sexta-feira, 30 de julho de 2021

Cinemateca Nacional, mais um incêndio previsível

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Um inapto montou o pano de cenário muito próximo a um holofote e tocou fogo no Museu da Língua Portuguesa. Ineptos e inaptos trabalhavam em silêncio num edifício fadado ao incêndio e assim torrou o Museu Nacional. Um inapto fazendo manutenção no ar condicionado colocou em curto e fez queimar a Cinemateca Nacional. Todas estas e outras mais foram situações absolutamente previsíveis, não se pode dizer que foram acidentes (NR 09 - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA). A pergunta que fica é qual é a diferença entre o maluco que tocou fogo no Borba Gato e os responsáveis pela cultura deste país? Recuperar o que foi perdido é impossível, perda literalmente irreparável, mas quem vai ser responsabilizado? Não faz muito tempo um bêbado dirigindo em alta velocidade e sem carta derrubou um poste e apagou um bairro inteiro que tem negócios e escritórios essenciais ao Brasil. Quem pagou o estrago? Ele não foi. E todos nós silenciamos. 
Considero inaceitável que não tenhamos leis específicas para manutenção de nossos museus e patrimônio histórico. Um qualquer definitivamente não pode executar qualquer trabalho dentro ou relativo a museus ou patrimônio histórico. Não podemos continuar queimando nossas raízes.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

As fotos dos Bolsonaros com a nazista. E mais um incendio: Cinemateca Nacional desta vez. Merda!

Não consiguo escrever mais em cima dos fatos porque fico atordoado com tudo que está acontecendo.
Neste exato momento não consigo ficar na frente da TV porque estão passando o incêndio na Cinemateca Nacional. Este país é simplesmente inacreditável, deprimente! Não aprendemos nada com nosso passado. Lá se vai nossa história do cinema e TV. Merda!

Vai sem revisar (e estava tão puto da vida que nem repassei os olhos no texto que saiu no original com letra trocada, erro de ortografia... que agora corrijo) :
Há uma enorme diferença entre ser neo nazista e ser nazista. "Neo" é aquele que pode até estar bem-informado, saber do que se trata, mas tem uma ilusão sobre o tema, assunto ou questão. Não é o caso da senhora que está nas fotos sorridentes e amistosas tiradas por Bolsonaro e seu filho. Que se tenha claro, Beatrix von Storch é nazista de família, é neta de um nazista de primeira linha que trabalhou pelo nazismo, o verdadeiro, o real, puro, belicista, genocida. Uma coisa é o autêntico, o real, o que não sofre distorções ou fantasias inerentes ao "neo", à cópia, à ilusão, ao desejo.
Este país, e incluo a dita direita brasileira, sabe que a imagem do Brasil está cada dia mais para poleiro de galinheiro em razão das atitudes de Bolsonaro. Os investidores chineses se recolheram e não têm qualquer intenção de investir em quem só os critica. Antes destes os importadores árabes / islamitas de produtos brasileiros, em especial carnes e outros alimentos, já deram um passo atrás com o apoio de Bolsonaro à transferência da capital de Israel para Tel Aviv. Agora esta paulada inominável, inaceitável, contra os judeus e israelitas. Não foi uma foto, foi uma murro na cara. Mais, é óbvio que a foto trará 'arrestas' com os alemães, e porque não dizer Europeus, e porque não incluir Americanos e Argentinos que tem fortes e influentes colônias judias.
Bolsonaro não dá a mínima para as consequências de seus atos, muito pelo contrário, acredita que estas barbaridades podem ajudá-lo na eleição. Tenho fé que não será assim, tenho fé que não somos tão loucos, estúpidos, que nossa direita pode até ir longe em alguns pontos, mas tem noção de limites. Do contrário o Brasil teria embarcado numa esquizofrenia completa como foi a da extrema direita da Argentina. Dilermando e seus amigos foi posto para fora e o Brasil tomou o rumo de uma normalidade lenta e gradual, mas uma normalidade.
Bolsonaro, em nome de seus delírios de ditador, fará qualquer coisa para alcançar seus objetivos. A loucura é tão absurda que não estranharia que ele pedisse em casamento Maduro, de quem é tão parecido, para manter-se no poder.

Como aceitamos esta loucura? No que nos transformamos? Que puta vergonha!

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Invisíveis, inconvenientes, mas humanos

Quem passava em frente ouvia sons irreconhecíveis, difíceis de definir do que era, que animal estaria naquele fundo de terreno com garagem de portão sempre fechado. Os empregados faziam que não ouviam as perguntas; o que varia diariamente a frente do palacete sequer levantava a cabeça para dar um bom dia que levemente sussurrado terminava em "até logo, segue em frente, não sei de nada". De dia a janela de vidraças sobre o portão da garagem raramente era aberta para pegar um ar. Dia de sol abriam e então os sons estranhos ficavam mais distantes, estranhos, vindo de trás do palacete, entrecortados pelo cacarejar da galinhada. Uns poucos vizinhos, incluindo o farmacêutico vizinho algumas casas acima, sabiam o que era, mas todos evitavam comentar ou falavam constrangidos da "desgraça".

A escada de entrada do palacete não era propriamente imponente, mas impunha respeito. Ficava na lateral da construção, a poucos metros da calçada e do portão de ferro que nunca se fechava. Dois degraus de mármore, e uma pesada porta de madeira nobre trabalhada em almofadas, dupla, que com certo esforço e girando lentamente abria a da direita, por onde se entrava no palacete. A frente surgia a escada de madeira escura e pouca luz iluminando seus 14 degraus que de baixo não deixavam ver para onde iria ou quem estaria esperando. Uns poucos eram recebidos do alto, a procurava para onde ir. Passada as portas ninguém ouvia grunhidos ou sons estranhos.  

O guarda casaco espelhado ficava à esquerda, à beira do primeiro degrau da escada para o porão sempre apagado, buraco assombrado impossível de não notar que precedia as boas-vindas. Vencida os 14 degraus de um carpete que silenciava os gemidos da madeira o palacete se iluminava no vitral colorido do pequeno jardim de inverno. Vencida a escada a incerteza do visitante fazia olhar para a sala da direita, iluminada por duas grandes janelas e com um imponente piano de cauda, e para esquerda onde numa sala grande e profunda, bem menos iluminada pelas janelas com cortinas pesadas, se encontravam os donos do palacete sentados em grandes poltronas esperando serenamente o pedido de benção obrigatória a todos, a para uns poucos o ficar de pé e estender a mão sorridente.
 
Dia de missa saíam em comitiva, procissão familiar rumo à igreja, a maioria em seus carros estacionados na rua, um atrás do outro por ordem hierárquica casual. Nunca se viu as janelas sobre a garagem abertas nestes momentos. Uns poucos saíam mais cedo a pé para colocar a conversa e as fofocas pouco aceitas em casa em dia. Padre orgulhoso os recebia a discreta distância realizado, aguardando sem esticar a mão para pedir ou dar benção, sinal de respeito para que os patriarcas se acomodassem em seus devidos tempos na primeira fileira da direita.

A Fé, maiúscula ou minúscula, foi vivida, aceita ou levada por todos em nome da unidade familiar. Ritual o encontro nos jantares de meio da semana e no almoço de sábado. Em tempos quentes abria-se as duas grandes janelas da sala de jantar e fechava-se por completo vidraças e persianas da garagem, no mesmo nível e a poucos metros umas da outra. As refeições eram inesquecíveis, animadas, quantos mais viessem melhor. Do portão da garagem ouvia-se claramente as vozes e até os talheres tocando os pratos.

- Era uma menina, não era? Como chamava?
- Era uma menina. Não faço ideia de como chamava.
- Morreu com quantos anos? Depois ou antes dos avós?
- Acho que morreu antes... Morreu antes, mas não faço ideia de quantos anos durou.

O menino hiperativo saiu da brincadeira com os primos que corriam gritando pelo pátio e entrou correndo na busca do banheiro pela primeira porta aberta que viu. A sala bem iluminada, toda fechada por cortinas brancas e translúcidas, só com um grande berço, uma cama fechada por grades, solitária ao centro; e uma única cadeira encostada. Parou a corrida, deu dois passos temerosos, percebeu um movimento grande berço e estatelou frente a visão de uma menina estranhamente bonita e deformada que olhava o teto com sorriso que nunca tinha visto. A criatura de sorriso retorcido emitiu algo entre um gemido e grito e agitou os braços com suas mãos fechadas, o menino se assustou, mas não se moveu, continuou espantado e curioso. Alguém entrou na sala pela outra porta, não era a tia nem a mãe, não era ninguém conhecido, vestia branco e caminhou com calma na direção do menino, sem dizer palavra acompanhou o menino para fora. O menino demorou para voltar aos primos, as brincadeiras, a vontade de ir ao banheiro, mas voltou, correu, e para ir ao banheiro procurou com cuidado a porta correta. 

- E a bisneta que também teve paralisia cerebral?
- Que bisneta? Do que você está falando? Não conheço esta história.

Mais uma gravides esperada por toda família. Avos contaram a boa nova a todos que podiam, até na fila do banco. E a criança nasceu, forte, sadia, mas com um pequeno problema. Todos perguntavam sobre as boas novas que eram dadas constrangidas, sem sorrisos, sem alegrias. "Bem, graças a Deus" sem mais palavras. A notícia do pequeno problema foi passada a uns poucos familiares e espalhada por todos em comentários e fofocas. Síndrome de down.
- Tenha Fé, soltou a prima no jantar. 
- Maldito seja Deus! Maldito seja Deus! Sempre fui fiel a Ele. Maldito seja Deus! levantou a voz com lágrimas escorrendo pelo rosto retorcido de tristeza.  - Não quero um neto assim. Pelo amor de Deus, não mereço. Maldito seja Deus! Maldito seja Deus! Gesto duro colocou as duas mãos sobre a mesa, fez um abismal silêncio com olhar alto e perdido, sem enxugar as lágrimas tomou os talheres e voltou a comer. O jantar prosseguiu.


terça-feira, 27 de julho de 2021

Borba Gato e os bandeirantes

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Os bandeirantes, incluindo Borba Gato, entraram terras novas adentro não só para caçar mão de obra, mas também para encontrar riquezas e estender as terras para a coroa portuguesa. Uma destas revisões históricas chama a atenção que os portugueses não tinham cá homens suficientes para montar um pequeno exército de "bandeiras" e que a maioria dos bandeirantes eram iguais aos que acabavam caçados ou mortos. 
O desenho do Brasil que se tem hoje se deve muito a eles, os bandeirantes. Portugueses podem ter todos os defeitos do mundo que lhes queiram imputar, mas fizeram uma colonização muito menos violenta que a espanhola. Caso não fossem as terras tomadas da coroa espanhola pelos bandeirantes a situação das populações locais daquela época e de hoje provavelmente seria outra, muitíssimo pior para índios e africanos. Argentinos contam com orgulho sobre uma guerra onde "não sobraram negros", no caso índios dos pampas. O século XIX do cone sul da América espanhola foi um contínuo massacre de todos que não eram brancos. Ainda hoje qualquer um que não seja "europeu", incluindo as vastas populações andinas, encontram mais dificuldades que deste país dos bandeirantes.
Perante o pensamento atual a ação dos bandeirantes não tem desculpa, mas é um erro grosseiro não olhar a história dentro do contexto de sua época. Ninguém pode afirmar que dentro de um século não se vá acusar e incriminar muitos dos puristas dos dias de hoje. 
Sobre os bandeirantes, de minha parte não ficaria triste se hoje eles ainda existissem e entrassem mata adentro para buscar novas caças, o que tem que ser feito se queira preservar a amazônia, outros biomas e inúmeras etnias.


Considero completamente absurda a situação que vivemos hoje. Sou absolutamente favorável preservação e proteção de povos e cultura indígena. Sou absolutamente contra a perda de qualquer bioma ou natureza. Considero literalmente um tiro no pé em nosso futuro o caminho que estamos trilhando. Assim como sou absolutamente contra queimar a história, até porque isto me lembra Santa Inquisição e nazistas. Igualar-se a eles considero muito mais que um erro.

domingo, 25 de julho de 2021

A burrice de queimar, depredar e derrubar a história

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Queimar, depredar e derrubar estátuas e monumentos não só não muda a história como apaga a história real dos fatos. É de uma burrice sem tamanho até mesmo para os que se sentem, com razão, prejudicados. Esconder, sumir, apagar, cancelar é colocar todas fichas no negacionismo da terra plana. História é ciência humana que está sendo constantemente reescrita, mas sem referências fica difícil fazer as devidas correções e complementações. Se o bom é apagar, cancelar, temos que ter cuidado com Guernica de Picasso, ou aí não pode? Por outro lado, o da ciência médica e psiquiátrica, sabe-se que o pior dos cenários para pessoas sofridas ou traumatizadas é tentar apagar a realidade, mentir, ocultar, afastar-se do problema, negar, falar pelas costas uma versão. Tomar medidas extremas pensando que é revolucionário é para quem não tem cultura e é incapaz de pensar inteligente outra alternativa. É dodiálogo que vem o bem. A história está cansada de provar que medidas radicais só dificultam ou impedem o avanço necessário. Reescrever a história é sempre necessário; apagar a história é um crime contra a humanidade. Borba Gato, Rainha Vitória, Edward Colston, o desaparecimento destas e de outras que estiveram lá no espaço e olhar público por décadas, séculos, só vai servir para que as próximas gerações não venham ter curiosidade, e isto sim é um desastre social. 

Só mais um comentário que acabou não indo para o Estadão: num país onde tudo o que é de bronze acaba roubado, por isto não temos estátuas, esculturas e monumentos espalhados pela cidade, como é normal mundo afora, para que precisamos de mais depredações revolucionárias?

quinta-feira, 22 de julho de 2021

A teocracia obscurantista brasileira

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

O Brasil vive numa teocracia ou a beira desta? Eis a questão. Ser declarada a esta altura pouco significa. Basta ligar uma TV de canais abertos e cansar de contar quantos canais são exclusivamente religiosos ou têm boa parte de suas programações vendida para religiosos. Religião sempre foi muito representativa na sociedade brasileira em suas ações sociais e mesmo políticas. Bolsonaro sempre fez questão de apresentar-se como "terrivelmente evangélico", intimamente ligado a templos isentos de qualquer controle. O ocorrido em Angola com a Igreja Universal do Reino de Deus, acusada de inúmeras irregularidades, incluindo racismo, coloca ainda mais sombras sobre estes templos e religiões que demonstram sem qualquer constrangimento uma relação intimíssima com este Governo. Muito se tem falado sobre militares, o que tem colaborado com o estranho silêncio destes religiosos em relação a seu tão fiel seguidor, Bolsonaro, e aos inúmeros casos minimamente estranhos que cada dia se avolumam. O obscurantismo e o negacionismo à ciência do terrivelmente evangélico Bolsonaro e seus seguidores remetem às Cruzadas, uma das mais vergonhosas histórias da humanidade e principalmente envolvendo a fé. Cloroquina é a hóstia de salvação dos bolsonaristas, só não se sabe ainda para quem vai o seu dízimo. Poder fundamentado na religião e obscurantismo já os temos em Brasília. O "terrivelmente", ou seja, o que pretende infundir ou causar terror, o que quer ser temível, quer ser invencível, também o temos discursando como Presidente da República. Mesmo sendo tão deixada de lado vale lembrar que a Constituição da República Federativa do Brasil diz que este mesmo país, o Brasil, é laico e que deve orientar-se pela luz do conhecimento e ciência. Passou e muito o tempo de dar um basta aos vendilhões, todos. Urge dar um basta aos que ajoelham para qualquer teocracia obscurantista.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Urbanismo e arquitetura de rico pobre ou de pobre rico?

O que fazer com a arquitetura e urbanismo das favelas? Pensamento de elite que gostaria de ver tudo bonitinho? Não! Tudo a ver com saúde preventiva.

arquitetura / construção
  • ventilação / mofo / circulação de ar > tuberculose - problema crônico no Rio de Janeiro e provavelmente em outras favelas
  • iluminação interna / sol
  • sensação térmica
  • isolamento acústico
  • hidráulica, elétrica, comunicação
  • circulação interna, espaços coletivos e individuais
  • outros
urbanismo
  • entulho / lixo / problema de coleta / ratos / baratas / escorpiões...
  • estabilidade do solo / impedimento de mobilidades
  • saúde preventiva / esgoto / águas poluídas
  • mobilidades / circulação de mercadorias / resgate
  • falta de áreas de lazer / esportes / convívio
  • transmissão hidráulica, elétrica, comunicação
  • escolas, educação, treinamento, cultura
  • distribuição de bens e serviços
  • ligações com a cidade
  • etc...
Vamos lá, vão dizer "não é favela, é comunidade"... Os problemas são idênticos. A mudança da palavra não mudou nada.

"Se tirar na Mega Sena quero comprar uma casa grande num condomínio fechado com seguranças", foi dito na fila da lotérica por uma senhora bem mais jovem que sua aparência sofrida pelo trabalho pesado da faxina numa casa de família. Aponta para um sonho popular: o de mudar para a vida numa outra favela: a dos ricos.
  • Favela, ou comunidade, como queira, é uma área delimitada onde o "rico não deve entrar". Não raro é vigiada (armada) pelos locais e entra quem tem autorização.
  • Condomínio é uma área fechada, murada, vigiada (armada) onde entra só quem é autorizado, no caso de pessoas com menos poder aquisitivo que só os que devem ir lá para prestar serviços.
  • em ambos os casos faz sucesso churrasco e cerveja, e outros motivos que deem status. Ser chique é o que vale, o resto pouco importa. São todos frutos da mesma terra
Favelas surgem e crescem em áreas que não são de ninguém (?) ou são fruto de alguma disputa judicial que nunca acaba, típico de Brasil. Favelado geralmente não título de posse, o que por um lado impossibilita (?) a ação do poder público e por outro impossibilita a ação do poder público (!). Não escrevi errado, a frase está repetida porque assim é, exatamente sempre a mesma situação, mas com variações de interesses por trás que podem ser dificultosos ou benéficos para a população favelada e ou muito mais para uma minoria que mora em outras paragens, não raro em condomínios.

Condomínios fechados remetem a idade média, ao poder centralizado que define o que e quem está dentro ou fora não só dos muros. Remetem ao sonho dos bairros periféricos do American Dream. É a realização de realidades obsoletas, há muito questionáveis, dependendo do nível cultural consideradas inapropriadas.

"Unidos venceremos"; ou pelo menos deveria ser. Mesmo com todas as bagunças que vivemos aqui e acolá parece que a sabedoria comum diz que a lógica é diminuir diferenças, diminuir distâncias, concentrar. A discordância está na insegurança geral o que leva a unir os nossos: meu lugar, minha vida, minha comunidade. E no meio disto a cidade.

Urbanismo! Urbanismo? Vá até os poucos locais onde se pode ter uma visão ampla da cidade e veja o agulheiro espalhado disforme que sombreia a vizinhança e muda os ventos. Quem tem dinheiro que compre um apartamento nos últimos andares e terá direito a luz, menos barulho e poderá ver o que acontece lá em baixo, na cidade, controlar se quiser. De lá poderá ser rei em castelo murado de pedras e guardas, inexpugnável, soberano. Com direito a piscina e academia, impensáveis na Idade Média; mais que rei, imperador de seus próprios prazeres.

Se for pobre circule caminhando e olho para o alto. Novos "empreendimentos imobiliários", cada vez maiores, mais altos, imponentes, mais seguros, mais privativos, mais desconectados de seus vizinhos lá em baixo, pipocam por todos lados. Serão favela ou comunidade?

Plano Diretor?        papel

No meio deste descompasso das cidades brasileiras veio a pandemia...



Nada foi previsto. Tudo foi pensado, isto não pode ser negado.

Com o café e o aumento da riqueza a cidade de São Paulo passou a ter um crescimento rápido, a princípio ordenado, de certa forma planejado.

A partir da década de 70 com a necessária mão de obra, qualquer que fosse, o crescimento desordenado e pobre da periferia disparou. O Centro, o coração da cidade, foi aos poucos sendo deslocado para a av. Paulista, seguido para a novíssima av. Faria Lima (1967), Berrine, Centro Empresarial e outros pontos desconectos. O Centro foi sendo largado para trás sem qualquer planejamento, até chegar ao horroroso abandono que temos hoje. O mercado imobiliário fez o que quis com a cidade, praticamente sem qualquer controle ou planejamento urbano, sem piedade, olhando o próprio umbigo.

Com plano diretor que se pode dizer sem plano diretor, com planejamento de curto prazo que se pode dizer curtíssimo prazo para uma metrópole, “a” capital do Brasil, mais rica e pujante, a vida das pessoas virou um inferno diário. A cidade perdeu sua memória, sua referência, com isto as tensões sociais aumentaram, a violência disparou. Surgiram as soluções mágicas segregando, aumentando o abismo social, distorcendo mais ainda os objetivos históricos da função da cidade: habitação, trabalho, cultura, lazer, saúde e mobilidade; de preferência com sentido de unidade, portanto força.

Estes anos de crescimento desordenado foram para os que tinham melhor condição social e decidiam não só seus futuros, mas de toda a cidade, foi uma festa, os anos de ouro. Boa parte deles eram filhos ou netos de europeus que fugiram da miséria ou das guerras. O Brasil era a terra do futuro, da esperança, do crescimento, São Paulo sua locomotiva. A periferia estava longe, descolada da realidade destes que quando muito ouviam alguma história sobre as agruras dos pobres e imigrantes nordestinos vindos para trabalhar por aqui. Agruras difíceis de entender pelos que fugiram da maior barbárie que a história produziu; a Segunda Guerra Mundial.

O então Prefeito de São Paulo (de 1971 a 1973) Figueiredo Ferraz teve coragem e disse que "São Paulo tem que parar". Não parou. Quis fazer da avenida Paulista, o novo centro da cidade, um boulevard, com trânsito rápido passando por baixo, numa via subterrânea, e o trânsito local e livre circulação dos cidadãos por cima, no boulevard. Figueiredo Ferraz quis olhar para o futuro, não foi o único a sonhar. Paulo Maluf, o Prefeito anterior, com suas obras duvidosas, cheio de suspeitas e críticas, teve mais apoio. Figueiredo Ferraz, dentre outros, é praticamente esquecido. A cidade se abre não ao futuro, mas ao mais puro populismo.


Como eu me diverti!
A ignorância é uma dádiva.
“A ignorância é uma benção. Se você não sabe não existe dor” - John Lennon
Eu pude usar o automóvel como brinquedo, diversão pura. Guiava a milhão

São Paulo, a cidade sem freios, serviu de referência para outras cidades do país.
As tentativas de soluções são pontuais, individualizadas e desconectadas. A cidade é una. Vai-se de mágica em mágica.

Em 19 de fevereiro de 2021, às 06:02, o jornal Bom dia São Paulo da TV Globo mostrou uma matéria sobre as dificuldades que o pedestre tem para caminhar pela cidade. São muitas e não raro absurdamente anacrônicas, de uma pobreza sem fim. Falaram sobre um pequeno dificultador para que as calçadas melhorem: quem é o responsável legal pela calçada. Quem é? O responsável pela construção, manutenção e qualidade da calçada é o proprietário do lote lindeiro; ou seja, o poder público não tem nada a ver com a calçada e os percalços dos pedestres, os cidadãos. É o símbolo máximo de nossa verdade.

E no meio deste descompasso das cidades brasileiras veio a pandemia. Se o futuro das cidades mais organizadas do planeta traz muitas incertezas, imagine o de cidades que já tinham futuro incerto.

Eles não dizem, mas está na cara que é “foda-se o pedestre”. Para bom entendedor é foda-se o cidadão, portanto foda-se a cidade. Fodemo-nos todos.


segunda-feira, 19 de julho de 2021

Proteger a indústria nacional? Erro, especialmente no setor da bicicleta

Corre no Congresso uma proposta de projeto que cria barreiras para a importação de forma a proteger a indústria nacional. Espero que não passe por diversas razões, em especial porque se isto acontecer provavelmente o projeto de reestruturação de nossas cidades para a vida com as mobilidades ativas vai ser profundamente prejudicada.

Quem é novo, quem não pegou o "Brasil, ame-o ou deixe-o" da indústria nacional protegida da importação e não faz ideia das consequências que este isolamento trouxe para todos, população e principalmente para o setor industrial e geração de empregos a médio e longo prazo.

Quando se fala em bicicletas esta proteção dos importados foi uma das principais causas do Brasil deixar de ser o terceiro maior fabricante mundial de bicicletas para praticamente desaparecer do cenário, mesmo tendo uma das maiores populações de ciclistas do planeta. Não confundir a novidade que vivemos da classe média e alta pedalando com a tradição perene do uso da bicicleta pela população em geral.

Era muito ruim a qualidade da bicicleta que tínhamos antes da liberação da importação de produtos industrializados determinada pelo então Presidente Fernando Collor em maio de 1990. O Brasil vivia num oligopólio com Caloi e Monark controlando com mão pesada mais de 90% do mercado interno. Monark era dona do nordeste e norte do país, onde era muito difícil ou até impossível encontrar Caloi. Por sua vez Caloi tinha o mercado de São Paulo e redondezas.

Pedalar com bicicletas brasileiras das décadas de 70, 80 e início dos 90 era um constante ajustar e com frequência trocar peças. Eixos das rodas e do movimento central eram um desastre, um bom ajuste durava dias, se tanto, quando era possível ajustar. Renata Falzoni definiu em 1989 com precisão o que era pedalar uma bicicleta nacional daqueles tempos: "nhec nhec.. nhec nhec.. nhec nhec..."

Não foi a importação de destruiu a indústria da bicicleta no Brasil, mas a prepotência, a soberba, a arrogância, a incapacidade de olhar o futuro e aplicar qualidade aos processos, mais uma sucessão de outros erros crassos. Cheguei a conhecer a fábrica da Caloi e os problemas não eram muito diferentes dos encontrados em outras fábricas de outros setores industriais. Dizia-se que as Monarks eram melhores, mas esta análise tinha muito de paixão. Quando chegaram as primeiras importadas, mesmo as mais baratas, ficou claro que a palavra qualidade não estava no dicionário do setor brasileiro de bicicletas. Aliás, lembrando, a Urbano, fabricante de bicicletas populares (?) surgida em 1989 tinha números absurdos de problemas de produção e defeitos, mesmo assim vendia bem bicicletas frágeis e desalinhadas. Várias marcas nacionais seguiram o mesmo caminho. A Conthey, marca de péssima qualidade surgida alguns anos mais tarde foi digna de uma piada corrente entre os bicicleteiros: “Te contei? Você se fudeu!”

A salvação da indústria nacional protegida do “Brasil, ame-o ou deixe-o” teria sido uma mudança radical, não raro jogar no lixo até todo ferramental e comprar tudo novo. Em vez disto empurraram com a barriga até não dar mais. Posso afirmar porque vi, naquela época até o trabalho do ferramenteiro, o especialista em manutenção e ajuste de cortadeiras, prensas, fresas e tornos foi relegado a "dá um jeito aí". Vi máquinas de corte trabalhando com variações absolutamente inaceitáveis até para os diretores industriais daquela época. "Quer que faça o que? Não posso parar a fábrica". Traduzindo as palavras do diretor: o mercado comprador só tem idiotas que aceitam esta merda. E aceitavam com naturalidade, mesmo já existindo leis que o protegiam.

Os setores industriais do Brasil que tiveram menos problemas com a abertura da importação foram aqueles que já sofriam concorrência e os que tiveram respeito pelo consumidor. Mesmo assim o baque foi grande para todos porque o mercado mundial estava desbalanceado, principalmente pela política interna agressivíssima da China de produção e preços.

Hoje o jogo do mercado global é outro, difícil, mas possível, mais, desejável. Restringindo ao mercado de bicicletas, a Decathlon, principal marca de bicicletas na Europa e uma das mais vendidas em todo mundo, tem sua principal fábrica em Portugal. As portuguesinhas são ótimas, recomendo. Não conheço os números, mas deve ser bem grande, mais, com preços competitivos com os da China, sinal que o jogo está aberto.

Mas vão dizer que temos uma indústria nacional. Sim temos, mas de novo, a qualidade de nossa indústria está muito longe do padrão internacional, muito longe, longe mesmo. E não se enganem, muito do que é "Made in Brazil" é importado ou vem de linha de montagem na Zona Franca de Manaus, o que é uma outra excrescência que temos que corrigir. O que é dito que foi fabricado na ZFM é na realidade montado com quase tudo importado e só um percentual de produtos realmente "Made in Brazil". Me engana que eu gosto, Isto é outra história que está dentro da mesma história.

O Brasil não pode prescindir de um setor industrial forte e bem sucedido, mas isto não vai ser alcançado cometendo o mesmo erro do passado. Não é a proteção que resolve, mas saber competir, ser eficiente, ter os pés no chão.

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Bolsonaro e nossa pronta recuperação

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo


A saúde de Bolsonaro é crucial para o futuro não só do Brasil, mas de todo planeta. Já se vem falando em julgar Bolsonaro, seus mais diretos colaboradores e seu governo em tribunais internacionais por crimes contra a humanidade e isto é do interesse de todos. O futuro do meio ambiente, o respeito pela ciência e a saúde de toda população do planeta, dentre outros, estão em jogo não só aqui. Urge que se tenha um julgamento neutro e justo e que se dê um novo ponto final, como foi o julgamento de Nuremberg, não deixando dúvidas sobre qual deve ser o novo e promissor horizonte para a humanidade e o planeta. A morte de Bolsonaro neste momento efetuaria um mito pueril, o que pode se transformar numa situação ainda mais perigosa da que temos hoje. Nas redes sociais seus opositores fazem votos de melhoras porque querem sua derrocada nas urnas. Não seria de duvidar que os mais fanáticos bolsonaristas, com sua inexplicável linha de pensamento e ideologia, desejem o contrário mais que em nome da preservação de um mito, a continuidade desta insanidade generalizada e o que ainda não veio à tona. Bolsonaro vivo presta um precioso serviço ao país, e ao planeta, porque expõe um submundo assustador deste Brasil. Fica aqui meus votos para nossa pronta recuperação.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

A cidade e a pandemia. Ou cidade cloroquina?

Muitos cientistas dizem que esta pandemia não será a primeira nem a última. Vamos ter que rever alguns conceitos sobre o viver agrupado? Já estávamos revendo, muito timidamente aqui no Brasil. A vida na cidade estava caminhando para colocar mais gente em espaços públicos e privados, o que terá que ser revisto caso as pandemias se sucedam e seja necessário continuar isolando.

E as cidades brasileiras como ficam? A vantagem que temos é que estamos bem atrasados neste "colocar a vida na rua". Em compensação nossas cidades tem sérios problemas relacionados a saúde pública que estão bem longe de ser resolvidos. Água tratada e esgoto só para começar. A desvantagem vem da perda de identidade de nossas cidades que nestas últimas décadas reforçou os guetos. Como chamar um condomínio murado senão gueto. Qualquer solução duradoura tem que vir do coletivo, mas temos um coletivo urbano? 
 
Eu cheguei a ver cidades brasileiras. Quem é das gerações mais novas não viu, não sabe o que foram, não faz a mais remota ideia do foi este Brasil, das esperanças que tínhamos, todos, sem distinção, ideologia ou religião. Perdemos completamente a referência de suas histórias, origens, de certa forma de seu povo. Não tivemos crescimento, mas predação, inegável que com a silenciosa autorização de todos, sem exceção. Cidade brasileira hoje é como um shopping center: viu uma, viu todas. Varia um pouco aqui, varia um pouco ali, mas no fundo é tudo igual. 

Passei muito tempo tentando escrever este texto sobre a cidade brasileira os efeitos da pandemia sobre ela e confesso que não consegui terminar, tanto por me achar incompetente quanto por ser o tema longo, cheio de detalhes. Pelo menos pensei. Tive que descer para o sul, Santa Catarina, para criar coragem de continuar e não sei se as coisas acalmaram ou ficaram muito mais confusas. 

Fui para Joinville e de lá para Barra Velha pegar umas bicicletas do acervo de Valter Busto, ex MUBI. Dali leva-las para o novíssimo Centro Cultural Movimento, museu de motos e bicicletas que será inaugurado em Socorro, SP, dia 12 de agosto próximo. 
Assustadora a transformação que Joinville vem sofrendo sem parar. Cidade rica, até um pouco mais de 20 anos era formada principalmente por casinhas típicas da região, a maioria com bons terrenos. Mudou de geração, que deram costas para as tradições e história daquele povo e sua cidade, e a transformação foi e segue sendo impiedosa, indiscriminada, brutal. Shopping center na cabeça! Como aqui em São Paulo, e provavelmente em todas cidades deste país, a especulação imobiliária está desenfreada. Fiquei hospedado num bairro de classe média alta e vi muito edifício novo construído onde não faz nenhum sentido. Esculhambação, baderna.
Lá por 2005 fui convidado a dar uma entrevista numa rádio joinvillense de grande audiência. Fiz um longo e carinhoso elogio para Joinville e alertei sobre as consequências de perderem o maravilhoso patrimônio histórico e a alma da cidade que tinham. A entrevista sequer havia terminado quando entrou um funcionário da rádio avisando que o telefone não parava com ameaças. Tive que esperar um tempo para poder sair da rádio. O mais triste de contar isto agora é que nesta estadia em Joinville ouvi de vários cidadãos que a cidade está deformada, que perderam muito e seguem perdendo para os empreendimentos imobiliários. 

Esculhambação bem Brasil. Shopping center na cabeça!

É só patrimônio histórico? Saudosismo? Definitivamente não. O que tem que ver com a pandemia. Tudo. É difícil resolver problemas sem ter referências, portanto memória, e patrimônio histórico é referência em estado bruto. Especulação imobiliária selvagem foi responsável por crimes ambientais que hoje são vistos com horror. Pois bem, silenciosamente permitiram, todos, sem exceção.
Saúde pública só existe com auto respeito. Sem isto é individualismo puro. E especulações.  
Hoje na rádio ouvi notícia que urge recuperar as nascentes urbanas, o que implica em dar jeito nas invasões de áreas de manancial, patrimônio público perdido. Hoje temos menos água nos reservatórios do que tínhamos na última crise hídrica. O que uma coisa tem a ver com a outra, crise hídrica com pandemia? Tudo! Questão de cultura, educação, civilidade, auto respeito.

Cidade shopping center cloroquina? Ou vida?

E aí vem o que comecei escrevendo lá atrás sob o título "A cidade brasileira e a pandemia". 
  • Precisamos imediatamente corrigir as condições sanitárias das populações pobres e miseráveis. 
  • o problema da água já era grave e tende a ficar pior se não forem tomadas medidas imediatas, inclusive a de retomar nascentes e cursos de água, zerar o despejo de esgoto neles
  • descentralizar a geração econômica; precisamos sair do discurso para torna-lo realidade o mais rápido possível
  • plano diretor é necessário, mas se temos plano diretor e a cidade segue crescendo caoticamente o que está errado?
  • não seria interessante fazer os futuros planos diretores ouvindo especialistas em saúde pública? Se isto já vem sendo feito onde está a informação? 
Esquina da padaria / Doceria São José, uma das mais simbólicas de Joinville. Seu patrimônio histórico ou foi 'mudernizado' (glorioso estilo shopping center) ou virou estacionamento. "Foda-se o passado!"



Padronização como saída social e ambiental

- Não é padronizado. Tem de 1/2, 3/4, 1 polegada, 1.1/2. Precisa tirar e trazer aqui para a gente ver.
- Continua assim, não é padronizado?
- Não é. Não tem nada padronizado. Sem ver não dá para saber o que é; diz rapidamente o vendedor encerrando o assunto.
A conversa foi numa loja de material de construção sobre um registro de coluna de água que estava vazando num apartamento. Aponta para um importante absurdo que passadas décadas ainda temos neste país. Falta de padronização ou padronização precária é um dos principais entraves para a economia do Brasil estabilizar-se e diminuir nosso abismo social.
Melhoramos sem dúvida, mas temos muito a corrigir.

Um dos passos mais importantes na história moderna foi quando os fabricantes de biciclos (roda grande na frente) voltaram-se para a fabricação de bicicletas de segurança, iguais às que temos hoje, duas rodas com diâmetro e largura de pneus iguais e praticamente padronizados por todos fabricantes. Com isto padronizou se medidas e processo de fabricação, o que reduziu e muito custos e preço final, ampliando e muito o mercado. A partir daquele fim de século XIX houve uma revolução de consumo geral o que facilitou uma barbaridade a vida inclusive das camadas mais pobres.

Com a globalização os padrões ficaram mais justos, precisos, e quem não se ajustou está fora ou fadado a ficar fora dos benefícios que a padronização traz. Simples, China está entrando na indústria de quarta geração; traduzindo: com o mais alto grau de precisão. Precisão só existe por causa da padronização (um pouquinho mais complicado que isto, só um pouquinho...).

É impensável, inaceitável para uma economia de um país sério, ver um diretor de produção de uma grande fábrica no balcão de uma loja de parafusos comprando parafusos e porcas fora do padrão de projeto, algo que vivenciei no começo dos anos 90 numa grande loja que existia numa travessa da rua Clodomiro Amazonas, Itaim Bibi. Ele levou todo estoque disponível sem olhar para o lado, para mim, e sem a mínima preocupação com resultados para os consumidores. Por ironia do destino eu sabia quem era a figura, onde trabalhava e onde seriam montados aqueles parafusos fora de medida. Deveriam ser milímetro 'fino' e o diretor estava levando polegada 'grossa'. Acompanhei e sei que os parafusos improvisados deram problema: soltavam com vibração. Que se dane o comprador. Hoje é mais difícil ver uma situação destas, mas quem é detalhista ainda encontra umas estranhezas por aí. Estamos longe, bem longe do século XIX. Especialistas dão conta que nosso setor industrial tem graves problemas.

Unificar processos produtivos tendo como referência conhecimento, tentativa e erro, portanto ciência, é crucial não só para os humanos, mas principalmente para o planeta. Variações de pesos e medidas, para resumir, geram desperdício e e lixo. Desperdício é o que o planeta não aguenta mais. 
Estou usando o exemplo mais simples, que é o da indústria, mas a padronização deve ser regra em tudo. E antes que pensem besteira, falo aqui de padronização em processos produtivos de larga escala.

Mas... nada é tão simples. Afinal, porque estou escrevendo este texto? Simples: fui comprar o registro novo porque todos encanadores chamados afirmaram de pés juntos que só trocando. Até que seu Antônio olhou e disse que "não precisa não" e resolveu o vazamento ajustando o registro. 
Nos falta qualidade na mão de obra, o que só ajuda o não ter uma padronização de qualidade. Educação, treinamento. Pelo outro lado a falta de padronização gera baixa qualidade de trabalho. O ciclo vicioso é bem mais complexo e muito mais deprimente.

terça-feira, 6 de julho de 2021

O Brasil despreparado para com o idoso, e não só com ele

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Mesmo tendo uma boa parte de sua população idosa (mais de 21%) e outra prestes a entrar nesta faixa etária, o Brasil não está minimamente preparado para lidar com esta realidade. Eu, já considerado idoso, 66, tive hoje que ajudar meu pai de 88 anos que não conseguia marcar seus exames médicos num dos mais conceituados laboratórios do país (A+). Ele tem a audição reduzida e simplesmente não conseguiu acompanhar a rapidez das perguntas das atendentes. Achei que seria mais fácil para ele pelo aplicativo, mas aí quem teve dificuldades fui eu porque a paginação do aplicativo está formatada para celulares de tela grande, o que faz com que o teclado dos celulares mais antigos ou simples oculte o menu impossibilitando o preenchimento dos dados. Meu pai estava deprimido achando que era sua a incapacidade, o que não condiz com a realidade. Homem de mente clara e vivaz, que resolve bem todas suas pendências, é vítima de um erro crasso de uma sociedade que mais do que não saber olhar sua realidade a encara com desinteresse. Pessoas com necessidades especiais, quase 20% da população, e os idosos, que são mais que a população infantil, parecem, quando não são, um estorvo. A ladainha que temos no trato digno dos idosos só se faz em imagens para vender remédios ou fazer as propagandas dos mais diversos produtos. Mesmo boas empresas especializadas pecam e muito nos conceitos básicos. Faltam até treinar seus atendentes para atender um idoso no seu tempo. O mínimo que se espera de uma sociedade é o respeito as capacidades cognitivas dos seus cidadãos, e neste sentido o problema que temos extrapola e muito a questão dos idosos ou pessoas com necessidades especiais. Pior, o que peço aqui é melhora para um serviço que provavelmente atende a menos de 18% da população, se tanto. O resto, ora o resto...

domingo, 4 de julho de 2021

Bolsonaro. Inominável

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

O comentário do "Excelentíssimo Senhor Presidente da República do Brasil" (que vergonha! para dizer o mínimo) sobre a fala de Eduardo Leite e sua orientação sexual é mais uma vez, como sempre, de um profundo desrespeito a uma pessoa, a um cidadão, a um ser humano, ao povo, à vida real como ela é. Não digo que seja desrespeituoso ao Brasil porque muitos brasileiros, muitos, acham cabível, normal e apropriado, o que deixa claríssimo a que ponto chegamos. Mais um comentário proferido por uma língua abjeta, que pela mais puritana bondade de vários é comparada a conversa de botequim, passou a muito de qualquer limite aceitável, até para um balcão ensebado com alguns pasteis de vento, coxinhas engorduradas, pamonhas e marias moles na vitrine. A diferença que temos é que mesmo no mais infecto boteco pessoas sem limite, desagradáveis, descontroladas, irracionais, uma hora são colocadas para fora, expulsas, evitadas, esquecidas. Tornam-se inomináveis. Bolsonaro faz por merecer a alcunha. Chama-lo de inominável é ofender a palavra inominável.