sexta-feira, 29 de novembro de 2019

As melhores cidades para motoristas, e o efeito para ciclistas


As melhores cidades para motoristas? O que isto tem a ver com o ciclista? Tudo, absolutamente tudo. Dependendo dos critérios colocados na pesquisa quando melhor as condições para o motorista melhor é a cidade não só para os motoristas, mas para absolutamente todos, sem exceção.
O correto é ter uma cidade melhor e não melhor para este ou aquele. Não há outra forma porque a cidade engloba tudo e todos. É lógico que a sardinha pode ser puxada para cá ou para lá, mas com equação puxa-puxa nunca se chega ao melhor. Um semáforo que demora muito para abrir para pedestres (mais de 45 segundos) induz o pedestre a cruzar com o sinal vermelho, e aí o tempo maior para motoristas pode causar atropelamentos e consequentes congestionamentos, e congestionamentos são péssimos para não só para motoristas, mas para todos. Portanto apostar ou apoiar só na fluidez dos motorizados, por exemplo, acaba sendo um tiro no pé.

Foi publicada a pesquisa sobre as 100 melhores cidades do mundo para os motoristas e duas cidades brasileiras aparecem lá no fundão, Rio de Janeiro em 92ª e São Paulo em 94ª. Pensando raso como ciclista isto pode ser bom por um lado para a bicicleta e outras mobilidades ativas porque com o motorista encalacrado no congestionamento ele vai sofrer e vai ficar com vontade de largar o carro no meio da rua e sair correndo. Pior ainda quando vê um ciclista leve e solto passar e ir embora. Pelo sim ou pelo não acaba sendo um estímulo para experimentar outros transportes, qualquer um, ônibus, táxi, Uber, bicicleta, patinete, caminhar. Mas por outro lado, se a vida do motorista for ruim a vida do ciclista também não poderá ser?

A questão é que não se sabe bem como levar a vida sem o automóvel. São tantas as perguntas sem resposta que a cidade utópica dos ciclistas, a cidade sem carro, está longe de nossa realidade imediata. Ok, tem pequenas cidades na Holanda e em várias partes do planeta que conseguiram o feito, pelo menos em seus centros, porque nas bordas os carros existem, estão lá, e são necessários. E são pequenas, o que faz toda diferença.
Carros são e serão necessários por um bom tempo ou para sempre só o futuro dirá. Quem sabe desapareça num futuro muito distante, mas pelo quanto está aí – ponto final. Eu aposto que o carro nunca deixará de existir e ser usado porque é imprescindível. De imediato precisamos reorganizar seu uso até através de restrições, já que o carro deixou de ser ferramenta de transporte racional e virou vício epidêmico.
Se o carro não vai desaparecer, pelo menos tão cedo, porque não ter cidades que sejam melhores para seus motoristas? "Isto vai vender mais carros, vamos ter mais motoristas, e cidades piores para quem não é motorista". Para quem pensa assim seria bom ver o índice de automóveis por habitante na Holanda, por exemplo. Cidades melhores para motoristas não tem nada a ver com a cidade que vivemos hoje. Não é uma cidade com mais fluidez, mais velocidade, mais estacionamento, mais avenidas, viadutos, custos menores para o proprietário do automóvel e facilidades para os motoristas. Esta solução está provada que só piora a vida do motorista.
Quer ver uma criança infeliz? Dê a ela tudo que ela quer, da forma que ela quer, no momento que ela quer. Você terá uma criança mimada, um adolescente mimado, um adulto mimado, e infeliz. Diz o budismo que não existe liberdade sem disciplina, o que se pode traduzir em felicidade sem restrições, sem limites, sem contratempos. 
A cidade melhor tem regras, restrições, limites, para todos, incluindo motoristas, e porque não dizer ciclistas.

Errata: infelizmente foi publicado e ficou no ar uns dias um croqui de texto não revisado. Peço desculpas pelo erro. 

A matéria em português e a tabela nos links abaixo. 
https://www.panrotas.com.br/mercado/pesquisas-e-estatisticas/2019/11/estudo-revela-as-100-melhores-e-piores-cidades-para-dirigir_169164.html

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Sem Ciclo Faixa de Domingo

Museu Casa Sertanista, Caxingui
Faz tempo que São Paulo está sem Ciclo Faixa de Domingo. Não faço ideia do que está achando a população, mas deve ter muita gente sentindo falta. Volta ou não, eis a questão. Acho que a Ciclo Faixa de Domingo cumpriu sua missão com louvor e é hora de dar um passo a frente. São Paulo é muito mais mágica e interessante que a imensa maioria da população consegue imaginar. Há muito por descobrir. Ficar pedalando sempre nos mesmos trajetos não ajuda em nada a cidade. São Paulo é talvez a cidade com maior diversidade de arquitetura no mundo. Por outro lado, o número de usuários vinha diminuindo a olhos vistos. A pergunta decisória do volta ou não volta pode ser o que diminuiu, o número de ciclistas na Ciclo Faixa de Domingo ou o número de ciclistas pedalando aos domingos e feriados, o que sinceramente duvido.
Para estabelecer uma política pública é necessário ter dados, saber o que está acontecendo, e buscar caminhos que levem o coletivo ao bem comum. Esporte e lazer são importantíssimos não só para a saúde pública, mas para a estabilidade social. É muito provável que o Bradesco, patrocinador da Ciclo Faixa de Domingo tenha estes dados. Se os tem é um direito mante-los fechados, mesmo sendo de interesse público. Duvido que a Prefeitura tenha dados precisos porque a coisa pública não tem a tradição desta coleta de dados e nestes últimos anos provavelmente não deve ter tido dinheiro para fazer as contagens. As administrações públicas mal tem dinheiro para o que prioritário. Lazer é prioritário, bicicleta tem que ser política pública, mas isto não implica em que a cidade tenha que ter um gasto alto com o lazer para ciclistas. Usando a inteligência há outras alternativas a meu ver muito mais interessantes.  
Os primeiros números que vi a respeito eram do que acontecia dentro do Parque Ibirapuera antes da instalação da ciclo faixa separando ciclistas de pedestres e a situação era bastante feia, com um monte de acidentes, principalmente envolvendo crianças. Quando a Caloi mudou de mãos, Musa, o novo proprietário, fez uma pesquisa e deu um milhão pedalando em fins de semana com dias ensolarados. Um pouco depois a SVMA fez outra pesquisa e contaram 700 mil ciclistas por domingo nas ruas. A metodologia das duas contagens / pesquisas era a mesma. Tentei encontrar algum dado na Internet sobre a Ciclo Faixa de Domingo e não consegui encontrar, mas isto não quer dizer muito porque em algum lugar deve haver.

Num domingo destes fui guia de um pequeno passeio onde uma das ciclistas, também guia de passeios, adorou os caminhos alternativos que fiz, pedalando o máximo possível por dentro dos bairros e longe das avenidas. Levei o grupo para o Morumbi tendo algumas ciclistas pouco preparadas num circuito praticamente sem subida e pedal em avenidas. Comemorei 30 anos como guia de passeios de bicicleta, tenho experiência o suficiente para dizer que o interior dos bairros de São Paulo é sempre uma boa surpresa. Nenhum dos que estavam no passeio sabiam da existência do Museu Casa Sertanista, muito menos das outras casas coloniais de taipa. A maioria nunca tinham pedalado no interno do bairro de classe média Caxingui e suas praças, nem nas ruas do rico Morumbi; Estádio do São Paulo, Colégio Porto Seguro, Colégio Pio XI, até Ponte Morumbi por onde atravessamos pela calçada. Como não é o caminho do automóvel, não é o caminho mais comum, precisa saber por onde vai, ou ir errando e acertando, o que é bem divertido e instrutivo. São Paulo é um mar de belas e vivas ilhas cercadas por vias expressas, avenidas e ruas de movimento pesado. Sabendo usar a topografia é possível evitar as piores subidas.


O pior momento da bicicleta em São Paulo? Por que? Esta é a questão. Dar um passo atrás não me preocupa. Persistir em alguns erros sim. Mesmo que não sejam erros, repensar, buscar novas alternativas, aceitar uma mudança faz bem. Buenos Aires repensou, deu um passo atrás, e entrou num caminho muito melhor; e este é só um exemplo.


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A importância dos 400 km para o número de bicicletas nas ruas

No almoço saiu de novo a conversa sobre a importância de Haddad e seu pessoal ter implantado os 400 km de vias para ciclistas. “Sem isto não teríamos tantos ciclistas nas ruas” disse a interlocutora. Concordo em parte.

Ciclovias e ciclofaixas fazem crescer o número de ciclistas circulando uns 30% em média, diz todo e qualquer manual ou documento sério editado nas principais línguas e em seus países respectivos sobre sistemas cicloviários. Um pequeno detalhe: aumenta na ciclovia, ciclofaixa e entorno onde foram implantadas.

Já escrevi várias vezes que tínhamos em 2005 na cidade de São Paulo uma demanda reprimida de mais de 500 ciclistas, que era a diferença do número de ciclistas em fins de semana, 700 mil (SVMA SP), e os que já circulavam na cidade em dias de trabalho, um pouco mais de 65 mil oficiais (Pesquisa O. D. Metro) ou pelo menos 150 mil segundo o setor da bicicleta. Quantos destes iriam pedalar nas ruas para trabalho ou estudo só especulávamos. De qualquer forma entre 2005 e 2012, nos anos Serra - Kassab, mesmo com falhas de contagem, era claro que o número de ciclistas nos dias de semana vinha crescendo rapidamente, isto por diversas razões. A primeira delas era o trânsito que andava muito devagar e entrava em colapso com frequência também por diversas razões, mas principalmente por conta do absurdo aumento do número de veículos circulando em razão dos incentivos dados pelo Governo Federal para a compra de veículos. E aí, como sempre repetia Renata Falzoni na Rádio Eldorado, "Carro parado não mata", um ótimo slogan para estimular novos ciclistas.

Ainda em 2005, numa reunião do Projeto GEF Banco Mundial para bicicletas, Meli Malatesta apareceu com um mapa da CET SP de contagem aleatória de veículos onde aparecia bicicleta. Constrangida porque achava que os números apresentados de ciclistas circulando eram muito baixos abriu o mapa numa mesa e eu quase cai de costas com o que vi. Os números foram coletados nos horários de pico do trânsito motorizado, de 8:00 h às 10:00 h, e de 18:00 h às 20:00 h, e em pontos tão aleatórios como Al. Gabriel Monteiro da Silva esquina com rua Maria Carolina, onde era bem pouco provável encontrar ciclistas, mesmo assim estavam lá. Foi aquele mapa que deixou claro que já estava acontecendo um fenômeno desconhecido em São Paulo: os ciclistas dos bairros mais ricos estavam saindo para as ruas mesmo sem qualquer estímulo das autoridades, fosse campanha educativa, sinalização específica ou vias segregadas. 

Sempre foi usada a contagem realizada pelo Metro, a Pesquisa Origem Destino (O. D.), muito precisa, mas que é direcionada para ver qual a possível demanda de usuários do Metro. Há um filtro aí, o que dá diferença para menos no número de ciclistas circulando, mas para uso oficial era o que valia. 

Quando Haddad começou a implantar os 400 km havia uma pressão muito forte dos ciclistas, uma barulheira danada, o que não só chama atenção para o tema - bicicletas - como gera notícias. Gerando notícias mais e mais dados e informações começam a vir à tona. Os ciclistas que estavam espalhados pela cidade começaram a ser vistos, mais, a ser contados, não só por conta das notícias, mas também porque eram mais frequentes. E a administração Haddad começou a implantar freneticamente ciclovias e ciclofaixas, o que gerou mais notícia ainda, o que aumentou mais ainda o foco de atenção nos ciclistas e bicicletas. Num determinado momento propaganda boa tinha que ter um ciclista ou uma bicicleta. Por outro lado, a Ciclo Faixa de Domingo lotava, muitos motoristas e pais de família saindo para participar da festa, o que fez com que estes quando dirigindo seus automóveis ficassem mais atentos a qualquer ciclista. As críticas a implantação “sem critério” das ciclofaixas só aumentaram a visibilidade dos ciclistas; o que leva aquela matemática rasa: eu vi mais, portanto tem mais. Quando uma ciclovia é implantada os ciclistas vão para ela, concentrando-se num único local, o que os torna mais visíveis ainda. É lógico que com estímulos a sensação de aumento do número de ciclistas nas ruas se fortalece, a imprensa tem matéria e noticia, o diz que diz na população cresce... Em suma, a cidade entrou num ciclo vicioso do bem, por assim dizer. Aconteceu aqui como em todas as partes do planeta.

O fato é que a bicicleta sempre esteve por aí, mesmo antes dos 400 km de Haddad. A diferença é que a bicicleta aparecia em extensas áreas não periféricas de São Paulo, e esta era a grande novidade. Na periferia a bicicleta sempre esteve presente, muito antes de Haddad. Aí é estranho que as esquerdas nunca tenham falado uma palavra sobre estes ciclistas, a maioria trabalhadores.

Saudoso Sérgio Luiz Bianco
numa vistoria em Grajaú
para o GEF Banco Mundial
Faço minhas críticas sobre a forma como foram implantados e ao resultado dos 400 e tantos km. A verdade é que antes de Haddad e seu pessoal já estava rolando muita coisa e tinha muito ciclista nas ruas, muito mesmo, mas eram invisíveis. Martha assinou o Projeto GEF Banco Mundial (2005 - 2006), que só foi para frente com Serra, e aí a administração pública descobre e entende a importância da bicicleta, colocando-a em pauta de maneira correta, mas pouco conseguiram implantar, o que fizeram foi na pancadaria interna. Kassab, melhor dizendo, Walter Feldman implantou a Ciclo Faixa de Domingo; e na administração Kassab não aconteceu praticamente mais nada. Não resta dúvida que a administração Haddad colocaram definitivamente a bicicleta na ordem do dia, com erros e acertos; alguns erros graves que até hoje não foram investigados ou corrigidos. Foi e está sendo importante para o futuro de São Paulo.

O que falta é uma política de estado para as mobilidades, ou seja, ter continuidade. Personalizar, politizar, ou pior, ideologizar só arrebenta este país.

Desculpe se não cito o projeto "Pró-Ciclista" dos anos Maluf e Pitta, que foi muito atuou forte, mas praticamente não fez diferença. Gunter Bantel, seu diretor, teve importância sim na redação do novo CTB, onde incluiu várias leis relativas às bicicletas e ciclistas. Mas praticamente não mudou o número de ciclistas circulando em São Paulo.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Fim do seguro obrigatório DPVAT

O trânsito brasileiro não foge da regra deste país: é uma perigosíssima baderna, baderna que mata. Os últimos Presidentes deste país, sem exceção, só fizeram piorar a situação. Neste atual governo os disparates vêm desde os primeiros dias e atos presidenciais quando Bolsonaro simplesmente disparou contra os radares móveis. Agora Bolsonaro dispara e abate o DPVAT, Seguro Pessoal Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres.

Esperei um pouco para ler as opiniões sobre o fim do seguro obrigatório DPVAT e só então escrever a respeito. Depois de ter lido no Metrópole do O Estado de São Paulo, pag. A7, 13 de Novembro de 2019, "Trânsito, Seguro extinto é acionado anualmente por 460 mil, em média, em 250 mil caso, acidentes envolve motos. Governo alega fraude, custo de regulação e serviço semelhante ao SUS, mas especialistas dizem que até os dados de acidentes serão prejudicados”. em subtítulo, tendo como título principal “Motociclistas respondem pela maior parte das indenizações do DPVAT”. Aí estão apresentados os números do DPVAT no período entre 2008 e 2019:
·        pagamentos por morte 510.295;
·        por invalidez permanente 3.275.815;
·        para despesas médicas 818.028. 
Mesmo para quem acompanha segurança no trânsito estes números são impressionantes. Na mesma página o artigo "Um erro monumental que deixará milhares sem proteção" do Antônio Penteado Mendonça. Concordo em grau, gênero e número com ele que é uma sacanagem com a população de baixa renda.
O que assusta é que muitos jornalistas e matérias dão que a medida foi tomada para afetar um dos desafetos de Bolsonaro, o presidente do PSL Luciano Bivar, dono de uma das corretoras de seguro que trabalha com o DPVAT.

Quando propús leis para o CTB de 1998 eu incluía uma que dizia que pessoas responsáveis por acidentes por bebedeira, excesso de velocidade ou fazendo uma barbaridade injustificável, perderia seus direitos frente ao SUS. É óbvio que não foi para frente. A intensão seria deixar claro o famoso e funcional "errou, pagou", tão necessário para evitar acidentes e mortes no trânsito. Conduzir é um direito concedido pela sociedade e seus representantes do poder público através de leis e não um direito assim sem mais nem menos. Continuo com a mesma posição até porque ninguém aguenta mais tantas mortes e inválidos. Não queremos um Brasil melhor? Sem responsabilidade não teremos. Quanto custa a nossa brincadeira está nos números acima.
E justifico: Nunca soube de alguém que tenha pago pelos estragos causados, não interessa que tenha sido um gramado, uma árvore, um poste, uma casa, ou até parar metade de uma cidade por alguns meses porque não viu a placa de altura da ponte. Se tiver que pagar multa nunca corresponde ao valor real do estrago causado. No país das leis que colam ou não colam, o sujeito faz uma barbaridade, causa um acidente, prejudica um monte de gente ou meio mundo e ainda é tratado como vítima. Como assim? Não faz muito tempo foi divulgado que em São Paulo eram realizadas uma média de 70 atendimentos de emergência no trânsito por dia. Sim, 70 por dia; parando por exemplo... uma Marginal Tiete em horário de pico. Todos nós, todos sem exceção, pagamos a conta, que a bem da verdade pesa mais no bolso da população carente. 

O mesmo Antônio Penteado Mendonça, que fala sobre seguros toda manha na Rádio Eldorado sempre diz que o seguro não pode ser pago quando o segurado infringiu a lei ou as regras do contrato. Absolutamente correto. Não conheço o que diz o DPVAT, mas deveria ser igual. DPVAT deveria beneficiar única e exclusivamente quem é vítima. Daí a acabar com o DPVAT vai um longo caminho de discernimento

domingo, 10 de novembro de 2019

As empresas e a responsabilidade social


A ideia deste texto veio depois que li dia 31 de Outubro de 2019 no Espaço aberto do O Estado de São Paulo o texto "Responsabilidade social das empresas" de autoria do Roberto Teixeira da Costa.
Escrevo este texto sobre responsabilidade social das empresas, esperando não cometer deslizes. A bicicleta deveria estar completamente inserida neste contexto de responsabilidade tanto social quanto empresarial.

O início da história da revolução industrial, do início de 1700 até quase 1900, mostra, em linhas muito simplistas, dois lados: por um lado trabalhadores quase escravizados e fábricas poluindo sem limites; por outro acabou dando a possibilidade de que cada dia mais e mais pessoas tivessem acesso a produtos e benefícios que melhoraram e muito a qualidade de vida. Dizia-se que os benefícios gerais justificam os custos, o que fazia algum sentindo até mesmo porque então não se levava em consideração uma série de fatores que entraram no cálculo do custo/benefício recentemente. 
A bicicleta teve um papel importantíssimo na luta dos direitos individuais de trabalhadores na virada do século XIX para o XX, quando trabalhar, principalmente numa indústria, era estar sujeito a um sistema que se pode considerar escravagista remunerado, num ambiente desagradável, hostil, com turnos longuíssimos, de domingo a domingo, com altos índices de acidente de trabalho, salários de fome e sem qualquer garantia individual. Começava ali uma longa luta pelo que hoje se chama responsabilidade social. 
A poluição no meio ambiente, ou seja, no ambiente externo às indústrias, passou a ser levada a sério quando Londres teve uma inversão térmica e a poluição, não só das indústrias, acabou matando 12 mil e deixando doentes mais de 100 mil, fenômeno que ficou conhecido como Big Smoke. Não foi a primeira vez que o problema ocorreu, mas foi o basta. 
Nestas últimas décadas a responsabilidade das empresas tem se ampliado, evoluindo da responsabilidade com seus funcionários para a responsabilidade ambiental e por consequência para a responsabilidade com toda a sociedade, país e planeta. Os custos dos mais diversos problemas gerados pela falta de cuidado ou mesmo atenção com o social chegaram a um ponto que não permitia outra alternativa que não fosse mergulhar no que se chama qualidade total (e aqui uso o termo de maneira livre).
Um dos empecilhos para reverter processos danosos é a falta de consciência da própria população que quer produtos baratos, não importando as consequências do custo não aparente. "O que não vejo não é comigo..." Um produto com custo irreal, como exemplo os 1,99, só é possível pulando etapas de qualidade ou sonegando impostos. A maioria destes produtos acabam sendo descartados rapidamente, o que gera um custo ambiental imenso. Ótimo exemplo são os guarda-chuvas baratinhos que no primeiro vento terminar no lixo ou entupindo bueiros. 
O conceito responsabilidade social incorretamente compreendido traz deformações para todo o sistema (de um setor econômico e social), impactando inclusive nas tomadas de posição das empresas. Concorrência desleal torna impossível sobreviver jogando limpo. Contam que a fabricante inglesa de bicicletas Phillips, de alta qualidade, que rodavam décadas sem dar problemas, acabou morrendo porque se recusou a fabricar bicicletas frágeis num momento que o importava era o preço.
A matemática correta da responsabilidade social só chega quando a população sabe o que esta realmente significa e sabe o que é correto para seu futuro. Quando isto acontece a empresa que não for responsável, ou melhor, que não cumprir seus deveres vai perder mercado, podendo até desaparecer. 
Empresas só conseguem sobreviver jogando o jogo e ao ritmo do baile. Se o país é uma baderna, as leis confusas, se a sociedade não sabe o que quer, ou quer errado, se a sociedade não responde, se os que pressionam pela responsabilidade o fazem por outros interesses, se..., se..., se..., fica difícil ou até impossível chegar à responsabilidade social.

"Pense globalmente, aja localmente" começa a ser a lógica atual. Hoje diz respeito a pequenas ações individuais que podem, repito, podem levar a uma melhora global. Pesquisando descobri que o "Think globally, act locally" é de 1915, pensamento e posicionamento criado pelo biologista, sociólogo, filântropo e planejador urbano escocês Patric Geddes. 1915! "Ao socialismo se vai em bicicleta" é mais ou menos da mesma época.

Ter resultados globais não significa agir localmente varrendo para debaixo do tapete o que não interessa individualmente ou para um determinado coletivo. Também não significa o que leva a resultados imediatos e que por estar desajustado cria problemas futuros, o que aqui no Brasil é comum. De boa intenção o inferno está lotado.
Consegue-se resultados de fato quando há qualidade, quando todos os pontos convergem para o melhor resultado. Qualidade total, responsabilidade social.

A bicicleta teve seu pior momento no fim entre o final da década de 60 e começo dos anos 80, muito pela baixa qualidade oferecida. Ela só ressurge quando ganha qualidade e durabilidade.

Bicicleta diz muito sobre responsabilidade social.
Como está a qualidade da maioria das bicicletas, peças e acessórios fabricados e vendidos no Brasil, a maioria de preço popular? 
Qual é o custo real de uma bicicleta para a população de baixa renda (custo linear)? 
Qual é o índice de defeitos e falhas mecânicas das bicicletas populares vendidas no Brasil?
Qual é a responsabilidade social do setor da bicicleta?
Qual é a responsabilidade social neste processo dos atores civis pró bicicleta?

Mais bicicletas circulando, mais ciclistas nas ruas, melhor a responsabilidade social? 
Mais ciclovias melhor será a responsabilidade social?
Mais ciclovias, mais ciclistas, verdade?

Responsabilidade social envolve um número alto de fatores, uns óbvios, outros nem tanto, e mais outros bem complexos. Nada a ver com análise simplista.

Um Brasil de todos, uma Pátria amada, construída em ordem e com progresso

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Só se constrói um futuro justo, equilibrado, honesto, pacífico, com resultados perenes, quando sua população e seus governantes se comportam de maneira minimamente civilizada e equilibrada. O Brasil não pode permitir que as nossas esperanças sejam suplantadas pelas palavras e ações de gente que olhe os diferentes, discordantes, opositores ou até mesmo inimigos como canalhas. "Trate com dignidade até seus inimigos" diz a velha sabedoria. Ter mitos como referência em si já constitui caminho certo para o abismo; pior ainda quando estes não tem quaisquer limites e são aplaudidos por seguidores cegos e incendiários. Neste momento absurdamente conturbado que vivemos é dever da imensa maioria da população que quer viver em paz, ter justiça econômica e social, e de fato construir o Brasil do futuro que tanto falamos no passado, impor respeito ao que todos desejamos, inclusive os que de forma ignorante agridem-se: "Um Brasil de todos, uma Pátria amada, construída em ordem e com progresso".

sábado, 2 de novembro de 2019

Dentadura perdida

Quando estava entrando na avenida Vitor Manzini acelerei para ver se conseguia chegar no pelotão que acabava de entrar na Ponte do Socorro sentido Guarapiranga. No meio da ponte, já bem próximo ao pelotão, vejo a direita dois velhinhos acenando desesperados para mim e gritando "Para! para!". Parei. Os dois velhinhos apontavam para baixo e o mais velho pediu "Pega para mim aquela coisa" que apontava. Olhei e no cantinho vi o que demorei para entender que era uma dentadura, completa, todos dentes de cima. "Pega para mim" repetiu o velho. "Uma dentadura? Sim, é uma dentadura! Era só o que me faltava. Pego?" pensei em dúvida. E peguei, fazer o que? 
A pergunta que me vão fazer: estava babada? É! fazer o que? 

Felizmente estava com minha caramanhola.
Os velhinhos agradeceram? Sim, agradeceram. Saíram felizes e com cara de espantados que alguém tenha parado e pegado a dentadura perereca. 
A vida deveria ser assim.
Não, não tirei foto da dentadura. Nem selfie com os velhinhos.
E não se fala mais nisto. Assunto morto e desdentado.