A Disney demitiu todos funcionários de seu parque de Orlando. O que importa? É uma empresa como qualquer outra! Definitivamente não. O grupo Disney é símbolo muito forte de um desejo coletivo e não deve ser traduzido simploriamente como um produto do american way, mas como uma fábrica de fantasias de esperanças que resumem de uma maneira infantil, mas nada inocente, o desejo coletivo de boa parte da população mundial que buscam que suas próprias estórias, ou histórias, como queira, sempre cheguem a um final feliz.
Recebi a notícia como uma
bomba porque imaginei que os parques da Disney seriam área intocável por sua
simbologia. Em qualquer situação de guerra é necessário manter o moral da
tropa.
E minha cabeça ficou dando
voltas com esta história.
Meu vizinho ponderou que os
funcionários dos parques trabalhavam em regime praticamente escravo, num
trabalho muito duro, disciplinado, onde não se admitem falhas. Disney é
americana e Orlando está nos Estados Unidos. A ideia do que é trabalho é muito
diferente da que temos aqui no Brasil. Estados Unidos tem um sentido coletividade,
de união, expresso na forma de trabalhar, aliás linha motriz dos filmes da
Disney. Unidos venceremos. As leis trabalhistas são outras e lá ou aceita as
condições de trabalho ou não tem trabalho, ou trabalha direito ou é
demitido, ou cumpre corretamente o que foi acordado ou está fora e ponto final.
As leis funcionam para todos e empresas e empregados têm que respeita-las,
ponto final. Aliás, o trabalho duro e pesado de lá não é muito diferente de
trabalhar num restaurante ou padaria aqui no Brasil, por exemplo. Com uma
diferença: lá existe uma expressão, “deixar cair o lápis”, ou seja, o sujeito
trabalha de 7 às 17 horas, por exemplo, e as 17:00 h em ponto larga o lápis /
caneta / ferramenta e vai para casa ver a família, bem diferente daqui e nossas
horas extras pagas ou não.
Meu tio Zico teve a raríssima
oportunidade de fazer uma visita aos "porões", o "sub
mundo" da Disney de Orlando e ficou maravilhado com o que viu. Taí uma
visita que adoraria fazer e ouvi Zico contando sua visita com muita inveja. Não
me lembro dele ter falado em escravos ou escravagismo, mas lembro da discrição
do profissionalismo e da entrega de todos ao trabalho, o que faz toda
diferença; e como faz.
Estive no parque Disney de
Orlando e fiquei impressionadíssimo com a organização. Tudo funciona com uma
perfeição invejável. A logística de fechamento do parque é uma aula magna sobre
mobilidade. Fica se lá o dia todo e não se vê um funcionário com cara de
sofrimento, infeliz, muito menos com cara de escravo. Eu sei, eu sei, coisa de
contrato de trabalho; todos têm que sorrir ou minimamente ser simpáticos,
eficientes. Não é assim na imensa maioria dos negócios de todo o mundo?
O colapso da Disney, mesmo que
temporário, quebra um espelho de magias por que escancara que atrás de toda
esperança pré coronavírus Covid 19 havia algum problema, para dizer o mínimo. Não
poderia ser diferente, mas no caso da Disney a longa e cuidadosa construção da
imagem trouxe distorções da realidade. Demitir funcionários tão específicos e
treinados não deve ter sido uma decisão fácil nem agradável. Acontecer aqui no
Brasil a demissão de toda uma orquestra sinfônica é duro de aceitar, mas
demitir na Disney? Nossa! Onde chegamos.
Qualquer sonho se constrói com trabalho. Quanto mais trabalho, mais resultado.
É milenar, o Budismo diz que não há liberdade sem disciplina. Quanto maior o
bem social, maior é o trabalho por trás do resultado. Prazer e trabalho sempre
estiveram intimamente ligados. O sonho vendido pela Disney é resultado de
trabalho duro, muito duro, mais, é para quem ama o que faz, mas ama para valer.
O coronavírus Covid 19 e a parada do planeta está tirando debaixo do tapete um
monte de situações. Depois dele como iremos conseguimos manter a separação
abissal que existia entre o prazer e o trabalho? É, não faz muito uma coisa era
uma coisa, outra coisa era outra coisa. Hoje até temos a cada dia mais e mais
gente trabalhando no que gosta, mesmo assim é uma minoria. A maioria trabalha
para poder comprar algo ou encher a cara com os amigos no churrasquinho. Fato é
que na história do Brasil prazer era prazer, trabalho era trabalho, e quem
confundisse as coisas, principalmente neste Brasil, que fosse se tratar. Terá
mudado?
O sonho não acabou, nem pode acabar. A reconstrução dos sonhos vai demandar
trabalho e será isto que dará valor ao sonho coletivo, e o meu é que seja
coletivo, equidade. O que se tem que tirar desta pandemia é que sonhos não são
ilusões, muito menos delírios.
A Disney vai voltar com todos seus simbolismos. Não só ela, mas todos os
construtores de boas sensações, mesmo que momentâneas. A humanidade só
continuará seu caminho, talvez para melhor se em cada criança for plantado um
sonho, mas que sejam sonhos bons, realistas, factíveis e respeitosos com este planeta.
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