terça-feira, 30 de agosto de 2022

Fazer certo, fazer errado

Como explicar para um adolescente como fazer certo? 

O Brasil dito por vários historiadores, pesquisadores e estudiosos é um adolescente, ainda está em processo de amadurecimento. Não me lembro os nomes, são muitos. Estou exausto de ouvir esta ladainha. O país só tem 500 anos alegam. Só temos uns 35 anos do pós ditadura, uma democracia jovem. País jovem sem dúvida, mas isto não justifica o errático atávico no qual estamos eternamente atolados. 
Como um cidadão normal (entenda o que quiser) meu maior desejo é achar um caminho para que nossos erros crassos possam ser corrigidos e que o Brasil vire um país de fato com futuro 'positivo' para todos, sem exceção. A meu ver, já que somos um país adolescente, se faz urgente buscar caminhos para ensinar o povo, incluído em especial a elite que também é povo, do que é fazer certo, como fazer certo, ou, como ensinar o fazer certo e evitar o fazer errado. Não é biscoito.

Certo ou errado levanta muita discussão entre adultos, escolados, maduros e sóbrios; imagine só a confusão para um adolescente que tem a cabeça fervendo a mil e quer experimentar tudo, seja certo ou errado. Refraseando em pergunta, ou: como explicar para um adolescente que tem coisas que podem e devem ser experimentadas e outras que ou você faz da maneira correta ou vai dar muito errado? Aprender com erro é crucial para uma boa formação, mas saber qual deve ser o limite da besteira que se faz é mais importante ainda. Não se brinca de ser atropelado, pelo menos eu definitivamente não recomendo. 

Uma situação ligada ao comportamento de um adolescente, uma destas besteiras atávicas ao comportamento e cultura brasileira, me fez perder o sono literalmente. Aqui falo de adolescente, de neto. Que novidade perder o sono. Só acontece comigo? Acho que não. E olha que não fui propriamente um anjinho e é justamente este meu passado que dá referencias que arrepiam os meus cabelos. Tem erros que não se cometem pela vida ou o preço vai ser impagável, ponto final.
Meus netos dão pouco trabalho. Perco mesmo o sono com frequência pensando neste Brasil adolescente (?) que vivemos.
 
Exemplificar o que é besteira para um adolescente pode ser fácil. (Ou não, depende.) 
Imaginei ir jantar num restaurante com o adolescente e antes de sentar colocar as cadeiras de ponta cabeça no chão e sentar no meio das pernas. Logo depois, com a cabeça e olhos na altura do prato, servir a bebida sem ver num copo virado ao contrário. Colocar o prato na vertical e servir a comida na toalha. Chamar o garçom escondido pela toalha debaixo da mesa. Talvez, leia-se talvez, o adolescente entenda o que é fazer errado. O perigo que vou correr é que a falta de discernimento geral é tão grande, tão sem noção, que talvez o adolescente ache engraçado e embarque na loucura. Nem sei se vai dar conta do que está acontecendo depois que ser expulso do restaurante. Vai ver que o guri vai repetir a besteira com os amigos para ganhar uns pontos sociais. 
Neste Brasil que vivemos parece que quanto maior a besteira mais sucesso faz. Não estou falando da área de cultura, mas das questões práticas, 2 + 2 = 4. 

Ainda sou da geração que tinha limites, até ladrão respeitava regras. Meneghetti, um dos ladrões mais famosos do passado, deu uma entrevista no fim da vida dizendo que ele era ladrão e agora (faz uns 25 anos ou mais) o pessoal era bandido. O que Meneghetti deixou claro é que até ladrão tem que ter limite, saber qual a linha que não pode cruzar, e que infelizmente a nova geração tinha perdido esta noção. 
   
A geração de nossos avós foi rígida, geração dos pais foi menos, minha geração menos ainda, bem mais solta, a geração seguinte parece ter relaxado mais ainda, e a gurizada que está ai dá uma bica em tudo, parece não entender quais as linhas que não são produtivas cruzar; aliás, diga-se de passagem, responsabilidade dos pais super protetores ou completamente desligados da educação e dos exemplos para os próprios filhos. Está bem, a coisa não exatamente assim, é muito mais complexa, mas creio acho que dá para entender. 
Ao que tudo indica caiu a ficha que liberou total não é uma boa política social. Infelizmente querem voltar a rigidez hipócrita de nossos avós. Voltando, falo aqui sobre questões práticas e não sobre moral.
Opa, bom exemplo: quem mandava nos gastos da família eram os pais e não as crianças como é hoje. Carinho de supermercado para crianças? "Eu quero!" dito de forma impositiva e aos urros no meio de um shopping simplesmente não acontecia, aliás como não acontece em país educados, civilizados, maduros, dentre eles algumas jovens democracias com os mesmos 500 anos que este Brasil tem. Uma questão de limites, simples assim.
 
Tem coisas que devem ser realizadas de uma certa maneira e ponto final. Outras permitem discussão, conversa. O que é líquido e certo é que briga não leva a absolutamente nada. Certo ou errado está no campo de discussão racional; briga no campo irracional, quando não da boçalidade. O que está acontecendo agora é uma briga por questões que possibilitam que mil versões para que virem uma pedra monolítica fundamental; estupidez do "ou está comigo ou está contra mim". Vira teoria do caos, semiologia da linguagem, sensibilidade às condições iniciais aplicada discutida por iletrados. Surrealismo aplicado ao anarquismo. Upa! Imagina adolescentes pouco letrados e imaturos ruminando esta baderna toda.

No meio deste caos de valores que vivemos como explicar para um adolescente princípios básicos que regeram a evolução e sobrevivência da raça humana e do planeta? Como explicar resultados?

Ouvi uma pensadora dizendo que vivemos provavelmente a fase mais fértil da história humana. Pensando bem também acredito. Ela completou dizendo que só se vai entender o tamanho da grandeza deste processo muito para frente, com o que também concordo. E terminou com um óbvio "se sobrevivermos". O que mais uma vez concordo. 
Sobreviveremos se fizermos pelo menos o que é inquestionavelmente certo e evitarmos o inevitavelmente errado. Importante saber o que é inquestionável e, sim, há o inevitavelmente errado. Não acredita quem gosta de bater a cabeça na parede.

Quem joga tudo desordenadamente sobre a balança nunca chegará ao ponto de equilíbrio. É necessário separar o que se quer pesar e colocar num prato para depois buscar o equilíbrio com o outro.
Parece que já não sabemos mais sequer o que é uma balança, o que dizer sobre seu funcionamento. E em nome de interesses pessoais tem muita gente insuflando que se jogue a balança no fogo. Coisa de adolescente? Não, de moleque muito mal-educado. É o que parece não nos faltar até entre os barbados.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

cancelado no blog e rede social?

Mais uma vez meu número de leitores diminuiu muito em pouquíssimo tempo. As outras vezes foram quando soltei um texto criticando a Copa. Sumiram metade dos meus leitores. Depois quando soltei texto falando mal das Olimpíadas, o que fez desaparecer mais outra metade dos leitores. Os dois textos foram publicados antes dos eventos, não me arrependo do que escrevi, muito pelo contrário.
Desta vez praticamente sumiram 3/4 dos meus leitores em poucos dias e diferente daquelas oportunidades, Copa e Olimpíadas que estavam muito politizadas, não consigo entender o porquê. Que seja, continuarei escrevendo.
Não escrevo para dar certo ou errado, mas por necessidade própria. Óbvio que ter muitos leitores faz bem ao ego, mas se esta fosse minha preocupação escreveria só para agradar ao público, o que não é meu caso.

Sempre tive grande dificuldade de entender como funcionam os relacionamentos sociais e por isto sempre fui um tanto arredio. Mesmo quando este blog estava indo muito bem simplesmente não conseguia fazer ideia do porquê tinha tantos leitores. Não entra na caixola, não consigo, por mais que eu leia e releia os textos. Adoro pensar e colocar no papel, experimentar formas de textos, criar, jogar as coisas para cima para ver no que dá. A base do que escrevo vem do que leio, ouço ou pesquiso.

Um dos temas que me chama atenção é a relação das crianças e jovens com as novas tecnologias e redes sociais. Não me lembro de ter escrito sobre o assunto, mas no geral procuro me informar para entender ou pelo menos ter uma luz no fim do longo e aparentemente interminável túnel. Para mim é assustador pais usarem celular como acalma leão, leia-se "fica quieto brincando no celular", nada mais que um cala a boca moleque ou não enche o saco. Acho deprimente ver amigos e jovens casais sentados frente a frente sem trocar uma palavra, sem se olhar, mas teclando sem parar.

São várias as matérias sobre o desastre que está sendo o relacionamento social impessoal que o celular gera para as crianças e adolescentes e são assustadoras as notícias das consequências em crianças que foram canceladas.
Perder leitores é algo que faz parte do jogo. Tenho 35 anos de minha primeira coluna na imprensa e aos 67 anos sei como lidar com esta perda, se é que é perda. Quando vi o gráfico de leitores estourou na minha cabeça o drama das crianças e jovens cancelados.
Tenho netos é óbvio que como qualquer criança ou adolescente eles têm e ficam muito no celular. Rede social faz parte da vida deles. Mas ser cancelado, será que é normal?

Acho que foi num Café Filosófico da TV Cultura que vi um pensador falando sobre a enorme diferença entre o que tirar sarro na minha época, antes dos anos 70, o que depois virou bulling e passou para a maluquice que é chamada de cancelar. Segundo este pensador ou educador, sarro e bulling acontecem num círculo restrito de amigos ou colegas, um pequeno grupo, mais fácil de ser controlado ou contornado pelos pais e mais velhos. Cancelar é o desaparecimento instantâneo de centenas de desconhecidos que até um segundo antes juravam amor num processo isolado, solitário.

Não tenho medo de dizer que cancelar é o novo linchamento, prática tão inerente a nossa cultura e tradição. Sim, não faz muito o Brasil era um dos campeões mundiais de linchamento. Deprimente. Pior, cancelar pelo que sei é mais cruel que o linchamento porque suas razões são ainda mais fúteis, mais sem qualquer sentido, mais absurdas. O cancelamento vem sem sequer você estar próximo do outro, ter a chance de gritar, protestar. Em um segundo existe, noutro simplesmente não, ou pior ainda, simplesmente nunca existiu porque a rede social digital pode não deixar sequer traço. Pluft, sumiu! como uma criança, adolescente ou jovem consegue lidar com isto? Pelo que dizem especialistas, incluindo psiquiatras, não consegue.

Das poucas coisas que tenho certeza é que se tivesse nascido nesta era de socialização digital com seus sucessos, fracassos ou cancelamentos instantâneos, sem esta carga de experiência de vida que tenho hoje, estaria completamente louco, mais do que já me acho. A perda de leitores me deixou mais uma vez muito assustado com o que está acontecendo com as novas gerações, muito assustado mesmo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

O ônibus parou na minha frente...

Um ponto de ônibus quase grudado ao lado de uma banca de jornal, uma calçada larga o suficiente para ter carros estacionados sobre a calçada sem atrapalhar os pedestres e ainda permitir mesas ao ar livre de dois restaurantes. Próximo ao meio-dia, pouca gente ainda caminhando para almoçar, dia calmo de sol frio, poucos automóveis circulando na rua, vez em quando passa um ônibus sem que percebam que parou no ponto. Nas mesas ao ar livre, exatamente na frente dos carros estacionados, já estão sentados os primeiros clientes, sete ao todo, distribuídos em três mesas de conversa em voz baixa. 
Mais um ônibus se aproxima e para, abre a porta no ponto colado à banca de jornal, e em seguida se ouve o som típico abafado de um para-choque de plástico deformando. Todos olham no sentido do barulho. A SUV estacionada na calçada, em frente às mesas, deu ré e bateu na lateral do ônibus exatamente na altura da roda traseira. A mulher ao volante olha para trás, torce o ombro sobre o banco para ver melhor, volta a cabeça para frente e fica parada por um breve instante, engata a marcha e movimenta um pouco mais um metro e meio desencostando seu carro da lateral do ônibus. Todos sentados param de comer para ficar olhando, alguns dando risada e comentando o absurdo de como ela não conseguiu ver um ônibus bloqueando a sua passagem. 
Os poucos passageiros na traseira do ônibus juntam se à janela. O motorista do ônibus desce e passa entre a banca de jornais e ônibus para ver o estrago. Um dos que almoçam levanta-se e vai até a traseira da SUV que parece intacta, assim como a lateral do ônibus. Volta para sua mesa, comenta com os outros que almoçam. Segue seu almoço e vê quando a mulher desce do carro e vai ter com o motorista do ônibus. Ela é grande, alta; ele bem menor que ela, gorducho e bem forte. A princípio a conversa corre bem. Ouve se um "Como o senhor para aí?" recebido pelos sentados com olhares cruzados de "como assim?". Desaparecem os dois atrás da banca de jornal. 
A porta traseira do ônibus é aberta, desce o cobrador, vai para a rua, espera o próximo ônibus da mesma linha, faz sinal, o ônibus para, abre a porta, tem uma breve conversa com o motorista que chegou, embarca todos passageiros do ônibus acidentado que se vão.
Reaparece a mulher de trás da banca de jornais, vai para o carro já chorando e transtornada, falando alto que está atrasada e que tem que ir embora, que não aconteceu nada, não há necessidade de ficar lá. O motorista também surge de trás da banca e começa a fotografar os danos, ela percebe, desce enérgica do carro e marcha até o motorista transtornada. Em voz alta, próxima ao berro, repete que tem de ir embora, que ele tire o ônibus de lá, que não aconteceu nada, que não vai pagar nada, que a responsabilidade é dele, motorista, que parou atrás dela. O motorista mantem-se calmo e segue com o celular na mão agora tentando ligar para alguém. O pessoal que almoça entre uma e outra garfada acompanha e faz comentários debochados sobre a postura da motorista do SUV. 
O motorista do ônibus desaparece seguido pela motorista transtornada e os da mesa ouvem gritos ameaçadores dela, que logo volta para o carro aos prantos e faz uma ligação que começa de porta aberta "Vou atrasar. Bati. Um ônibus parou na minha frente..." e a ligação termina de porta fechada. Pelo para-brisa é possível para os que almoçam ver o quanto ela está transtornada. 
Abre a porta e volta para o motorista do ônibus e quase peitando ele grita ameaças. Um dos que almoçam se levanta, vai até os dois e pede que ela se acalme, que trate a situação com a devida civilidade. Ela para por um instante. Voltando para a mesa, quando está ao lado do carro é cercado por ela e interpelado; "quem é e que direito tem de meter-se no que não foi chamado". A resposta veio com calma: "Sou um cidadão. A senhora não tem o direito de falar com ele, apontando para o motorista, desta forma". Com uma expressão deformada pelo ódio ela ordena que ele se afaste. Os das mesas enfiam seus narizes nos pratos e comem. 
Não demora muito ela volta a subir o tom e as ameaças ao motorista. Dentro do restaurante é chamada a PM quase ao mesmo tempo que o ônibus se move um pouco para frente, a motorista entra no carro transtornada, dá a ré, e vai embora. Um dos que almoçam se levanta e vai até o motorista saber se ele está bem. Ele agradece.

Brasil, Brasil, "Sabe com quem está falando?"

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Ler ou não ler antes o manual, eis a burrice

Não ler o manual de tudo é burrice, digo isto para mim mesmo olhando no espelho, e quem quiser que vista a carapuça. Eu entendo, sei como é, a coisa chega em casa, abre se a caixa, puxa se para fora, arranca se o plástico e demais protetores e qualquer um que seja normal pulsa olhos arregalados em ansiedade para ver a coisa funcionando. Enfim, a coisa! qualquer coisa, não importa o que.
E aí a "coisa" não funciona. Então, e só então, volta se à caixa e vasculha se o lixo jogado às pressas no chão para ver onde está o maldito manual. Idiota! 
Mea culpa, mea culpa, mea culpa! Mea máxima culpa!

Como somos inteligentes! Ninguém merece ler manual de instruções.

Um dia encontrei um sujeito apanhando de uma máquina que se recusava a funcionar. Querendo ajudar e ser gentil, fui até a máquina, girei uma peça que travou o sistema, apertei um botão e a máquina funcionou como deveria. Me causou uma tremenda dor de cabeça por que fui considerado intrometido e ofensivo pelo sujeito que não leu o manual e não conhecia a máquina. Deu o que falar entre nossos conhecidos e sou mal falado até hoje. Besta!

Não se resume a máquinas. Humanos de todas as raças, religiões e níveis sociais conhecem o ditado "Se conselho fosse bom seria vendido". Não temos manual para as coisas e situações da vida, mas a prática acaba nos fazendo manuais prático de usos e costumes. Manual de bom senso não existe. "Não perguntei", "Você não sabe o que está dizendo", "Não vive na minha pele" e outros que tais são mais triviais que parar, ouvir, pensar e usar a boa informação.

Um rei veio ao Brasil e lhe foi oferecido jabuticabas. Ele achou lindas aquelas frutas que parecem pérolas negras, enfiou uma na boca e comeu com casca e tudo. Educadamente lhe disseram que era para cuspir a casca. Meio no porre (melhor, completamente) o rei repreendeu o dono da fazenda: "Sou rei e como esta fruta como quiser" constrangendo a todos. Logo caiu na gargalhada e todos gargalharam junto iniciando o morde e cospe delicioso. Baseada em fato real que conto aqui porque são raros os que primeiro tentam entender os passos a seguir e menos ainda os que admitem seus erros rindo de si próprios.   

Tem manual para erros coletivos? Opa! e como tem! Chama-se "história". Por exemplo, foleando o manual de boa administração de um qualquer país, vá a letra "c" e entre no verbete "Congelar preços". Vamos ver o que diz: Brasil demorou décadas para estabilizar depois do congelamento promovido no Governo Sarney; Argentina repete o congelamento de preços com os mesmos efeitos de sempre; desabastecimento, sumiço de produtos, aceleração da inflação, e dívida futura que empobrece principalmente os mais pobres. Congelamento de preços, leia-se tiro no pé.

Manual de convívio social? "Quando um não quer, dois não brigam" "Muito melhor um mal acordo que uma briga" "Gentileza gera gentileza". Taí algo que raríssimos seres humanos leram e entenderam. Tenho uma inveja sem tamanho deles. Gentileza faz 99,99% das coisas funcionarem bem e terem bom futuro. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Paris, 09 de julho de 2007, lançamento do Velib, e redescoberta das cidades


As notícias que o Velib, sistema de bicicletas públicas de Paris, passaria a estar a disposição do público estavam estampadas em todos os jornais já fazia um tempo gerando grande expectativa no público. No final de uma tarde de pedal, ao lado do Cemitério de Montparnasse, dei de cara com uma apresentação oficial da novidade nos transportes. Uma pequena estação de bicicletas, algumas Velib zero km, lindinhas, uma menina sem uniforme com folhetos na mão, um punhado de cidadãos olhando curiosos e ouvindo, uma bicicleta solta da estação que aliás nem perguntei se poderia dar uma voltinha. 

Velib não foi primeiro sistema de bicicletas coletivos, mas sem dúvida foi o que chutou o pau da barraca e vendeu a ideia para o mundo, afinal Paris é Paris, definitivamente não é uma cidade qualquer. Nascia ali uma revolução não só nos transportes, mas nas mobilidades e no pensar o uso do espaço das vias e porque não dizer dos espaços públicos. Nada disto era novidade, tudo já havia sido tentado, aplicado e dado certo ou não em outras cidades, mas, de novo, Paris é Paris e implementar um sistema destes na Cidade Luz é avisar ao mundo o caminho a seguir - isto se desse certo, e deu certo, como deu! 

Não foi em 2007 que experimentei a novidade. Só 2012 fiz a inscrição e saí usando as bicicletas Velib que se espalhavam por toda Paris, muitas delas já bem surradas. Fim de semana ou chegava cedo numa estação ou corria o sério risco de ficar a pé. Durante a semana era comum vê-las sendo transportadas em carretas de um lado para outro da cidade. Não demorei para entender que para o sistema de bicicletas prestar o serviço que a cidade de Paris necessitava era necessário carregar as estações segundo a demanda, numa logística muito mais complexa que podia imaginar. Todas Velib são rastreadas e com isto a municipalidade aprendeu muito sobre as mobilidades realizadas fora dos automóveis, ônibus e metrô. Mais, foi criado um banco de dados completo cruzando as movimentações com os dados pessoais do usuário que ao retirar a bicicleta encosta seu cartão Velib na estação. Bingo! Paris e todas outras cidades que implantaram sistemas de mobilidades públicas não motorizados, bicicletas e patinetes principalmente, se descobriram. 

Só é possível organizar para valer uma cidade entendo como vivem os cidadãos que fazem uso dela. O serviço que as bicicletas públicas prestaram aos administradores sérios e inteligentes foi inestimável. Não é errado dizer que a cidade vive um antes e depois desta experiência.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

O que deveria ser um cicloativista hoje?

Celso Ming escreveu o brilhante texto "O que é ser esquerda hoje?" publicado no caderno Economia do O Estado de São Paulo deste domingo Dia dos Pais, 14 de agosto de 2022. Com subtítulo "Tão difícil como entender para onde vão as esquerdas convencionais é tentar entender o que é ser de esquerda atualmente", o texto me levou (novamente) a pensar na questão da bicicleta e os posicionamentos que foram tomados no passado para estímulo de seu uso.
Resumo da ópera: perceberam que os livros das verdades absolutas são um tanto disfuncionais para a verdade de nosso tempo. Upa!

Fato é que o discurso de esquerda se suavizou, por assim dizer. Faz décadas que não ouço discursos ou falas sobre tomar o poder na porrada e implantar um comunismo de "todo igual mundo vestindo uniformes", queimando livros e perseguindo intelectuais e professores. (Prática bilateral) Ok, mais que nunca estamos num "nós e eles", com perseguição ao contrário, pelo menos sem queimar livros, não que eu tenha visto ou sabido, dá muito na vista. Provavelmente tem "livro do diabo" e deve ter dos dois lados; coitado do diabo!

A bicicleta e as mobilidades ativas precisam e muito do movimento cicloativista, mas que saiba ver e ouvir. Não é fácil, eu bem sei.

Numa conversa ouvi que lideranças do movimento de ciclistas pensam em pedir que os atletas ciclistas que usam a ciclovia Capivara (a ciclovia do rio Pinheiros entre Ponte Estaiada e Jaguaré) só possam treinar dentro de horário definido e restrito porque são muito agressivos e oferecem perigo a todos outros ciclistas que lá estão. Ouvindo me estalou "O que é ser cicloativista hoje?", ou pelo menos o que deveria ser. Boa pergunta, até fácil de responder. Não é tão difícil entender onde está a questão da bicicleta, difícil para alguns parece ser entender onde e porque temos os problemas que se apresentam atualmente.

Educação, simples assim. Qualquer pessoa minimamente esclarecida entende a vital importância da educação, e aqui não falo da polida educação (?) de elite, mas de quem pensa; e completo: é um insulto especular que só a minoria dos brasileiros pensa. Cuma?

Ditaduras só funcionam sob o domínio do medo ou sob uma educação deformada que só fala o que interessa ao poder dos ditadores.

Interessante, mas o sistema cicloviário foi implantado com urras! e festas. Mesmo sem uma vírgula de educação ou treinamento para os então futuros ciclistas ciclovias e ciclofaixas tiveram total apoio dos cicloativistas. E que não se fale mal do que foi feito, aí caímos numa discussão sobre o nós e eles.

Os inúmeros, melhor, os infinitos problemas de falta de civilidade ao pedalar são reflexo da sociedade que temos, leia-se falta de educação, portanto civilidade. A tensão entre ciclistas não vem de agora, mas de muito, muito tempo, desde o estouro da "moda" do pedal. Os incidentes e acidentes se sucedem desde que as ciclofaixas viraram coqueluche, mas no passado (porque não no presente) era politicamente incorreto falar sobre o assunto, não atendia aos ditames do movimento.

Ontem pedalei atrás de um ciclista que usava a camiseta do Pelotão da Morte, o mesmo grupo de ciclistas que levou a Cidade Universitária da USP ao fechamento para ciclista e outros esportistas. Na época o movimento cicloativista fez uma tremenda barulheira contra o fechamento acusando a direção da USP de sei lá o que, ou seja, apontando o dedo para "eles". Não tiveram preocupação, nem se preocuparam, muito menos aceitaram informações sobre o porquê da medida radical da USP. Não interessava. Contados nos dedos foram os que tiveram a dignidade de dizer onde estava o problema de fato.

Óbvio que a situação mudou, que muitos, muitos... do movimento da bicicleta mudaram, passaram a entender o que acontece tendo uma visão mais ampla e realista do contexto. E é aí que entra o brilhante texto do Celso Ming "O que é ser esquerda hoje?". E aqui repito pela enésima vez: não é sobre a bicicleta, pela bicicleta, para a bicicleta, mas sobre a cidade, sobre a vida de seus cidadãos. Não parece óbvio?

Fechar-se em princípios pétreos é uma demonstração de limitação que vai muito além da burrice, mas sem dúvida atualmente é um mal pandêmico. O Brasil corre o risco de ser desintegrado como foi e continua sendo a Argentina com seu peronismo. A saber, na Argentina ou se tem apoio do peronismo ou simplesmente você não existe. Recomendo a leitura de um artigo de duas páginas sobre a situação da Argentina no mesmo Estadão de domingo onde foi publicado o texto de Celso Ming.

A bicicleta e as mobilidades ativas precisam e muito do movimento cicloativista, mas um movimento que ouça e olhe para fora de sí. A bem da verdade a cidade e o planeta não podem prescindir desta pressão. Sei que não é fácil, e como sei!

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

condicionamento físico pós Covid

Tive um Covid leve, não senti praticamente nada, a bem da verdade foi uma benção porque precisa de um tempo só e consegui "o" álibi para ficar quieto e distante de todos por 10 dias. Imaginei que tinha terminado por aí e assim foi por um bom tempo. Doce ilusão! 
Meses depois. Uma manhã estava cruzando a Ponte Cidade Jardim, pedalando entre os carros quase parados, o trânsito acelerou um pouco, nada demais, acelerei junto e simplesmente meu corpo desligou. Não tão simplesmente, veio uma rápida dor no peito, coração muito acelerado e pulmão curto, e minhas forças praticamente acabaram. Mantive as pernas girando sem fazer força ajudado pela leve descida e um pouco depois da ponte meio que voltei ao normal, um tanto ainda sem forças e sem dor no peito. Uns dias depois tentei entrar no vácuo de um ciclista mais novo, coisa que sempre fiz, e também depois de uns 200 metros senti o mesmo cansaço dolorido desligando de minhas forças. 
Depois destes dois eventos decidi ir com calma. Consultei meu médico e ele disse que muitos estão relatando a mesma coisa: um imediato pós Covid sem problema e depois de um tempo vem este cansaço estranho, dolorido; ou outros sintomas estranhos.
A diferença é que numa condição de saúde normal a pressão sobre o coração e pulmão vai subindo conforme se aumenta o esforço, o que que permite que se controle até onde quer ou deve chegar. Neste pós Covid mesmo que se aumente o esforço aos poucos num determinado momento vem uma dor diferente e o corpo praticamente deliga, ou você não aguenta mais, não sei ao certo. É uma experiência muito estranha, completamente diferente de todas que tive. Começa pela dor que é diferente, forte, não localizada, mas generalizada no peito. Acaba no clique, numa ordem de para! do corpo para a mente que incontrolável. É desagradável. 

A corrida a pé está parada. Esta não dá mesmo. Depois da Covid fiquei parado como me foi recomendado. Voltei muito devagar, como se estivesse começando a correr do zero, mesmo assim comecei a sentir dores em musculaturas que nunca havia sentido antes. Parei por completo novamente porque passou a doer até quando andava. Não era o cansaço nas pernas que tanto falam, era como se alguns músculos estivessem inflamados. Cheguei a comentar com meu médico, fiz ultrassonografia que apontou desvio da coluna, coisa que tenho desde adolescente, ou desde sempre, e nada mais. Fiquei uns bons dias quieto e as dores passaram. Estranho, muito estranho.

"Vai fazer exames para ver o que acontece" é o que mais ouço. Os exames que eu fiz foram logo depois do Covid e não apontaram nada. Será que tive o famoso reCovid? Possível. "Vai fazer teste..." Confesso que não fiz, ou melhor, fiz já faz um tempo e não deu nada. Ficar fazendo um teste atrás do outro é insano para a cabeça e principalmente para o bolso. 
Nunca pensei que um dia diria "que saudades daquelas velhas gripes que te derrubavam por uma semana", mas eis que aqui escrevo a frase com muitas saudades. Passada uma semana ou no máximo dez dias vida normal. Agora só quem teve sabe. 

Dá um pouco de depressão porque não sei quando isto vai acabar, não faço ideia se um dia volto a ter condição de subir pedalando uma montanha ou sequer fazer uma viagenzinha. Estou melhorando no meio das minhas incertezas horrorizado com relatos que tenho ouvido de gente que se encrencou para valer com a Covid. 

Estou voltando ao normal aos poucos. Dói coração! 

Precificar e condenar os gastos da Lava Jato

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Precificar os desvios da Lava Jato é escárnio que estampa o Brasil que em filmes sempre é o paraíso de quem foge da justiça. Por outro lado ninguém questiona, nem políticos, os desvios documentados e provados pela mesma Lava Jato, algo em torno de US$ 65 bi.

Arturo Alcorta

Não escapa ninguém, nem políticos, nem funcionários públicos, executivos, legislativos, ou judiciários, esquerda, direita, centrão e tudo mais então.
A retalhação contra a Lava Jato se faz bem no jeitinho brasileiro. Orem e Pôguesso. 

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Antes de entrar no elevador certifique-se que não há um defunto

O dia de trabalho foi longo e cansativo. Chegou em casa, abriu o primeiro portão, parou o carro esperando para abrir o segundo, espreguiçou longamente. Abriu o segundo portão, desceu a rampa e freou. Um carro preto estava estacionado com a porta traseira aberta. "Saco!" pensou, puxou o freio de mão, abriu a porta, desceu do carro, deu dois passos para contornar a frente de seu carro e estranhou o formato do carro estacionado e largado no meio da garagem atrapalhando a passagem. Sentiu a porta do elevador abrir ao lado, virou-se para reclamar com quem quer que aparecesse o incômodo de não conseguir estacionar e poder subir para o merecido banho e descanso, e com a porta do elevador completamente aberta ficou frente a frente com o cadáver de um de seus vizinhos em pé. A princípio congelou com a cena e por breve momento eterno lá ficou apavorado. Voltou a si sem compreender bem e saiu a passos curtos, inseguros, apressados, para o interfone para pedir socorro, reclamar, exigir a retirada do carro estacionado, ou simplesmente gritar com alguém, quem quer que fosse. E nesta curta caminhada a procura do interfone deu com o caixão aberto pouco a frente do carro funerário. Mais assustado ainda com a situação deu meia volta e topou novamente com seu vizinho morto ainda em pé sendo carregado por dois homens que com cuidado finalmente tiravam o corpo do elevador. Sem saber para onde ir, olhos no chão, encostou no carro funerário apalpando com as mãos feito um cego e acabou batendo a cabeça na porta traseira aberta. Olhos para cima, mão na testa dolorida, breve olhar nos dedos para ver se sangrava. Vê a escada, atordoado não se lembra onde está o celular, passando a mão nos bolsos e subindo rápido tropeça. Ampara o corpo com a mão, levanta-se, abre a porta corta fogo, chega ao térreo, livre do cadáver, do defunto, do morto em pé. Puxa o celular do bolso e começa a fazer desesperadas ligações. Para a segurança do prédio, tenta controlar a fala; eles não podem fazer nada, cuidam só da segurança do edifício e por isto segue-se uma longa e inútil discussão. Segunda ligação para o síndico, toca, toca, toca, não responde, "Deixe seu recado após o sinal..." o deixa mais furioso. A tremedeira e o pavor são tamanhos que nem palavrões lhe escapam. Mais uma ligação, para o zelador, toca, toca, toca, e "deixe seu recado..." A fúria sobrepõe-se ao pavor. Na porta da escada aparece o motorista do carro funerário e pede que ele manobre o carro para poderem sair. Apavorado com a visão do homem manda sem meias palavras que ele mesmo manobre, as chaves estão no carro, e estacione onde quiser. Vai falando e reclamando enquanto caminha apressado para a rua. Dobrando a esquina vê o carro funerário sair da garagem e sumir. Liga aos prantos para amigos.

Dia seguinte as caixas postais de todos do edifício recebem uma mensagem reclamando que "ao chegar em casa encontrei um morto no elevador social... e mortos não podem descer pelo elevador social".

Uma das respostas dadas, com toda educação, diz que iriam colocar placas em todos elevadores avisando que Mortos favor usar o elevador de serviço e que, Em razão da lei vigente e devidamente sinalizada, reiteramos que defuntos só entrem no elevador depois de verificar se o mesmo encontra-se parado neste andar.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Adeus a Jô Soares

Acabo de ouvir sobre a morte de Jô Soares. Paz Jô, Paz. Obrigado, Muito Obrigado. Para você com letra maiúscula, é o mínimo.

Morre muito do pouco da inteligência que este país teve, pelo menos a que foi a público e com isto prestou um imenso serviço a este país e sua população. Em boa medida o Brasil fica órfão com a perda de Jô. A simples perda de suas entrevistas foi um baque para este país, perda irreparável. 

Faz pouco estava no Rio de Janeiro, fui tomar café da manhã na rua e por boa ironia do destino acabei sentando ao lado da senhora que foi a produtora do Chico Anísio. Não me lembro o nome, me desculpem, nem vou pesquisar agora. me desculpem. 
No meio de uma conversa leve e divertida sobre nossa situação atual, Rio de Janeiro e Chico Anísio, é óbvio, perguntei se Chico Anísio teria conseguido trabalhar nos dias de hoje. A resposta foi categórica: "Não". 
Jô Soares, mesmo com sua inteligência ímpar e uma cultura para lá de invejável provavelmente também não teria conseguido trabalhar nestes tempos de populismo bipolar hidrófobo. Chico e Jô tinham uma qualidade admirável: eram politicamente incorretos, o que ajudou uma barbaridade este Brasil a se discutir, a se olhar, a levantar suas questões reais. Rir é sempre a melhor saída. Ou você ri da vida ou a vida vai rir de você, o que hoje está acontecendo.

Carinho Jô
Obrigado Jô
Bom encontro com o Chico Anísio e tantos outros queridos. Beijos em todos


A bem da verdade Jô, como outras inúmeras inteligências deste país, acabaram ou acabam silenciados pela população brasileira. Inteligência, boa conversa, argumentações, incomoda.  

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Velho amor, novo tesão

Já adulto vai buscar o que ficou no passado. O fervor da adolescência ninguém traz de volta. O corpo mudou, a cabeça mudou, tudo é mais calmo, lento, tudo deveria ser mais sábio, mais sensato, mas sempre há futuro, algum futuro, fio de esperança. E acontece, mesmo depois de certa idade acontece, mesmo que não seja para esperar que vá acontecer ele cresce, ela umedece, o tesão acontece, opa! e como!
 
Passou o dia que o espelho declarou sem meias palavras quem se é: idoso, velho, "a melhor idade" é a puta que o pariu, declaração sem meias palavras que vai sendo refletida no dia a dia, mas que a mente mente e se recusa a ver. E um dia aparece um novo velho amor, paixão quente dos tempos de pele lisa, esticada, sorriso uniforme e branco, espelho que então sorria para a juventude.
 
Estranha sensação de olhar aquele decote fechado, mas decote de tecido fino, macio, marcante, cheio de pequenos botões, que faz impossível não perceber aquela forma volumosa acolhida por um sutiã que se percebe as alças finas nos ombros. Seios que cresceram, ganharam forma, bela forma, com mais botões a abrir, um tempo maior para sonhar, ferver. Olho no rosto envelhecido, olho nas formas tentadoras, sorriso maroto envergonhado que não engana. Imagina, sem saber-se adolescente, adulto ou idoso, o que virá desabotoando lentamente um a um aqueles pequenos botões. Sonha soltar só dois deles e puxar para o lado o tecido fino e estampado do vestido, cara de moleque a olhar o mistério que não vê faz décadas. Correm lembranças de sua mão escorregando por baixo da blusa, tocando aquela forma quente, rígida. Ela percebe, o sorriso dela fica estático, espírito sensual adolescente, mas fervor controlado, espera imóvel, sorriso contido, vontade nem um pouco controlada. Dane-se o espelho, dane-se a moral, dane-se os bons costumes, a puta que o pariu com a melhor idade, que venha a mão. 
Os dedos escorregam pela pele que envelheceu e ganhou toque de seda, escorregam com cuidado quase incontrolável. Aperta a massa, olho no olho. Vai em frente, diz o pescoço esticado dela. Encosta a cabeça entre os seios, acaricia com o nariz sentindo o suave cheiro da pele dela, e vai descendo a mão sentindo cada botão do longo vestido. Aos poucos vão deitando no velho sofá que tem a TV acesa na novela. Quem se importa? Tudo em volta desapareceu, agora são eles para eles próprios. Botão pós botão passa pelo ventre e continua em respeito, para dar o tempo que excita mais ainda. Chega aos joelhos, puxa um pouco o vestido, não há mais meia para enrolar até as canelas, isto faz com que ele viaje no tempo e procure, não acha, não há mais meias para enrolar. Para ali, escorrega as mãos para entre as pernas, olha a perna nua escondida só pelo vestido, aumenta a excitação. Passam por aquele intenso desejo velhas fotos de outros tempos, os dois inocentemente na praia deserta, lado a lado, belo casal discretamente e sinceramente sorridente, próximos, discretos, mas não, nunca, colados como neste sofá. É diferente, carregado do tempo distante, da separação que nunca fez sentido. 

Entra a neta na sala e dá com a cena. Para, arregala os olhos, controla o riso, e em silêncio volta para o quarto sem saber o que pensar, mas com um certo calor correndo pelo próprio corpo. Fecha a porta com muito cuidado e senta na cama sem saber o que fazer, pensando no namorado, nos seus amassos. Pega o celular, quer fazer alguma coisa, dizer alguma coisa, digitar a situação amorosa da avó, mas não consegue, continua sentada na cama com o celular na mão.
Levanta-se, abre a porta sem fazer barulho, caminha na ponta dos pés até a porta da sala. A avó abre os olhos e a vê, fecha os olhos como se nunca a tivesse visto ou ela existisse. Feito o pedido para privacidade.

terça-feira, 2 de agosto de 2022

As mobilidades ativas em cidades acidentadas

Você conhece Belo Horizonte, a famosa BH ou Bélzonte? Deveria. Minha primeira estadia, não faz muito, não marcou, me hospedei e andei pelo centro, fui a um congresso na UFMG, tive que circular por vias expressas, vi pouca coisa, no geral não gostei. Não incluo aí a mulherada que no geral é linda de lascar, meu primo Caio estava absolutamente correto, mas esta é uma outra história, falo aqui sobre cidade e mobilidade.
E lá em baixo, bem em baixo, Belo Horizonte, a famosa BH

Desta vez fui para um rápido fim de semana e a festa de aniversário da avó de Fernanda, mineira de BH que mora em São Paulo. Com ela fiz um "sightseeing" guiado para conhecer os melhores bairros e vistas da cidade. Já na chegada de São Paulo e sem mais delongas fomos para uma Pampulha lotada num fim de uma tarde quente de sábado. Fernanda entrou a mil em BH para ver o por do sol avermelhado na lagoa, comum na cidade e sem dúvida lindo. Passamos pela Igreja de São Francisco projetada por Oscar Niemeyer que é muito menor que minha imaginação visualizava. O estádio do Mineirão por sua vez é muito maior. Estava tendo um show de rock e na exata hora que passamos tocava Paralamas do Sucesso que se ouvia longe. 
O entorno da Lagoa da Pampulha é ou foi bairro riquíssimo com residências grandes, suntuosas, umas poucas descomunais. Demos uma boa volta na Pampulha, sobe e desce, e seguimos ainda sem parar depois da estrada rumo ao Centro e sua belíssima Praça da Liberdade rodeada de palmeiras imperiais. Muita gente ciruclando para a Festa dos Franceses do outro lado da rua. Começamos a ir para casa passando por bares e restaurantes cheios, gente descontraída ponteando muita vida aqui e ali. Sobe e desce, sobe e desce, sobe e desce.
A rampa no fundo da praça é lugar comum em BH. Leia-se "parede"

Domingo giramos em carro por outros bairros, boa parte deles no alto da cidade, bairros de classes média, média alta e alta. BH é bem mais rica que eu poderia esperar. Sobe e desce... Muito agradável em vários pontos dispersos, com gente vivendo bem, tudo limpo, ajardinado, ruas arborizadas, bem sombreadas, várias praças bem cuidadas, tranquilidade, mas que topografia difícil! Sobe e desce, sobe e desce, desce e sobe, em alguns pontos parece que só sobe. Na Serra do Curral, ponto mais alto da cidade, reserva verde, inúmeras construções residenciais caríssimas penduradas na montanha, até edifícios, absurdo, algo que nunca deveria ter acontecido. O contraste com o Rio de Janeiro é imediato; em BH rico mora no morro.

Por onde fui levado em BH só carros e motos. Era domingo, vi vários ciclistas pedalando para cima e para baixo literalmente. Puta treino! Ali coloquei em dúvida o velho prazer de pedalar, a não ser que fosse para treinar forte para o Desafio do Rio do Rastro. Tem subida tipo parede para tudo que é canto, daquelas que até o carro geme e se parar a moto cai e rola para baixo. Exagero? Uai, vai lá e veja com seus próprios olhos, mas cuidado para não ficar com dor no pescoço.  Dá para fazer a pé? Dependendo de onde como treino de subida para o Himalaia deve ser uma maravilha.

Não parei de pensar que BH é a prova máxima que definitivamente o automóvel não vai desaparecer, algo que já tinha certeza, mas que agora tenho certeza ao quadrado, ao cubo... 

Apesar de ter ficado muito bem impressionado com esta BH que conheci agora, não seria minha opção de cidade. Sou ciclista e pedestre, gosto de subidas, mas tudo tem limite, principalmente para um velhinho como eu. Lá sem carro ou moto não dá; ademais, perdi completamente a relação com o ficar dentro do carro no meio do trânsito. A principal estrutura de serviços e comércio é em muitos pontos da cidade pouco acessível a pé ou de bicicleta e, de novo, sem um carro a disposição é muito complicado viver. 
Não é raro em bairros com topografia acidentada ter opções de caminhos para facilitar a vida do ciclista. Pelo pouco que vi não dá para contornar um morro ou escolher a melhor subida, é pau direto, os morros são muito íngrimes. Tá bom, a pé e em curta distância dá, mas nada além disto. Em BH o que sustenta o dia a dia, serviços e comércio, está centrado em vias de trânsito rápido que são sinuosas e em sobe e desce; mais uma razão complicadora para o uso da bicicleta com segurança, aliás o mesmo para pedestres. Cruzar estas vias não é muito agradável.
  
O trânsito por lá vai rápido. Conversei com um jornalista sobre a questão de redução de velocidade e senti que há desconhecimento e descrença por parte da população que a medida possa dar certo. Trânsito rápido, curvas, sobe e desce diminuem o tempo de reação dos motoristas e aumentam muito os perigos para pedestres e ciclistas. Implantar ciclovias? Naquela topografia? A saída é diminuir a velocidade, acalmar o trânsito, mas como controlar o embalo nas descidas?

Se em São Paulo, que é muito menos acidentada que BH, ainda se usa o discurso que a topografia não ajuda o ciclista, imagina como o povo de lá vê a bicicleta. Estruturar os bairros que vi para terem comércio e serviços em distância acessível para o pedestre ajudaria e muito, mas ai entramos numa briga de cachorro grande.

Conheci um pequeno pedaço de BH. Pelo pouco que sei sobre a cidade a topografia de inúmeros bairros é mais amigável. Eu começaria por aí e por micro ações onde for possível. Sem nenhuma dúvida reduzindo a velocidade do trânsito. 
Há uma diferença brutal entre ser uma cidade do automóvel e ser uma cidade pouco amigável à vida. Cidades mais calmas acabam se ajeitando por sí só.