segunda-feira, 26 de junho de 2023

medo de ser um caga regras

Foi vendo este programa -
(17) O QUE É O BRASIL? | GUIA POLITICAMENTE INCORRETO | HISTORY - YouTube - que decidi colocar no papel uma angústia que me cerca faz tempo, a bem da verdade cercou quase toda minha vida: Ô medão de ser caga regras! O que dizer; sou, e quem não é? Simples assim? Quisera. Mesmo com esta desculpa escrota, "que medão", sei do tamanho de meu sentimento de vergonha pelo que fui e que hoje luto para não ser, mas como? Não sei.
Tenho posições, acredito em posições, mas onde ultrapasso o limite e dou uma de caga regras? Como saber quem eu sou sendo brasileiro e vivendo no Brasil?

Foi-se um amigo que se por um lado era um tremendo caga regras, por outro, que poucos conheceram, era alguém que corria atrás de informação da melhor qualidade para fundamentar posições que tinha. De qualquer forma, era um conto de terror sair com ele para tomar um café ou comer fora. Quem o servia não podia cometer um deslize, deslize?, ou o coitado ouvia tudo e mais um pouco, posições corretas, mas absolutamente inapropriadas para o momento e o nível de interlocução.

Qual a diferença entre discutir, ter posições, e cagar regras? A diferença é imensa, e infelizmente, como tudo indica, nós brasileiros temos um sério problema em distingui-los.
Incluiria aqui insegurança pessoal, que tem tudo a ver, mas aí complica; deixa como está.

Desta vez, neste texto, não estou falando do mundo externo, mas sobre mim mesmo, sobre as confusões que se abatem, melhor, bombardeiam minha cabeça e consciência. Estas linhas são para mim próprio, uma forma de repensar o que não paro de pensar.
Se a ideia de escrever veio com o ótimo Guia Politicamente Incorreto, mas o texto ficou no rascunho por meses, com o texto do Karnal no Estadão "Criticar o Brasil" tornou-se impossível de não sair.
Vai Karnal:
Nunca me esqueço do primeiro congresso internacional de História do qual participei. Eu era um pós-graduando e, como tal, tinha limites claros para uso da palavra diante dos “grandes”. Ouvíamos, em silêncio religioso, os professores. A pirâmide do poder era alta, e eu ficava na base olhando para cima...
Eu, Arturo:
Faz parte da vida se afirmar socialmente e para isto nos apoiamos nos heróis e ídolos, aqueles que vencem ou venceram neste mundo selvagem onde uns comem e outros são comidos. É um momento da vida caga regras total, um escalar da pirâmide a qualquer custo: eu sou mais eu. (felizmente não gosto de selfie). Enfim, passei por isto, e demorei muito para passar, que é o que me dói.

Vai Karnal:
Qual foi minha surpresa: doutores titulares, respeitados em grandes universidades, faziam suas falas e, logo em seguida, colegas estrangeiros “desciam a lenha” (adoro a expressão brasileira). Era impressionante: “O trabalho tem méritos, sim, mas é completamente equivocado na conclusão”. Não era uma discreta correção ou suave apontamento: era “porrada” da boa! Eu, brasileiro da gema, imaginava que haveria um duelo armado ao final do encontro. Segunda surpresa: o crítico e o alvo eram vistos, tomando café e sorrindo. Uma diferença com nossa tradição era visível.
Eu, Arturo:
Um dia me olhei no espelho e me vi, o que não é nada fácil acontecer. Um outro dia me defrontei com um destes respeitadíssimos semi-deuses que temos aos montes e para todos gostos, uma das referências mundiais em sua área. Eu não só o questionei, como ele não só respondeu, mas caiu de seu pedestal num tombo sem graça. Eu tinha plena razão. Não imaginava que o ego dele fosse tão alto. Voltei para casa peito cheio, consciente que anos de leitura me tinham ancorado em porto seguro e próspero. Com o tempo caiu a ficha que cada macaco no seu galho, que não interessava passar a moto serra na árvore dele, muito pelo contrário, o negócio é cuidar dele. E foi aí que eu felizmente não ganhei, eu ajudei, ajudei no nosso trabalho e principalmente me ajudei.

Não interessa como você encontra um lugar. Interessa como vai deixar para o próximo que vier. Tem que deixar melhor que encontrou. Tirado de um pensamento ou posicionamento japonês.

Estou revendo minha vida. Sou crítico, começando por um pesado auto-crítico, felizmente, e não está sendo nada fácil. Depois da adolescência vem a velhescência? Tem muito cientista que diz que sim, vem. Cá estou. Mas não é só isto.

"A ignorância é uma benção" ou "A ignorância é uma dádiva", ou ainda, por completo e com seu autor, Dante Belfort, "Ignorância é uma dádiva, talvez seja mais saudável viver no mundo das ilusões e futilidades cotidianas, não tendo acesso a reflexões profundas, mas fazer o que, é inerente ao ser caminhar ao desejo, infelizmente eu gosto da realidade, triste, libertadora e odiável realidade pela qual me apaixonei". 
Quanto mais sei mais sei que nada sei, a frase original é do filósofo Sócrates: Sei uma coisa: que eu nada sei.

Quando me peguei aqui e agora, no digitar deste texto, já estava escrevendo em tom de crítica. Caga regras? Tomei uma pedrada na cabeça quando assisti o Guia Politicamente Incorreto falando sobre "O que é o Brasil?". Não quero, definitivamente não quero, me dói demais.
O que deixa feliz é que a cada dia duvido mais. Simples assim. Duvida do que? De tudo. E tenho certezas que espero que não se realizem, mas para tanto precisam acontecer coisas que pelo jeito estão mais próximas a um milagre. O que é o Brasil?

Venho de uma família onde a crítica sempre foi muito forte, esteve muito presente. Minha crítica é atávica.

Politicamente correto. Faço esforço para ser correto, e no meio desta barbárie que vivemos 'ser' em si já é dificilíssimo. "Ou você ri da vida ou a vida ira rir de você" e há uma diferença enorme entre ser correto e o falar politicamente correto, que em muitos casos fica nas palavras.
Seu Creysson fez mais por este país, foi muito mais politicamente correto do que inúmeros heróis nacionais. Adoro Seu Creysson e sua Organizações Tabajara. Quero ter este humor, mas em minha crítica eterna se inclui o medo de ser caga regras.

Verdade é que nunca vivi um momento tão confuso em minha vida. Talvez na adolescência, mas com aquela idade a energia e as perspectivas são muito melhores. Agora? Uau! Salva a certeza que não tenho certeza de mais nada, um salto no vazio.

O Estado de São Paulo
As fraquezas do ensino aumentam a barreira à discussão. Somos bons de briga e ruins no debate

Infelizmente o Estadão não oferece a oportunidade para não assinantes ler alguns artigos como acontece em outros jornais do mundo.

domingo, 25 de junho de 2023

sol de outono, depressão e alegria

Não quero perder um minuto do sol de outono. 
Nem de suas noites perfeitamente estreladas. 
Outono, o tempo das sombras muito bem definidas.

Tive que dar um basta. A todos. Sempre ajudei os outros e não olhei para mim. Minha vida se perdeu, virou uma bagunça. Minha casa está atulhada de coisas que me fazem lembrar de meu passado e de outras coisas que não sei exatamente o que estão fazendo aqui. Ou sei e não quero saber. Ajudei os outros e não olhei para mim e para minhas coisas. Não me arrependo, mas tudo tem seu tempo.

A santa Cida, minha faxineira, está doente. A casa cheia de pó. Dei um basta e comecei a limpar. No final do primeiro dia da limpeza que fiz não pude acreditar no que meu humor melhorou. Da depressão passei ao sorriso. Depressão? Depressão! Deprimido, se auto confessar que está deprimido ajuda muito, define que está deprimido, mas não o suficiente para afundar-se na depressão. É um suspiro profundo; eu vivo.

Parei de ver e falar com todos ou continuo comprando problemas que não são meus. Exceção para minha prima Thereza, que não deveria ser problema meu, mas foi jogada em meu colo. Ela é um doce, vale a pena. A notícia que tinha tomado um pequeno tombo e estava com o joelho machucado poderia ter vindo outra hora. Melhor, nunca vir.
Whatsapp do fisioterapeuta: não é cruzado, não há edema, não parece grave, mas tem que averiguar, "Não sou médico" avisa ele. Preocupação, pensamentos negativos: talvez menisco e para mim o mais assustador: osso trincado, dói e na idade dela, Thereza, vai demorar para solidificar. Saco!
Decisão de ir pela amanhã pela manhã - que acabou sendo a tarde. Levo no pronto socorro hoje de noite ou amanhã, pergunto para a enfermeira chefe. Decisão minha, e sábia, muito sábia, dorme e leva amanhã pela manhã.  

Acordo com a sensação de calma para partir, algo como um aviso de vai dar certo. Deixo a manhã passar arrumando coisas em casa, o que me faz bem. Almoço com calma e vou buscar o carro, e lá ainda dou uma descansadinha para deixar o tempo passar certo que "vou dar sorte e o pronto socorro vai estar mais vazio". Pego Thereza, levo e o pronto socorro está mais vazio. Ela entra com a enfermeira e é atendida muito mais rápido do que esperava. Mais, depois do raio X o médico diz que é só dor de batida. Ufa! 

Começo de noite de outono, temperatura amena, noite estrelada, coloco Thereza no carro e pergunto "Quer comer o que? Gosta de pastel? Tem uma feira noturna logo ali". A resposta vem incisiva, sorridente e alegre "Adoro pastel. Pastel!" E lá vamos nós. Ela come o seu dentro do carro, é lógico, e não empastela tudo. Ainda tem o saquinho de pastel de vento que vamos assaltando enquanto voltamos para casa. Estamos todos leves, eu, ela e santa enfermeira que ficou na água de coco. 
Chego em casa leve. "Vou dormir bem" e durmo.

Acordo cedo, o dia vai amanhecendo, a névoa se dissipa e fica lindo, azul de outono. Tomo café da manhã com calma e profundamente aliviado, Thereza está bem, vai ficar bem. Arrumo umas poucas coisas da casa e às 10h00 decido ir para o Pico do Jaraguá. Estou há muito me devendo esta. Pela vida arranjei desculpas para tudo, muitas por medo de perder a bicicleta, talvez o mais assustador de meus medos. Faço um rápido preparo e saio para a rua. Medo do desconhecido, do que vou encontrar fora de minha área de conforto, do meu bairro, do meu canto, mas vou, sigo em frente.
Pedalando na ciclovia, no CEASA passo por inúmeras barracas de moradores de rua. Me sinto deprimido, me dói ver todos eles naquela situação, me desagrada estar "indo pedalar no Pico do Jaraguá", um luxo. Lembro da eterna recomendação de Teresa: olhe para si próprio; você tem direito, você merece. As barracas ficam para trás, subo o viaduto sobre a linha do trem da CPTM, vejo o Pico do Jaraguá em frente, ainda longe, e penso "vai ser divertido, vamos lá". 

Ponte dos Remédios, bairro dos Remédios, não sei se erro o caminho ou faço o que não deveria, mas vou contornando as subidas pela avenida que segue em paralelo com a Marginal Tiete. Me sinto numa estrada e isto me dá uma injeção de alegria que não consigo acreditar. "Estou vivo'. A avenida dobra a esquerda, o trânsito e barulho da marginal somem, e me vejo no meio de um caminho entre árvores. Me sinto melhor ainda. Caminho errado, cruzamento errado, mas estou pedalando, dá para ir pela contramão e pelas calçadas. Estou livre. Cruzo a Anhanguera, entro no bairro do Jaraguá que não tem nada a ver com que imaginava. "Idiota! Para que ficar pensando em assalto ou perder a bicicleta?".
"O parque é mais distante do que eu imaginava ou o medo alongou o caminho?" De casa são 20 km, portanto a distância não mudou, mas a ansiedade alongou. Vou olhando o relógio e o tempo de pedal faz todo sentido, a sensação não. O caminho é menos plano do que eu esperava, só isto. 
 
O Pico do Jaraguá está imponente a minha esquerda. Cheguei. Nos últimos metros parece que a entrada não chega nunca. Finalmente. Não me lembrava mais como é. Verde, imponente, a subida começa de cara bem inclinada. Upa! Sou parado. Na barreira o funcionário me avisa que sem capacete não pode subir pedalando. Ouço a proibição feliz porque cheguei até aqui. Quebrei meus medos. E o verde, ah! o verde imponente, calmante. Ele diz que tem um capacete que pode emprestar. Vamos até a cabine dele, visto o surradíssimo capacete e começo a subida incerto de terminá-la. Como estará meu pós Covid? 
Subo. O começo é difícil. "Pelo que vi num mapa o complicado é no final e não o começo" Quando o cansaço chegou acabou, cheguei sem euforia, mas leve, mais leve, muito leve. 
Caminho para o mirante e olho a vista, São Paulo imensa, interminável. Como prêmio passa um dirigível, sim um dirigível. Não acredito. Estou muito mais inteiro que imaginava. Estou leve, que sensação maravilhosa, leve! Repito para mim mesmo sem parar. 

Saí de casa com medo da descida. Tenho que voltar, descendo. Sei descer, desço bem, mas o prazer agora que estou velho é subir, descer eu desço, mas... Desço mais rápido do que pretendia. A descida é muitíssimo menos perigosa que imaginava. O pessoal se arrebenta na descida porque tem merda na cabeça.

Lá em baixo devolvo o capacete e agradeço muito o bem que ele, funcionário, me fez. Ele não tem condições de entender a diferença que me fez neste dia, para estes dias que virão. Estou leve como há muito não me sentia. Vivo.
Peço indicação de caminhos e volto para casa pela Bandeirantes. Saí do Parque para a direita, cruzei a rua para esquerda, passei no meio da aldeia indígena, desci um pouco, cheguei na passagem por baixo da estrada e subi uma escadinha que dá na estrada. 
Estrada! Pedalo com calma, sem forçar a musculatura pouco cansada, e rapidinho estou de volta à marginal Tiete. Por ironia do destino os cruzamentos perigosos para sair da estrada estavam livres para mim, como uma benção dos céus, uma espécie de vai que eu te ajudo. Obrigado. O emocional está ótimo, não posso acreditar que tive coragem de confessar minha depressão. 

Em comemoração como num japonês que tem mesas no terraço olhando para o trânsito da rua. Estou muito menos cansado do que esperava e feliz. A quanto tempo não me sentia leve, livre e feliz. 

Não quero que o dia acabe. Fim de tarde perfeito. Anoitecer perfeito. Seguro a hora de tomar banho para não desmontar de vez. Janto, tomo banho e vou para a cama, ainda estou aceso. "Não quero que o dia acabe".  

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Matera, a cidade de mais de 8 mil anos


A preocupação com a preservação dos centros, urbanismo, construções e elementos históricos das cidades italianas, e porque não dizer de qualquer país ou região que respeite sua cultura, visa preservar a identidade local e fortalecer os laços entre os cidadãos, nem que seja pela fofoca, o que óbvio deve acontecer. Vai muito além da importância do turismo para a economia tocando diretamente na estabilidade social, na paz.

Definitivamente estas pequenas cidades não são um rejuntamento de pessoas que vivem lá em volta de um comércio, mas comunidades que preservam tradições, mesmo que estas mudem constantemente, se transformem com o tempo ou até caiam em desuso. Sem esta referência histórica é difícil ter uma perspectiva de futuro, de norte social, e fica muito mais difícil manter o equilíbrio básico para fazer tudo funcionar com harmonia, repito, tudo.

Vale lembrar que muitos destes centros e de seus prédios históricos, suas igrejas, casas, parques, praças foram reconstruídas, algumas completamente restauradas, depois da Segunda Guerra Mundial ou de terremotos, comuns em algumas áreas.
A revolução do turismo como negócio para ganhar a escala que temos hoje veio muito depois da Segunda Guerra Mundial. A reconstrução se deveu a respeitar laços passados, a não piorar a brutal ruptura social causada pela guerra. Mesmo em cidades ou locais onde a reconstrução teve que ser quase total houve um extremo cuidado de preservar qualquer laço de memória social restante. Foi e continua sendo impensável arrasar para construir um outro futuro, uma nova realidade. Na cabeça das pessoas e da sociedade uma ruptura com o passado definitivamente não acontece. A vida é um moto contínuo. 

Matera.



Matera, no sul da Itália, deveria ser destino obrigatório. É uma das cidades mais antigas do mundo, com mais de 8.000 anos de existência. No início foi habitada em cavernas que hoje servem só para o turismo. Sua formação rochosa, fácil de ser escavada e trabalhada, acabou se transformando em residências, primeiro simples aprimoramento das cavernas, logo se transformando em casas como as que conhecemos hoje, sala com cozinha, quarto, banheiro, paredes, teto e piso lisos, porta, janela ou janelas; algumas com nicho pagão ou religioso, algumas com espaço interno para a lida de animais domésticos, incluindo animais de grande porte, cavalo, burro, vaca ou cabra, tudo escavado na rocha.
A área foi escolhida por sua topografia, um vale fechado com um rio correndo em baixo, o que dificulta possíveis ataques. Segundo seus moradores a topografia facilita a captação e a retenção de água da chuva, portanto deve haver cisternas. Com a evolução, o aumento da população, o aumento da riqueza e melhora nas técnicas construtivas a cidade deixou para trás as escavações na rocha para iniciar a construção de uma cidade como hoje conhecemos, com paredes feitas de blocos retirados da mesma rocha, tetos com estrutura de madeira e telhas, vielas, ruas, muitas escadarias, praças, etc... Com o seguido aumento da riqueza se transformou numa vila com palácios, igrejas, estrutura administrativa bem mais organizada, trabalho, comércio, educação... Óbvio que estou fazendo um resumo para lá de simplista.
Com o tempo e a evolução econômica da cidade a área primitiva, as cavernas e as primeiras casas construídas ainda aproveitando-se de escavações acabaram se transformando em residências de necessitados e os mais pobres, e todo este patrimônio histórico passou a deteriorar. Em 1956 o governo Italiano decidiu recuperar a Materal primitiva iniciando um processo construção de residências populares para a retirada de seus moradores. Três décadas depois, com todo patrimônio histórico recuperado, iniciou-se um programa de reocupação das cavernas e casas, num projeto que incluiu residências familiares, comércio, bares, restaurantes, até hotéis.
Hoje Matera é uma cidade que se auto sustenta, tem um turismo intenso, mas não só. A qualidade de vida é muito boa. O detalhe importante é que a cidade não conta nem com estação de trem nem com aeroporto, o que para alguns moradores é um empecilho para o turismo, rica fonte de renda, mas talvez seja a razão da manutenção de sua magia.

Matera me deixou a imagem de um projeto de cidade que para sua população que deu certo. Pelo que ouvi fica o óbvio: bom senso e respeito... durante toda sua história.

sábado, 17 de junho de 2023

O edifício sem alvará do Itaim é o único?

SP Reclama
O Estado de São Paulo

O edifício que foi construído no Itaim Bibi sem alvará de construção é caso isolado na cidade? Duvido. Os fiscais não viram? Duvido. Os chefes deles não souberam, outros funcionários da Prefeitura também não? Duvido. Os fiscais são tão imbecis de achar que não vendo um edifício de alto luxo sendo construído ninguém desconfiaria que eles receberam uma bolada? Duvido. Com R$ 63 milhões envolvidos na história não tem peixe grande? Duvido. Com este valor em jogo os fiscais tomaram um cafezinho? Duvido. Os fiscais são tão imbecis de acreditar que se recebessem algo iam sair numa leves, livres e soltos, numa boa, sem ninguém perceber? Duvido. Dá para acreditar que nesta história alguém acreditou que tinha costas quentes o suficiente para desaparecer um edifício de alto luxo? Duvido. Dá para acreditar que com este volume de investimento a construtora jogou para ver no que dava? Duvido. Que os compradores não consultaram advogados antes de assinar? Duvido. Que os vizinhos, algum dos moradores de edifícios vizinhos, também de alto padrão, acharam que estava tudo normal? Minhas perguntas e dúvidas sobre o caso não param. A certeza é que, puft!, como mágica surgiu um edifício no meio do Itaim Bibi. Uau! A fiscalização não viu. Uau! Na av. Faria Lima está o Shopping Vitrine Iguatemi. Construído na década de 70 todas suas lojas tem pé direito alto, próprio para construção de mezanino. Desde de sua inauguração todas lojas construíram seus mezaninos, o que era permitido na época. Por uma besteira não se entregou a documentação necessária para legalizar estes mezaninos, que faz pouco tiveram que ser demolidos para atender à lei e a implacável e ameaçadora fiscalização. O espaço útil de cada loja foi dividido pela metade e o que afastou a maioria dos locatários, tornando o shopping praticamente inviável economicamente, um desastre para a cidade. Duvido muito que não seja caso isolado. 

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Foto ou filme é só recordação

O fuzuê naquele começo de noite na ponta da praia chamava a atenção da multidão que caminhava pelo calçadão. O pequeno grupo de amigos seguia seu caminho conversando, mas cada vez mais curiosos com todo aquele alvoroço. Seguiam em suas inconsequentes conversas sobre futebol, prestando atenção, mas despreocupados em entender os que passavam rindo ou irritados, nos casais brigando, e nos bêbados com suas latas de cerveja na mão tirando sarro. Um dos garotos ouviu e chamou atenção, "deve ser o Bolsonaro", os outros mostraram se uns incrédulos, outros desinteressados. Chegaram à tumultuada praça frente ao mar e foram avisados por um estranho que passava "ele está lá" e caminharam para ver a cara do sujeito de perto. Em torno de Bolsonaro a bagunça era generalizada, com seus seguidores indo um a um num empurra-empurra para ver quem conseguia tirar uma selfie. Mais distante, lá no calçadão e nos carros que passavam, urros de todos tipos, a maioria ofensivos gritados pelos apoiadores e os contra.  Para evitar que a situação descambasse numa pancadaria generalizada alguns poucos PMs que esperavam por reforço e os seguranças da autoridade. Olhando a distância o grupo de amigos parou a caminhada.  
Um dos garotos, num puro ato de adolescência, avisou aos amigos que ia lá fazer uma foto com ele. Eles não acreditaram, tiraram sarro tanto pela coragem quando pela imprudência, o que incendiou mais ainda a bravata juvenil. Entre risos e gritos de "não vai" dos amigos que se perderam no meio da gritaria generalizada do povo, foi abrindo caminho sendo filmado por um dos amigos. Incrédulo, a multidão foi como que se abrindo para ele, e não só conseguiu chegar perto, como segurar no braço de Bolsonaro, que se virou, deu um abraço sorridente no garoto. Estava feito, voltaram triunfantes para os amigos que já não mostravam a mesma expressão inconsequente e jovial, mas um desconserto explícito.
Mão no celular, dedos ágeis, o filme foi imediatamente publicado nas redes sociais, incluindo pai, mãe, irmã, tios, primos, avós. A reação da família foi imediata por ele ter se deixado filmar sorrindo com Bolsonaro, mas não pela publicação do filme em si. "Foi só uma recordação" respondeu ele cheio de kkkkkks. 
Interessante a irritação "por ele ter se deixado filmar com Bolsonaro", e não que ele, o filho, irmão, neto, primo, tenha ido até alguém com história tão complicada, para dizer o mínimo, com sorriso aberto.

O que parece difícil de entender é que dependendo da foto ou filme, dependendo da "recordação", não deve ser exposta a público, aliás, não deve sequer ser registrada. Mais ainda, não deve sequer ser pensada. No caso, foto ou filme com Bolsonaro, que é o caso aqui, além de inconveniente, irritante, ou desagradável, para uns, embute um sério risco social no meio desta sociedade profundamente dividida. Se adultos esclarecidos têm dificuldade de lidar com esta realidade conflituosa, imagine só um adolescente. Aliás, a bem dizer e a bem da verdade, o mesmo se aplica caso fosse uma foto ou filme com Lula ou outro qualquer político. Se pode achar que com este ou aquele é inaceitável, e até pode ser de fato, mas diz o bom senso, e porque não dizer a inteligência, que neste momento não se deve chegar próximo de qualquer figura pública para "engrandecer" a imagem própria, leia-se "selfie". Neste tsunami que vivemos não importa o quão bonzinho o sujeito possa parecer ou de fato seja, guardar distância segura é, ou deveria ser, inteligente. 

O mar não está para peixe, mas este velho ditado não faz o menor sentido para um adolescente, para quem muito mais divertido que as consequências é o risco, o transgredir, o impressionar a turma, não importa como.

A histeria pode fazer com que uma inconsequência se transforme em condenação a morte social, ou  cancelamento como dizem hoje. Quem disse que a caça as bruxas terminou?     

O garoto adolescente, no meio das falas enfurecidas contra a loucura que vivemos na pandemia, de saco cheio de ser obrigado a ficar em casa ouvindo as mesmas histórias, as mesmas verdades definitivas, e principalmente por ser adolescente, portanto do contra, começou a duvidar, e com isto irritar os mais próximos jogando pitadas favoráveis a Bolsonaro e sua turma. Quanto mais enfurecida ficavam, mais divertida e funcional começaram a ficar suas palavras "acho ótimo". Como psicologia barata, ele se fazia notar, chamava a atenção, todo mundo embarcou no seu jogo adolescente. Tirar foto com o próprio Bolsonaro? Cheque mate!

E as portas amigas foram sendo fechadas em silêncio. "Com meu filho ele não anda". Na década de 60 havia o "meu filho não convive com filho de mulher desquitada". Na década de 30 foi pior ainda, e as reais consequências da aceitação coletiva da intransigência absurda só veio a tona em 1945. A eterna caça às bruxas. As razões não interessam, ele fez a besteira então é culpado e deve ser punido, ponto final. Ponto final? 

Dizem os bons advogados que mais vale um bom acordo que uma briga. Não resta dúvida que mais vale uma boa conversa, e conversa pressupõe ouvir a outra parte, principalmente quando esta está claramente errada.

Acho interessante a definição de ideologia como um discurso simples, direto, sem fundamento, que cola imediatamente em uma vasta população. Ideologia é prato cheio para pessoas pouco vividas ou imaturas, de pensamento simplório por assim dizer, delícia para lambuzar qualquer jovem, só que mancha a roupa e ou não sai mais ou dá uma trabalheira para sair. Pior mesmo é quem acredita que a mancha ideológica é uma marca de integridade e inteligência. 

De volta a São Paulo o garoto encontra seus amigos. Alguns não aparecem, nem dão notícias. A conversa demora para engrenar, as mesmas besteiras adolescentes de sempre. Sobre o filme ninguém fala ou falará. Está morto e enterrado. 

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Ciclovia cruzando a Ponte Jaguaré e conservação de passarelas de pedestres

Está quase pronto o cruzamento por ciclovia da Ponte Jaguaré. Faz muito que está em pleno funcionamento a ciclovia da avenida Jaguaré que chegava na cabeceira da ponte e simplesmente acabava, apesar da ponte ter uma passarela de pedestres a esquerda do trânsito que não é utilizada por pedestres. O absurdo é que do outro lado do rio, na outra cabeceira da ponte, está uma das entradas para o Parque Villa Lobos, isto para não dizer que a maioria dos ciclistas que cruzam a ponte são trabalhadores. 
Nunca estive na avenida Jaguaré bem cedo, de madrugada, mas acredito que o número de ciclistas deva ser bem alto porque a ciclovia Jaguaré faz ligação com uma área mais pobre de Osasco e tem continuação com a avenida Escola Politécnica, chegando até o final de Rio Pequeno, junto à Rodovia Raposo Tavares, cheio de bairros de classe média baixa. 
O conjunto ciclovia Jaguaré - Escola Politécnica é uma ciclovia plana, ótima para pedalar, opção muito mais fácil e rápida que transporte público, provavelmente até que automóvel em horário de pico. Mais ainda, é sombreada, agradável. 
Enfim, agora a ciclovia Jaguaré vai cruzar o rio Pinheiros o que deveria ter acontecido desde o primeiro minuto de sua inauguração, mas sabe-se lá porque não aconteceu. Não foge a regra de tantas outras ciclovias que acabam no nada ou não cruzam pontes. Interessante que não haja uma gritaria contra este "detalhe". Trabalhadores pedestres e ciclistas que se danem, não é? Ponte é para automóveis, a estaiada da Marginal Pinheiros que o diga.  
Ainda hoje os muitos ciclistas cruzam a ponte Jaguaré junto com um trânsito pesado cheio de ônibus e caminhões. Muitos vão junto com pedestres numa passarela que desde que passei pela primeira vez, e faz muito tempo, sempre esteve em condições precárias de conservação, para dizer o mínimo. As fotos são recentes.

Nesta foto é possível ver onde será a nova ciclovia para cruzar o rio e a desativada ponte Jaguaré em arcos, que mesmo com mato invadindo ainda está inteira. Um engenheiro de obras públicas que faz parte do movimento cicloativista subiu nela, e na também desativada ponte Morumbi, e fez uma inspeção detalhada. As duas estão inteiras. Não me lembro o nome dele. Fato é que seria possível usar estas pontes desativadas para fazer o acesso e a conexão entre as duas margens e ciclovias do Rio Pinheiros. No caso da ponte Jaguaré é fácil, é só querer.  Mas quem se interessa?
Há uma história que elas serão demolidas por causa da futura navegação no rio, mas quem já navegou em rios da Europa com muito mais calado que o Pinheiros sabe que esta justificativa é pura balela. 
O recurso necessário para reutilizar as pontes desativadas é baixo, basta pensar ou ter boa vontade. Inteligência faz milagres.
 




 A passarela de pedestres hoje.
  






Poucos pedestres descem ou sobem por esta escada porque os degraus estão completamente fora do padrão. Eu próprio já quase caí descendo para a Lerroy Merlin

Ao lado da escadaria. Ao fundo se vê um ciclista cruzando a avenida Jaguaré, saindo da ciclovia para acessar a passarela de pedestres, fato muito comum. São duas pontes novas, uma para cada sentido, com a ponte desativada entre elas. Vê se ciclistas fazendo o mesmo nas duas pontes. 


Aproveitando, abaixo a proposta para a ponte desativada Morumbi.







domingo, 11 de junho de 2023

Cidades da Itália e suas vidas

Bom dia Itália...

A foto abaixo é do largo do centro histórico de San Salvo, pequena cidade no Adriático. Foi tirada em frente à farmácia, uma loja de revistas, jornais e bugigangas, e um bar, a uns passos da praça central e da igreja, logo depois do fim da primeira missa, que para minha surpresa estava praticamente lotada em plena segunda-feira. Era bem cedo, a maioria dos negócios ainda estavam fechados, o frio era intenso, dos de fazer vapor ao falar, mesmo assim homens se reuniram em pequenos grupos espalhados ao ar livre e algumas mulheres no café em frente a igreja.

Até San Salvo só tinha estado em cidades grandes italianas ou com muito turismo. Nestas também ocorrem pequenas reuniões, mas dentro de cafés e mais apressadas. 
Em San Salvo acordamos bem cedo e saímos para tomar café na rua. Fomos ao centro, chegamos a uma praça ainda praticamente deserta. Porta aberta, entramos na igreja para ver e aquecer os corpos, e demos com a missa cheia. Assistimos um pouco deliciando nos com o afinadíssimo coral e saímos. Veio cruzando a praça um senhor que nos indicou o único café aberto ali, na nossa cara, que não tínhamos visto. Uma construção comum, com uma parede de vidro olhando para a praça, uma porta lateral fechada por causa do frio. Entramos e demos com um grupo de mulheres sentadas em círculo conversando junto à janela. Demos bom dia e fomos cumprimentados, nos sentamos, pedimos café e ficamos ouvindo a conversa que não parava em um dialeto incompreensível. Pela janela vimos quando terminou a missa, o povo saindo e se dispersando, e um grupo veio em direção ao café e entrou. Bom dia para cá e para lá, se sentaram no fundo do café, nos deixando no meio de dois grupos. Ficamos nos deliciando um bom tempo com o entusiasmo das conversas que não paravam dos dois lados, nos dois grupos, e nos que entraram e ficaram em pé no balcão. O pouco que entendi a conversa era sobre os temas mais variados. Pagamos, saímos, andamos um pouco e demos com este espaço público, uma praça criada sobre o que deve ter sido rua, com vários grupos de homens conversando animadamente, uns no sol que aparecia, outros encostados junto a um outro café, a farmácia e o mercado. Havia uma pequena feira de verduras e frutas armada, poucos compradores e compradoras naquele frio, mas a conversa em volta seguia animada.
Olhando uns legumes fomos abordados por um senhor todo enrolado em um cachecol e de toca que mal deixava ver seu rosto. Vinha com algo na mão esticada que demoramos para identificar e a princípio reagimos como brasileiros abordados por um pedinte. Era o dono do café que veio atrás de nós com uma caixinha de remédios que deixamos cair no chão. De seu café não se podia ver onde estávamos. Provavelmente ele saiu pela rua perguntando onde estavam os turistas. Ou seja, todos ali se conhecem. Como todas outras pequenas cidades da Itália, a bem dizer as maiores ou mais importantes, vive-se numa comuna, num lugar onde conhecer o outro faz parte da vida.
Bem vindo a Itália!    

Matera:

Desde muito cedo as pessoas vão se reunindo nas praças e cafés para conversar. Confirmação do hábito sadio praticado em praticamente toda cidade pequena da Itália. A foto acima foi tirada na praça principal de Matera, nas primeiras horas do dia, o sol sequer batia no chão da praça, antes das 7:00h, frio intenso, e até mesmo antes das primeiras missas sempre concorridas. Pouco mais tarde a praça ficou cheia de pequenos grupos que levaram a animada conversa por horas. A maioria é de aposentados, a maioria homens, mas não só.

Bari:

A foto ao lado é da cidade velha, um pequeno burgo secular preservado inclusive em suas culturas, uma delas a produção de massas feitas em casa e mão por senhoras que trabalham de porta aberta e deixam sua produção a venda na rua. Enfiei a cara para dentro de várias portas e as vi trabalhando, amassando, enrolando, cortando e fazendo movimentos precisos com os dedos para criar dois tipos de massa, o oricchiette e um outro que tem o formato de um grão de arroz, mas bem maior. Infelizmente não provei suas cozinhas, seus pratos prontos que algumas delas também servem na hora do almoço. Numa pequena praça vi um grupo de mulheres em longa fofoca entre trabalhos e cuidados de netos. Conversavam ou gritavam saudações com todos que passavam, todos conhecidos, é claro. Praticamente não vi homens, os mais jovens provavelmente tinham ido trabalhar e os poucos mais velhos estavam reunidos em cafés ou outro local fechado. Talvez caminhem um pouco, saiam da Bari Vecchia, e se encontrem em algum lugar da rua comercial de Bari. No pequeno porto e pobre mercado de pescadores, não muito longe de lá, haviam vários homens conversando. 
A Bari moderna tem como centro da vida a rua principal, só para pedestres. Vem em linha reta da estação ferroviária até a cidade velha, onde em vários cafés se vê a população conversando longamente.

Em praticamente todas as cidades que passei na Itália a vida comunal é intensa. Até há grades e portas com trancas muito seguras, mas a população sabe que são uma coletividade. Os idosos tem vida própria, não ficam trancados em casa. As crianças brincam livres, as menores em parquinhos, sem grades, suas mães cuidam não só dos seus, mas de todos.   
Leonardo, que tem 3 anos, entrou no metrô no carrinho de bebe segurando o celular da mãe e saiu do metrô segurando o celular da mãe, e voltou para casa com o celular da mãe nas mãos. Bel, a mãe, não tem medo de sair na rua à noite, mesmo morando a uns 500 metros da estação central de trem de Roma, uma área que em todas as partes do mundo é considerada mais tensa. São brasileiros, mudaram-se para Roma, alugaram um apartamento. Logo depois da chegada vizinhos deram as boas vindas e se ofereceram para ajudar. 
Aqui em São Paulo moravam num bom apartamento, num edifício com porteiro, grades, segurança na padaria, segurança no clube, no shopping....  

quinta-feira, 1 de junho de 2023

...quero que o diabo o carregue...

Quem não teve vontade de tonar fato o famoso "quero que o diabo o carregue"? Morto, enterrado, assunto encerrado, não seria melhor assim? O problema é quando sequer o diabo quer ver por perto o maldito. Pois então... durma-se com esta, mas que o diabo o carregue e já vai bem tarde.

Não sei de que filme é, mas tem um italiano que abre com a câmera no caixão, um morto, o som de mulheres chorando, carpideiras, a imagem passa por elas e termina focada numa bela mulher que está na cabeceira do caixão, a única que não chora. Sequência ela se levanta, sai para o terraço, para olhando para o horizonte. Atrás dela surge uma das carpideiras que lhe põe a mão sobre os ombros e diz "Por que você não está chorando? Você tem que chorar. É seu marido" e recebe como resposta rápida, cortante, mal humorada "... aquele filho da puta...." Ela se dá volta e sai do velório. Eu estourei na gargalhada e não podia parar. 

Por que não podemos amaldiçoar o outro? Por que temos que ter bons pensamentos do pobre coitado, melhor, do que o diabo não carrega que sempre nos perturbou a vida? Todos sabemos, dependendo de quem o "que o diabo que o carregue...", a bem pensar, coitado do diabo, não é justo sequer com ele. Talvez fosse mais digno entregar o maldito para São Pedro ou pessoalmente para Deus reclamando defeito congênito e irremediável de fabricação. Tenha certeza, o diabo abriria um sorriso e faria um pouco discreto ufaa!!!!, e pensaria aliviado "E eu com isto?".

Família, família, ó família, que delícia! "Você é filho...", jogam a responsabilidade para ti. Ou mais trivial, comum e aplicado "Você é filha...", afinal você é mulher e mulher é para estas coisas. A sequência destas sagradas palavras, ditas como uma homilia, "...é tua responsabilidade cuidar". Não precisa ser filho ou filha, pode ser mãe, o mais corriqueiro. "Toma, que o filho é teu", trocando em miúdos: (dois pontos) "Foda-se! Estou tirando o meu da reta. Até logo, fui!" Dá vontade de esganar, mas a vida é assim. Como assim? A vida de quem é assim?
  
Como sair desta? Como fugir do que o diabo insiste em não carregar, a bem da verdade ele também tira o dele da reta? Entre a forca da convivência social, o suicídio pessoal, a morte viva, e o buscar uma saída qualquer, não esgane, não envie pelas próprias mãos para o diabo, dá cana, anos de prisão, não vale a pena, só piora. Mas vontade não falta, opa! isto não falta. Quantas vezes saímos de lá, a casa que o maldito diabo não carrega, imaginando como fazer desaparecer dos próprios pesadelos dando gargalhadas, não maldosas, mas necessárias, sobre as inúmeras possibilidades. 

Seja pragmático. Saia correndo, opte por dar uma de louco, mas sem exagero para não ser internado. Se por um acaso for internado descobrirá que lá, no hospício, tem um monte de gente absolutamente normal, mas que não teve inteligência emocional para se livrar do maldito karma que sequer o diabo quer carregar. Coitado do diabo, não o culpo, muito pelo contrário. Burrice de quem parou lá.

Evite mandar seus queridos parentes enfiar aquele o diabo não carrega no meio do cu. Costuma ser solução inócua, espelho da sua ingênua maldade. "Filho da puta" também não serve para nada. O que mais temos feito neste país é chamar o outro, aquele que não atende a nossos interesses, de filho da puta. Tem até aquele bordão "Vote nas putas. Nos filhos das putas você já votou e não deu em nada". Aos (filhos da puta) que recomendam que você cuide bem de quem o diabo não carrega recomendo desprezo, e que resmungue em voz inaudível "Que o diabo o carregue". Vai que com as bençãos dos céus ou do inferno o negócio funcione; um a menos, não será quem queres que o diabo carregue, mas será um a menos, bom negócio. 

Enfim, que pecado há em desejar ver o outro carregado pelo diabo? Legalmente há, não vou entrar de novo na questão, então que pecado há em desejar se livrar do outro? O diabo que o carregue é a melhor solução, a responsabilidade é dele, diabo, não sua. Enquanto o desejo não se realizar dá uma de louco.

Eu quero abrir uma agência de turismo funerário pró ou turismo pró funerário, ainda não defini. Vou comprar um rabecão com reboque. O cliente vai poder escolher se quer levar seu ente querido com porta traseira aberta ou fechada. Em cima vou colocar rack para umas cadeiras de roda. No reboque de soalho metálico e liso vou dar opção aos clientes para carregar cama hospitalar ou mais cadeiras de roda. Vou oferecer vários pacotes, começando pela descida da Serra Velha de Santos.