabaram. Vou dizer, foi bem pesado, dolorido.

Só tenho que agradecer a benção que me foi oferecida. Sinto que não tenha conseguido reparti-la.

































quinta-feira, 6 de junho de 2024

Não temos que repensar imediatamente nossas cidades?

Estive em Atlanta, Georgia, Estados Unidos. Cheguei, fiquei um dia e felizmente fui embora na manhã seguinte. Nunca pensei que o rompimento de uma adutora e o colapso do serviço de água em todo centro de uma grande cidade, esta mesma Atlanta no caso, fosse ser não só uma ótima notícia, mas também o obrigatório convite para sair de um hotel no qual não me senti bem e pegar a estrada novamente. Mais, que o problema se transformasse numa benção, conhecer a pequena e apaixonante Newnan, uns 50 km sul da desagradável Atlanta.
 
Vivo fazendo críticas sobre a condição das cidades brasileiras, e repetiria todas as mesmas para Atlanta, provavelmente a cidade fora do Brasil mais desagradável por onde passei. Tem uma área urbana fracionada, cortada por uma rodovia ou via expressa larguíssima com um trânsito caótico, cortada também por linha de trem, um centro de cidade pouco convidativo, distância para e entre bairros não acessível a pé e distante de automóvel... Mesmo assim, com todas as críticas que possa fazer a ela, no geral, Atlanta tem uma qualidade de vida muito melhor que boa parte das cidades brasileiras. 
Ironia do destino, passei pela esquina onde aconteceu o rompimento da adutora. Jorrava água dos bueiros, corria muita água pela rua, mas daí a todo centro ficar sem água, para mim foi um espanto. E sumi.

Newnan? Uma gracinha. Pequena, preservada, com um centrinho agradável onde as pessoas param e conversam, casas do século 19 e virada para o 20 preservadas, carinho e respeito pela cidadezinha, vários bairros afastados com casinhas no meio de gramado todas sem muro ou grades... Uma poesia. Muito parecida com a maioria das cidadezinhas que entrei ou parei entre NY e Atlanta, de onde embarquei de volta para o Brasil. 
Como detalhe: o aeroporto de Atlanta é o mais movimentado do mundo, com (só) 93 milhões de passageiros ano. Em torno dele, que para dar a volta é uma longa viagem, há algo que se pode chamar de cidades, mas esta é uma outra história.

Sabe qual é a diferença das nossas cidades para cidades de países de primeiro mundo? Muitas e sensíveis. Para mim a primeira e mais importante é que o povo de lá, onde quer que seja fora do Brasil, sabe o que é ou pelo menos o que deveria ser uma cidade, o que tenho certeza que nós, brasileiros, definitivamente não sabemos. Estou errado? Em minha defesa vem os projetos de continuação da Marginal Pinheiros até Jurubatuba e a nova ponte sobre o rio Pinheiros para "desafogar" a rodovia Raposo Tavares. Não entendeu?
A partir de 1970 organismos mundiais sobre qualidade de vida nas cidades passaram a recomendar que ampliação de vias e aumento de circulação de veículos motorizados fossem evitados. A razão é simples: a partir de 200 veículos/hora inicia-se um processo de degradação local e piora sensível da qualidade de vida. Fácil entender: circule na rua Alvarenga, a via paralela à que deve desembocar na pretensa nova ponte sobre o rio Pinheiros, e veja o que ela é.  

O que você quer como cidade? Que vida você quer para si e os seus?

A pergunta deveria estar fervendo em nossas cabeças. Pelo menos na minha sempre esteve e continua estando. 
A resposta padrão a esta pergunta veio mais uma vez numa conversa rápida com uma brasileira no aeroporto de Atlanta antes de embarcar. Ela está morando lá, Atlanta, e subiu nas tamancas quando contamos nossa má experiência ali. A reação imediata dela foi jogar pedras em São Paulo. Ela morava em Pindamonhangaba e tinha se mudado para Atlanta fazia pouco. Está morando num condomínio na periferia de Atlanta que segundo ela é uma maravilha, em suas palavras "a" referência do que é uma "cidade". Condomínio é cidade? Misturar os dois diz tudo.
 
"Somos brasileiros e sabemos o que fazemos de nossas vidas" é pensamento corrente, de uma mediocridade, de uma pobreza, de uma tacanhez sem tamanho.
Como diz um livro que estou lendo: a palavra cidade foi completamente vulgarizada e perdeu parte de seu sentido. NY é cidade, Pindamonhangaba é cidade, Chernobil é cidade, sim tudo é cidade, mas as diferenças entre elas são brutais, não se encaixam mais na simples palavra cidade. O tema é de uma complexidade imensa.

Fato é que condomínio definitivamente não é cidade, por mais que se queira. Pode ser um enclave medieval, todo murado, cheio de seguranças, com vida segregada e direitos específicos para uma nata, mas cidade não é.


Nossas vidas estão todas muradas. O que faz de um conjunto de pequenos castelos medievais uma cidade, o shopping center?

Cidades aprendem com outras cidades, com outras experiências, é assim que se está sendo construído um novo futuro para as cidades, por conseguinte, para seus cidadãos e a humanidade. Esta troca de experiências é crucial para evitar erros crassos, como os que cometemos aos montes em nossas cidades. É sobre a cidade, não sobre a vontade particular dos eleitos que estão no poder.

Minha irritação com Atlanta foi tamanha que, para meu próprio espanto, não tirei uma foto da cidade. Não me lembro de algo assim ter acontecido antes.

Reconstruir as cidades do Rio Grande do Sul

 


O Rio Grande do Sul vai ter que ser construído, algumas cidades vão ter que partir do zero. Qual é a experiência que temos aqui e que há fora do Brasil que devem ser olhadas com muita atenção? No que ela pode ou deve servir e ajudar?

O problema já começou. Tem prefeito que foi a público definindo que certas áreas devastadas não podem ser reconstruídas e quepara evitar que isto aconteça não mais voltarão a ter água, esgoto, luz e comunicação, mesmo assim tem morador que jura que do que resta de suas casas não sai e de lá não se muda. É mais que compreensível, mas ao mesmo tempo este posicionamento, "o que é meu ninguém tira e ainda faço o que quiser", é justamente o que faz com que nossas cidades sejam o que são. Começando por aí a comparação com cidades mundo afora é muito desalentadora.

Nos Estados Unidos é frequente uma cidade ser varrida por um furacão ou tornado. Acaba de acontecer em Houston, onde os danos não foram muitos, mas sensíveis. E vai começar a temporada de destruição, de tudo voar pelos ares. Eles tem prática. Eles tem um planejamento para atendimento emergencial e reconstrução pós furacão ou tornado que é seguido passo a passo sem desvios. Dependendo das condições o poder público tem mão forte para evitar futuros problemas, ou seja, o cidadão é mudado de endereço e ponto final. 

Quando eu estava em Bowlling Green, Kentucky, dispararam as sirenes da cidade, o celular disparou a fazer barulhos e encheu a tela com aviso de tornado, que de fato veio um pouco mais tarde, felizmente 20 milhas ao norte da cidade. Eles sabem bem o que é destruição. Nós também. Eles sabem também como reconstruir. Aí tenho minhas dúvidas que nós, brasileiros, saibamos. 

Estou em Newnan, Georgia. Faz dois anos a cidade foi cortada por um tornado uns dez quarteirões do centrinho. A destruição foi total. Da velha escola só sobrou a fachada que é em tijolos, o resto voou pelos ares. A nova escola, agora bem mais robusta, já está pronta, assim como a maioria das casas.
Talvez eles tenham uma lei que obrigue a reconstrução num terminado tempo, ou o poder público intervem. Em NY um imóvel comercial não pode ficar mais de seis meses desalugado ou o proprietário é penalizado. Razão: não prejudicar os imóveis que estão em volta e a população que por lá vive. 
 
Acabei tendo uma longa conversa com um dos bombeiros de Newnan. Contei sobre o Rio Grande do Sul e ele pediu para ver vídeos. Enquanto via, perguntou se tinha dinheiro para reconstrução. Boa pergunta! Dinheiro, este é um problemão, mas no Brasil não é o maior. Nosso maior problema é fazermos mal feito, desperdício, todos nós sabemos de cór e salteado.

Não é só uma questão de dinheiro, mas muito mais de postura em relação ao coletivo. Aí todo brasileiro sabe que a coisa pega. Ninguém fala, mas todo mundo sabe que nosso lema está mais pelos lados do "salve-se quem puder".
 
Na longa viagem de navio para NY conversei muito sobre o drama do Rio Grande do Sul com um senhor nascido em Beirute, Libano, de família armênia, que é arquiteto e vive em Boston, mas viveu e trabalhou em Paris e na Arábia Saudita, portanto com vasta bagagem. Perguntei se ele já tinha visto, lido ou conhecia algum documento ou manual americano ou europeu sobre efeitos, procedimentos e recuperação de cidades pós enchentes. A resposta me deixou mais aguniado que já estou: 
"Furacões causam sérios danos superficiais. Enchentes destroem tudo, são muito mais complexas, porque destroem tudo na superficie e debaixo do solo. Água causa os piores danos possíveis e é difícil recuperar". 

Perdi um carro numa enchente. Ele só pegou água até um pouco acima do meio do pneu. Na época ainda dava para mandar desmontar o carro e limpar tudo. Ele voltou a funcionar, mas uns meses depois os efeitos da água apareceram para valer e perdi o carro. Imagine numa casa, num bairro, numa cidade.
 
Uns dias depois, Lito Sousa, especialista em aviação, deu uma entrevista sobre o Aeroporto Salgado Filho, o de Porto Alegre, que literalmente submergiu. Segundo ele, ninguém faz ideia do nível de danos causados pela enchente, mas conhecendo aeroportos ele não tem dúvidas que são muito grandes. E completou, pela forma como foi solto o comunicado oficial dos responsáveis pelo Aeroporto Salgado Filho, Lito disse que talvez não dê para recuperá-lo.

Aeroporto não é uma cidade, mas serve como referência porque tem uma estrutura similar ao que uma cidade deveria ter. A maior diferença para nossas cidades é que os aeroportos funcionam com um alto padrão de qualidade, com informações precisas sobre tudo. em Mesmo nossas cidades mais bem organizadas as informações são falhas ou ainda inexistentes. Mapas? Duvido, ou são falhos, desatualizados.
 
O lado bom da enchente que é se tivermos juízo vamos construir cidades bem planejadas. Gaucho costuma ser mais organizado que a média brasileira.