quarta-feira, 29 de junho de 2022

A cidade do trem comparada com a cidade da internet

O trem transformou e muito a vida das pessoas, algo que só pode ser comparado com o que está acontecendo agora a internet. Os une a velocidade e uma nova compreensão de tempo.

Nos seus primórdios o trem teve que abrir caminho por propriedades rurais e cidades, criando conflitos de interesses e prejudicando muita gente, principalmente nas cidades. Fazendas, bairros e comunidades foram cortados ao meio para a passagem dos trilhos e quem estivesse no caminho simplesmente perdia sua casa ou terreno, ou, pior, era despejado sem receber um centavo. Era a regra daqueles tempos.
Muitos ficaram assustados com aqueles monstros soltando fumaça correndo a espantosos 40 km/h exatamente como muitos ainda tem dificuldades de fazer "mágicas" com seus smart phones. De trens correndo a velocidade de uma internet por linha de telefone fixo em pouco tempo alcançavam 100 km/h, 120 km/h, 180 km/h, isto ainda no tempo das maria fumaças.  
A partir de meados do século XIX o trem fez uma revolução de costumes e conhecimentos inimagináveis até então. A distribuição de bens de consumo e produtos inéditos da revolução industrial iniciada décadas antes foi muito facilitada. Viajar com conforto e rapidez permitiu para um número muito maior da população olhar, viver, conhecer, e ter, possibilitando uma troca de conhecimentos e culturas, até degustar o que até então era possível para bem poucos. Mercadorias desconhecidas tornaram-se disponíveis para venda com um preço muito mais acessível ampliando seu público consumidor. Bom exemplo foram os frutos de mar, sabores desconhecidos no interior da Inglaterra e de todos países que construíram ferrovias. Tudo isto fez uma enorme diferença no olhar, pensar, viver, organizar e no transformar a cidade.
Hoje a internet une interesses de todos tipos, incluindo os mais estranhos e daninhos. E como o trem daqueles primórdios as redes sociais têm uma impressionante capacidade de aproximar ou afastar pessoas, de endeusar ou discriminar, de construir nomes ou arruinar vidas sem consequências.
Foi com o trem que a comunicação por correio explodiu, passou a ser muito mais rápida e segura. Foi por causa do trem que surge o telégrafo e sua comunicação a longa distância imediata. Mais tarde, aproveitando os mesmos postes de linha de telégrafo surge a possibilidade de ligações de longa distância por telefone.  

Quanto mais próximo do centro da cidade o trem chegasse melhor. Com isto nas grandes cidades foram construídas várias estações ferroviárias, norte, sul, leste, oeste, por exemplo, ou no sentido do destino com mais movimento, com linhas de transporte de carga, principalmente, e de pessoas. No entorno da estação ou das estações, conforme o porte da cidade, a riqueza cresceu rapidamente, novos negócios floresceram trazendo para a sociedade novos ricos e com eles transformações culturais. 
Trens de diferentes usos e velocidades circulam na mesma linha o que obrigou os operadores a criação de uma padronização e um sistema de precisão e qualidade inédito. Depois de um início cheio de acidentes foi criada toda uma metodologia, uma logística, sendo o primeiro sistema de alta qualidade, moderno, refinado, no qual hoje se baseia não só os transportes, mas serve como base a praticamente tudo o que se refere a qualidade de vida. Até muito recentemente o padrão de largura dos ônibus, caminhões, consequência do padrão de vias, túneis e pontes, foi baseado no padrão de trens, que por sua vez era baseado no padrão de cavalos e carroças.

metrô Londres
Um dos subprodutos do trem acabou sendo primeiro o bonde, ou VLT, Veículo Leve sobre Trilho, que se espalhou rapidamente pelas cidades do mundo, e mais tarde o metro consequência da tecnologia desenvolvida para a construção de tuneis ferroviários. Por incrível que pareça os Estados Unidos tiveram um sistema de transporte coletivo de massa por trilhos abrangente de alta eficiência que acabou desmontado em razão do barateamento e a popularização dos veículos movidos a combustão. Pode-se estabelecer um paralelo com as mobilidades por aplicativo.

Houve uma corrida tecnológica entre países para o desenvolvimento dos trens e de seus sistemas. O aumento da velocidade é o ponto mais fácil de entender. Por incrível que pareça um trem movido a vapor passou de 180 km/h, o que parece nada comparado aos trens bala de hoje quando alguns ultrapassam os 400 km/h. 
Estação Central Milão
Na vida das pessoas e nos comportamentos sociais as mudanças foram imensas. Foi com o trem que a industrialização e seus bens de consumo se estabeleceram de vez, e com isto o capitalismo e a cultura de liberdades. As comparações com as mudanças que a internet nos trouxe são muito mais que se possa imaginar. Ao contrário do que se pensa não há nenhuma grande novidade nesta revolução que vivemos. O que muda é a forma. A essência continua a mesma. 
A grande diferença que temos hoje é a velocidade, instantânea, com que se espalha informação. Infelizmente mesmo com esta incrível possibilidade não olhamos para o passado para aprender com os erros e acertos passados. Continuamos os mesmos humanos.

cruzamento, Amsterdam 

quinta-feira, 23 de junho de 2022

IBGE olha com detalhe as cidades: só agora?

Equipes do IBGE começam pesquisa urbanística para preparação do Censo 2022
Nesta segunda (20), mais de 22 mil agentes iniciaram estudo para mapear a geografia e a infraestrutura dos municípios brasileiros.
“Essas informações vão mostrar como é a qualidade de vida dos brasileiros no ambiente urbano, qual é a característica do local onde as pessoas vivem e onde tem carências e onde tem abundância de serviços públicos”,

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

A notícia de que o IBGE vai iniciar estudo para mapear a geografia e a infraestrutura dos municípios brasileiros é por um lado muito bem vinda mesmo sendo algo que deveria ter sido levantado a décadas. É possível afirmar que a maioria dos brasileiros não sabe o que é ou o que pode ser uma cidade. Mesmo as mais limpas e organizadas apresentam problemas estruturais que deveriam ter sido superados a pelo menos um século, literalmente. O mais gritante é a falta de saneamento básico, invisível, tanto na coleta e tratamento de esgoto quanto no destino final correto do lixo e entulho que ainda hoje é lixo varrido para debaixo do tapete. Reciclagem? Construiu-se onde não poderia ter sido construído por ser área de risco, de preservação de meio ambiente ou mesmo terreno público onde deveria estar uma praça. Impermeabilizou-se muito além da lógica que nossa natureza tropical permite. Faltam parques, áreas verdes, árvores, sim árvores para sombreamento. É comum encontrar cidades com clima tórrido praticamente sem a sombra de árvores, o que é muito mais que um contrassenso; aponta tanto para erro cultural crasso que custa muito aos cofres da saúde pública, isto para não dizer dos problemas de qualidade e produtividade do trabalho, relacionamento familiar e educação dos filhos. O levantamento que será realizado pelo IBGE se dará pelo que os olhos dos pesquisadores vêem, o que sem dúvida é de grande valia, mas muito das distorções de nossas cidades está no invisível. É do convívio cordial e sadio entre cidadãos que se constrói a democracia e portanto um país. Uma das funções da cidade é justamente ser indutora de convívios cordiais e sadios. Infelizmente mais uma vez se aproxima uma eleição majoritária sem que se coloque em pauta a cidade que precisamos, o berço da democracia. A bem da verdade não se discute nada, não se propõe nada. Levantar questões pontuais desconectadas do todo, da cidade e de sua vida, é continuar incorrendo no erro que está matando o país e fomentando populismos tão valiosos quanto a reforma da fonte da praça da matriz. 

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Casa de porta aberta a todos

A casa estava sempre aberta para receber quem chegasse para os almoços, os de conversa boa para qualquer gosto, os quietos, os ouvintes e até os chatos. Arroz, feijão, verduras, uma carne e o luxo da batata palha feita na hora que era para poucos, uma espécie de selecionador de quem era quem. Sentar-se a mesa também separava os que eram considerados da casa com os sempre bem-vindos penetras. Na conversa ia de tudo, menos futebol que só mui raramente era citado. Proibido só política, a não ser fatos risíveis por qualquer um, os de cá e os de lá. Havia certo cuidado também com as fofocas da e sobre a família, a bem dizer de quem quer que fosse. Línguas venenosas eram ouvidas, risadas dadas, e por aí se encerrava a questão. Não escapavam as notícias do trabalho recheadas de fofocas, estas sim fofocas das boas e estimuladas. Aos amigos tudo, ou pelo menos o maquiavelismo necessário para o momento e o conviva com quem se troca palavras.
Quem não ia para a mesa ajeitava-se onde podia, mas em outra sala ou ambiente. A sala de jantar era justa para os que ficavam a mesa que ali se sentava e ficavam, e para o aparador encostado na parede ao lado da porta com as tigelas fumegantes. A conversa da mesa convenientemente esfriava ou delicadamente mudava de tom dependendo de quem ia se servir, como se daqueles tronos saíssem o destino julgado dos que estavam na casa.

Ria-se muito, este é um dos segredos de casa de portas abertas. O outro é comida quente, farta e cheirosa, isto todos sabem. Piadas, comentários maldosos, cutucadas eram comuns, o que de certa forma servia como uma espécie de porteira de burro. Não havia fazendeiros sequer sitiantes, ninguém que fosse da terra, mas todos sabiam que de burro o burro não tem nada. Num dos almoços foi feita a pergunta se alguém sabia por que burro é usado para se referir aos estúpidos. Burro é muito inteligente, respondeu alguém, mas recebeu esta alcunha porque é mais inteligente que cavalo e volta e meia, completou outro, acaba não obedecendo todos comandos. Não adianta cochichar nada naquelas orelhas quentes e duras que ele não desempaca pincelou outro conviva. Ficaram em silêncio por um instante meditando a seriedade da questão e alguém disparou uma gozação sobre cochichar na orelha do português da venda e riram. Outra história veio à baila.
- Cheguei em Lisboa, entrei num taxi e perguntei ao motorista "O senhor poderia me levar para o endereço tal?" "Boa tarde. Sim, posso" e continuou parado. Eu disse "Então vamos. Porque estamos parados" e o português respondeu "O senhor perguntou se eu poderia e não se posso". Eles são completamente literais. 
- E levou (para o hotel)?
- Levou, mas quando chegou lá estava bravo com meu "poderia". Ainda me passou um sabão falando sobre nós, brasileiros. 
Gargalhada geral. Uns sentados na sala levantaram-se foram lá ver o que se passava, uns riram junto sem saber bem sobre o que se tratava, outros pela obrigação social que o bom prato de comida oferecido demandava. Houve os que mesmo de longe ouviam atentos e riram sem deixar suas garfadas. Força do hábito. Mineiro come quieto. 
 
De longe, sentado no sofá com o prato na mão, veio um comentário mais aprofundado depois que todos se acalmaram. Fala um pouco mais alta, em tom de quem resmunga, citou a literatura portuguesa. Poucos da mesa ouviram, menos ainda foram os que levantaram as orelhas para prestar mais atenção e quem sabe responder. Quem estava sentada no mesmo sofá enfiou mais ainda a cara no prato e passou a comer boca cheia olhar vago para a porta da cozinha que se vi lá no fundo da casa. Como ninguém ouviu, insistiu nem que fosse para ser ouvida pela companheira que estava no sofá. Chatos devem serem ouvidos. Com estes treinavam a paciência. Alguns eram verdadeiras aulas de cultura e sabedoria, outros de imbecilidade, e ainda há os chatos chatos que é bom dispensar rapidamente, mas ali era almoço de casa aberta a qualquer um, e que se respeitasse isto. 
O convívio com chato tem data e tempo limite ou se enlouquece, mas a casa estava sempre aberta. a qualquer um inclusive os chatos. Chatos têm que vir em parcelas para serem digeridos, mas com habilidade o espírito do almoço controlava bem situações fora do esperado, chatices a bem dizer. Sabiam que a chatice expõe muito de um lado interessante da vida, como o caminho que não se deve seguir ao se comunicar com os outros. Muitas vezes são chatos por irremediavelmente atrelados à realidade do dia a dia, ao raso da vida. Dizem que na vida há dois tipos de conversa, a dos que só falam de pessoas e os que falam sobre outros assuntos. É a forma, a intensidade e a dose que define a chatice. Não importa, a casa estava sempre aberta e mesmo o que poderia ser uma chatice se transformava em boa conversa fiada, sem sentido talvez, mas interessante, tanto que não raro nem o bom cheirinho que exalava da cozinha não parava o falatório.  
- A comida está servida e vai esfriar. Por favor continuem a conversa com o prato na mão; demandava a sempre sorridente dona da casa.

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Assassinatos das verdadeiras peças chaves do Brasil

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

A única forma de dar alguma proteção às peças que lutam para o verdadeiro bem deste Brasil é dando publicidade ao grande público da importância do trabalho que estes realizam. Quanto mais conhecidos mais seguros estarão. Reconhecimento depois de morto é epitáfio frio depois de mais um velório das poucas alternativas que ainda nos restam. Poucos nomes são conhecidas pelo grande público, a maioria artistas e esportistas, e parte destes nem sempre é o que se pode chamar de exemplo edificante. Nomes de políticos ou atores públicos que estão na boca do povo são raros e a maioria dos que são acabaram conhecidos através do noticiário criminal. Para piorar, vários dos cientistas e médicos que na pandemia tornaram-se conhecidos do grande público pelo esforço de comunicar a verdade acabaram tendo seus nomes e trabalhos esculhambados por notórios imbecis ignóbeis que só fazem prejudicar o país. Mesmo pessoas comuns realmente interessadas no bem coletivo deste país tem dificuldade em saber o que realmente está acontecendo. O legado funesto da barbárie sofrida por Bruno e Don escancara uma Amazônia com gravíssimos problemas não só de queimadas, estração irregular e garimpo, mas de tráfico internacional e completa perda de controle da região por parte do Governo Federal. A perda de controle geral sobre o resto do país é notória. Não podemos mais ficar a mercê de boçáis como estamos.  O que os partidos e candidatos realmente propõe para o Brasil? Ninguém sabe. Dá para acreditar na exatamente mesma falácia das propagandas políticas de sempre? 

O Brasil de verdade está de luto profundo

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Comentários sobre a carta resposta dos ciclo ativistas à ABRAMED

Usando o mesmo procedimento da carta divulgada pelos ciclo ativistas uso o texto original para dentro dele fazer comentários. A carta foi divulgada no link https://aliancabike.org.br/resposta-abramet/ e é possível que o tenha sido em outros links e sites.
Mais uma vez reforço que sou contra qualquer tipo de "nós e eles", não interessa se é de direita ou esquerda, ou de quem quer que seja.
Trate bem até seus inimigos mostrou-se na história como a melhor saída para entraves, mesmo os piores. Diálogo sempre foi e continuará sendo a melhor saída.

A carta divulgada:

No último dia 03 de junho foi celebrado o Dia Mundial da Bicicleta, estabelecido em 2018 pela ONU. Nesta data há um esforço de todos os ciclistas e organizações em celebrar as conquistas e os benefícios do uso de bicicletas, mas também de cobrar por mais políticas públicas assertivas.

Aproveitando a data e a abertura na imprensa, a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET) divulgou uma Nota Técnica sobre sinistros de trânsito envolvendo ciclistas no Brasil. Não contente com a publicação da Nota, a entidade médica pautou o jornal televisivo de maior audiência no país, espalhando desinformação e culpabilizando ciclistas justamente no Dia Mundial da Bicicleta. Um desserviço de grandes proporções.

Não é de hoje que entrevistas dadas por pessoas ligadas à ABRAMET me incomodam. Estranho que só agora os ciclo ativistas tenham reagido.

Uma investigação correta não culpa ninguém, só aponta causas e possíveis soluções para evitar novos acidentes. Não é o que ocorre neste Brasil. Mais, parece não interessar que assim seja.

No meio da bagunça que vivemos, num momento em que o "nós e eles" se mostra profundamente destrutivo para todo país, talvez, repito, talvez seria apropriado em vez de apontar o dedo para o "espalhando desinformação e culpabilizando ciclistas" ir conversar com a ABRAMET para ver o que está acontecendo. Enfiar o dedo na cara do outro só serve para o próprio público. Vale para os dois lados.

Não obstante a gravidade dos dados em si (aumento de 11% nos óbitos de ciclistas entre 2020 e 2021), a ABRAMET apresenta um diagnóstico superficial e distorcido, fatores de risco equivocados no uso de bicicletas e pontua recomendações para prevenção de sinistros sem qualquer embasamento técnico.

Quais são os dados sobre os acidentes? Onde estão as perícias técnicas? O que elas dizem? Quem tem estes dados? Qual a qualidade destas perícias? Não duvido da qualidade do trabalho de nossos peritos, mas guardo direito de por em dúvida a qualidade da estrutura de trabalho que eles têm, o que influencia e muito os resultados. O simples fato de uma perícia demorar horas para chegar no local a ser periciado já não é o procedimento apropriado. E, não sei se as perícias que temos tem laboratório apropriado para verificar a condição mecânica dos veículos envolvidos no acidente, o que seria o ideal. Também não sei como fatores relativos à engenharia de trânsito são avaliados.  

Na Nota, a ABRAMET afirma que:

“dos ciclistas não é exigido nenhum tipo de habilitação oficial, grande parte desconhece a legislação de trânsito e com frequência violam suas regras”.

Sem sustentar com dados estas afirmações, a ABRAMET comete o erro gravíssimo de omitir as principais causas dos sinistros e dos óbitos no trânsito, que são as altas velocidades, a imprudência de condutores de veículos motorizados e a falta de infraestrutura adequada nas cidades brasileiras. Omite deliberadamente o fato histórico de que toda a infraestrutura viária planejada e construída, nos últimos 120 anos, está voltada à fluidez dos automóveis, marginalizando ciclistas, pedestres, motociclistas e o transporte público – responsáveis por 2/3 dos deslocamentos nas cidades.

“dos ciclistas não é exigido nenhum tipo de habilitação oficial, grande parte desconhece a legislação de trânsito e com frequência violam suas regras”. O que a ABRAMET afirma é fato. Os investimentos para a segurança dos ciclistas continuam centradas na "infraestrutura viária planejada e construída" e não na educação e treinamento para a condução da bicicleta e circulação na cidade ou qualquer outra via. Violação de regras (CTB) é fato frequente
"Altas velocidades" e "fluidez dos automóveis" é causa óbvia de acidentes e desconforto para pedestres e ciclistas, nesta ordem, mais pessoas com deficiência de mobilidade, mães, crianças... o que não é citado nesta carta. Como se deve saber a redução de velocidade do trânsito também tem relação com acalmamento de trânsito, o que não é exatamente "infraestrutura para segurança dos ciclistas", mas infraestrutura para a vida de todos, incluindo ciclistas.
De novo, um discurso permanentemente acusatório só dificulta o diálogo e a abertura de caminhos para soluções.

Incluir motos junto com transporte público é complicado. Se moto está, deveriam estar incluídos táxis, vans de transporte... 

Também no mesmo documento, a ABRAMET sustenta que:

“Aqueles que se deslocam através de bicicletas têm oito vezes maior probabilidade de morrer em um sinistro de trânsito do que ocupantes de um veículo de passeio, sinistralidade superada apenas pelos deslocamentos a pé nove vezes e por motocicletas 20 vezes”

A obviedade de se afirmar que uma pessoa dentro de um veículo de 1 tonelada de aço tem menor probabilidade de morrer do que outras que estão apenas com o seu corpo no trânsito só reforça o equívoco da Nota da entidade médica. Se caminhar e pedalar, no Brasil, é 8 ou 9 vezes mais perigoso do que andar de carro, o problema não está no caminhar e no pedalar, mas em todos os fatores que tornam o trânsito brasileiro um dos mais violentos do mundo.

Por que não há mortes no trânsito na cidade de Afuá (PA), por exemplo, onde carros e motos são proibidos de circular? Uma obra do acaso?

O documento ainda aborda o uso de equipamentos como o capacete e aponta os trajes mais adequados, como indicações “para que o transporte por bicicleta se torne mais seguro para o condutor e todos os usuários do sistema de trânsito”.

A ABRAMET fala há muito sobre capacetes sem ter procurado e lido documentos científicos e oficiais de governos europeus sobre o assunto, o que coloca em dúvida os posicionamentos desta entidade sobre o uso de bicicletas como modo de transporte. As entrevistas que vi e ouvi dos membros da ABRAMET apontam, sem dúvida, um olhar míope. Em alguns momentos tive a sensação de um certo corporativismo. 

Onde não tem automóveis e só tem bicicletas é impossível que se tenha mortes por colisão com automóveis. Onde só tem pedestres e ciclistas circulando provavelmente devem acontecer atropelamentos (de pedestres, é óbvio) e outros acidentes envolvendo veículos (bicicletas, está no CTB), inclusive entre ciclistas. Ou será Afuá o paraíso na terra? 

Ora, mais uma vez a ABRAMET inverte um conceito básico da segurança viária já consolidado em nossos marcos legais, como o Código de Trânsito Brasileiro e a Política Nacional de Mobilidade Urbana, onde os veículos de maior porte devem ser sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pela segurança dos ativos.

O uso do capacete é uma escolha individual e evidências científicas apontam que ele é um equipamento importante para alguns casos de menor impacto (como quedas) e não em colisões com veículos motorizados em alta velocidade. Ainda que todos(as) ciclistas pedalem com armadura ou envoltos em plástico bolha, o trânsito continuará violento e os índices de morte continuarão os mesmos – inclusive para ciclistas. Mais uma vez é preciso reforçar: no trânsito, a culpa não é da vítima.

Algumas pessoas que assinam esta carta à ABRAMET até pouco tempo eram defensoras ferozes do capacete para qualquer uso, portanto apoiadores da opinião da ABRAMET. Ótimo que tenham mudado de opinião. Quem sabe a ABRAMET vindo a ser bem informada também mude de opinião não só sobre o capacete.

A determinação sobre quem é vítima só pode ser estabelecida através de uma investigação meticulosa e precisa. Volto a que infelizmente nossa perícia técnica trabalha em condições não apropriadas. Infelizmente não se consegue apoio e pressão para melhoria de condições da perícia técnica e dos legistas. Não se consegue apoio sequer dos mais interessados que a verdade venha a tona.

Levantamento da Aliança Bike, com base em mais de 2.500 laudos de criminalística de sinistros de trânsito em todo o Estado de São Paulo (entre 2015 e 2016), revelou que de 162 laudos de ocorrências que culminaram em morte de ciclistas, somente três casos (1,85% do total) a imprudência do(a) ciclista foi apontada como causa. No demais casos (98,15% do total), as mortes têm relação com infrações de motoristas como desrespeito aos limites de velocidade, conversões proibidas, alcoolemia, entre outros. Ainda, a falta de iluminação pública, ausência de sinalização e problemas estruturais nas vias também foram apontados como causadores das mortes.

Os dados são muito evidentes: a culpa das mortes de ciclistas não é dos ciclistas. Não é do não uso de capacete, nem da falta de habilitação para ciclistas. A culpa de quem é alvejado por uma bala perdida não está na ausência de colete à prova de balas. A culpa de uma vítima de estupro não está nas roupas que usa.


Desculpem, mas não entendi bem o "com base em mais de 2.500 laudos de criminalística de sinistros de trânsito em todo o Estado de São Paulo (entre 2015 e 2016), revelou que de 162 laudos de ocorrências que culminaram em morte de ciclistas"2500 : 162 = 0,095. Ok, entendi que a quase totalidade dos acidentes foi responsabilidade dos motoristas. Não houve caso com motociclistas? Quantos veículos particulares? Quantas SUVs? Quantos veículos grandes como vans, ônibus e caminhões? Quantos bêbados? Qual o diferencial de velocidade? Parecem detalhes, mas faz muita diferença na busca de uma solução. 
Quais são os outros detalhes sobre estes acidentes? Quantos e como influenciaram nos acidentes?
É de conhecimentos de todos que os dados sobre segurança no trânsito são pouco confiáveis. As distorções começam nos B.O.s e terminam no laudo final e decisão da justiça. Mais, 35% dos acidentes, mesmo com vítimas, não são reportados. E os incidentes, aqueles sem vítimas fatais?

Pelas razões acima apresentadas guardo o direito de questionar o que está afirmado acima. E voltando ao início quero lembrar que muito da irritação profunda da sociedade em relação ao comportamento dos ciclistas vem do que vem acontecendo nas ruas onde entregadores fazem o que bem entendem, circulam sem respeitar regras e não raro se envolvem em incidentes e acidentes com pedestres. Não é de estranhar o discurso dos membros da ABRAMET em relação aos ciclistas, dado que, imagino eu, eles também sejam pedestres e, também imagino eu, não sejam tão ciclistas quanto os que assinam esta carta.

Afinal, quem são os membros da ABRAMET?

À Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, é preciso se atualizar sobre os dados, sobre conceitos básicos e conhecer a luta de décadas de quem busca um trânsito mais seguro, visando zerar as mortes e não justificá-las a partir da culpabilização das vítimas.

Culpar ou desculpar não serve a ninguém. "Nós e eles", melhor escrevendo "nós ou eles", só perpetua erros. Diálogo é a melhor saída.
Para terminar: pouco ou praticamente nada se fala sobre educação e não há saída desta balbúrdia que vivemos que não seja pela educação, que aliás começa pela informação correta, precisa.  
O uso da bicicleta como modo de transporte mostrou ter uma função social e urbana muito maior que simplesmente a questão do transporte ou mobilidade, mas estas qualidades só são alcançadas com equilíbrio, que é exatamente uma dos benefícios que a bicicleta oferece a seus usuários. 
Por incrível que possa parecer "os outros" são tão humanos quanto qualquer ciclista.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

O pequeno vendedor de pedras

O menino de uns 5 ou 6 anos não parava de dar voltas com sua bicicleta na pequena praça. Confiante em sua ótima habilidade passava pelos pais uma hora abanando a mão esquerda num alegre tchau outra volta abanando a mão direita com segurança e tranquilidade que poucos adultos têm. A mãe, no gramado com a cachorra que cheirava, estava mais despreocupada com as piruetas do filho que o pai. O menino deu várias voltas e parou em frente ao pai com um soberbo sorriso. 
- Agora você vai dar a volta completa e para na minha frente sem tirar os pés do pedal....
- Mas aí eu vou cair
- Só vai tirar os pés do pedal quando a bicicleta parar por completo, tá bom?
E deu mais uma volta e cumpriu exatamente o que o pai pediu. Parou em silêncio e ficou olhando para o pai que começava uma conversa com um senhor que por ali passava passeando seu cachorro. Quieto ouviu a conversa dos dois sobre a situação do mercado, inflação, custo das coisas e ganhar dinheiro. Sem que os dois percebessem deitou cuidadosamente a bicicleta no chão para não atrapalhar a conversa e, segundo o olhar dos dois adultos, foi brincar com umas pedrinhas que cobrem as raízes de uma palmeira. Os dois seguiram a conversa olhando para que a criança não fosse para rua. O menino selecionou e tirou algumas pedras do jardim, trouxe as para o cimento, cuidadosamente as alinhou e posicionou, levantou-se, parou entre os dois, esperou que fizessem uma pausa na conversa e perguntou:
- O senhor não quer comprar uma pedra? 
- Comprar uma pedra? respondeu admirado com a proposta o senhor.
- É. Hoje é domingo, e sábados e domingos as pedras estão num preço especial. Quer comprar?
- Não meu filho... interveio o pai; que história é esta de vender pedras?
- Por favor deixa, disse o senhor. Gostei da proposta de seu filho. E olhando para o menino iniciou a negociação. Me conta mais, quanto sai cada pedra? 
- R$ 10,00 cada pedra.
- Filho, como assim, R$ 10,00 cada pedra? Por favor, me desculpe..., disse o pai para o senhor. Esticando a mão num gesto para o pai não se preocupar o senhor foi até as pedras e sentou-se no chão, olhou o bom arranjadas, coisa de vendedor profissional. Deu um tempo admirando, tirou a carteira do bolso e negociou, olhou-a detalhadamente para ver a reação do menino, que continuava impassível.
- Tenho R$ 7,00, vai, negócio fechado?
- Tá bom faço por R$ 7,00. O senhor só vai levar uma? Não quer comprar duas?
- Uma só
- Filho, por favor; disse o pai entre o rindo e o sem jeito
- Deixa, estou achando ótimo. O que você faz? Com que trabalha? perguntou o senhor ao pai 
- Trabalho com vendas, respondeu.
- Está aí, completou o senhor olhando com carinho para o menino
E a mãe apareceu por trás em silêncio e com um largo sorriso de orgulho.
- Ele está querendo comprar um brinquedo e está economizando; contou ela sendo interrompida pelo pai
- Outro dia tive que dar uma gorjeta e não tinha dinheiro na carteira. Fui até ele e pedi para pegar uns trocados do dinheiro dele. Me disse que tudo bem, mas que precisava devolver com juros; contou o pai agora com certo orgulho.

Negócio fechado o senhor se afastou admirado com a iniciativa do menino. Como se comportaria jogando "Banco Imobiliário"? Já teria jogado com os pais? Como é ele no comprar, vender e negociar? "Qual vai ser o futuro deste garoto? Ciclista já é. E o garoto ouve, incrível, ouve e responde muito bem ao que foi dito. Os pais deixaram o moleque solto confiando nele, estimulando suas ações. Educação de verdade!", pensou o senhor enquanto caminhava. Um filme passou sobre sua infância. Quase esquece que na coleira estava a cachorrinha. Parou um segundo, olhou a peluda com ternura, agachou-se e fez um cafuné nela. Parou para cruzar a rua, parou de pensar no acontecido, dois carros passaram, ele deu um último olhar admirado para o menino e seus pais que seguiam na praça antes de cruzar a rua e caminhou para casa intrigado. "O que vai dar aquela venda de pedras? No que dará aquela esperteza toda?" Lembrou-se de sua infância quando construía pequenos carrinhos de madeira com rodinhas de tampa de garrafa. Vendeu um único, fato inesquecível. Na realidade não vendeu, o carrinho foi comprado por algum adulto que por mais que se esforce não lembra quem que admirado com a infantil iniciativa pagou com um sorriso. Lembra-se do sorriso, de estar sentado na porta da garagem, do susto de ter o carrinho vendido, de olhar o dinheiro na mão, fazer planos, de quando se afastou o comprador iniciou logo a construção de um outro carrinho de rodas de tampinha. Não se lembra mais do que aconteceu com os carrinhos ou com o dinheiro ganho. Virou pirulito? Provavelmente. Olhou para sua vida e pensou no menino vendedor de pedras, voltou a se olhar, como num espelho da vida com certa melancolia. "Bem, nunca tive jeito para negócios - e riu. Nunca tive jeito para ganhar dinheiro - e riu alto. Espero que este menino leve jeito" terminou seu pensamento feliz. Pegou a pedra comprada no bolso, a afagou com os dedos como se fosse uma lambada mágica, abriu a mão, olhou-a com muito carinho fazendo os melhores votos para o futuro que esperava aquela vida. "Melhor vender pedras que ter um caminho de pedras pela vida. Boa sorte menino".

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Summit Mobilidades Estadão, discussão sobre mobilidades: perguntas

A foto abaixo é uma das caixas subterrâneas de distribuição de telefone e internet no baixo Pinheiros; igual a todas pela cidade. Como está funcionando sua internet e seu telefone? Funciona perfeitamente? Começar a discussão sobre mobilidades falando sobre a qualidade de nosso sistema telefônico e de internet? Não está ou não deveria estar tudo interconectado? O sonho da mobilidade na nova cidade não está intimamente ligado às comunicações? Explicação no final


Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Sobre subtítulos do caderno Summit de Mobilidade 2022

Uma nova mobilidade desejável e tão necessária só é possível em cidades e sociedades que estejam minimamente preparadas e disponíveis para este futuro. Nossas leis e a organização administrativa de nossas cidades são obsoletas, lentas, ineficientes, absolutamente desconectadas até com realidades já passadas. Até o melhor dos administradores é obrigado a lidar com cada um dos inúmeros e insolúveis problemas cotidianos de forma pontual e isolada de um contexto mais abrangente. Não conseguimos sequer resolver o problema  crônico dos semáforos, como pensar um futuro de novas mobilidades? A nova mobilidade que se apresenta no planeta só dá resultados com populações que têm bom nível educacional para compreender o que é cidade, suas possibilidades e seu uso mais apropriado: a vida coletiva, democrática. Educação é um dos nossos graves problemas crônicos; baixo senso de coletividade e civilidade são consequências deste buraco sem fundo na educação. Por outro lado, propostas para as novas mobilidades estão intimamente ligadas ao perfeito funcionamento dos sistemas de energia e comunicações, o que também não ainda temos funcionando a contento e pelo andar da carruagem vai demorar para ser resolvido.
Antes de pensar nas mobilidades do futuro urge que resolva o caos primário que vivemos todos dias em nossas cidades. Básico do básico: Veículos elétricos são projetados para rodar em asfalto civilizado, ou seja, liso, sem um buraco depois do outro. Semáforos tem que funcionar. Começamos muito mal a partir deste básico do básico. 
Sonhar não faz mal a ninguém, mas do jeito como estão nossas cidades sonhar com novas mobilidades não passa de delírio. Temos que parar de sonhar e realizar com qualidade. Como diz um dos subtítulos do bom caderno Summit Mobilidade do Estadão "Entre os desafios apontados estão a falta de estrutura e a necessidade de repensar o planejamento urbano". Planejamento urbano? Qual, das construtoras? Não são desafios, são urgências urgentíssimas, está aí o nó de nossa democracia; vê quem quer. A qualidade da cidade, assim como a qualidade da educação, são a base para a ordem e progresso, paz, segurança e equidade, que tanto se deseja. O resto (tudo) vem junto. Aliás, não existe escola de qualidade sem um entorno de qualidade, ou seja, a cidade; simples assim.


"Rede Saudável: Investir em ciclovias não só dá mais segurança a quem pedal já pedala, 'mas' (sic) incentivam novos ciclistas" outro subtítulo do caderno Summit Mobilidade. Não haver números sobre incidentes e acidentes entre e envolvendo ciclistas que pedalam nas ciclovias não quer dizer que não os há. Números oficiais apontam para o aumento de acidentes com ciclistas, provavelmente com entregadores de aplicativos e fora das ciclovias, o que de certa forma também aponta para um erro na política de segurança no trânsito para ciclistas. Repetir o "mais ciclovias" sem educação dos ciclistas? Não há números sobre quantos km são rodados por ciclistas fora das ciclovias, portanto não se tem números confiáveis. Ainda neste sentido e sobre o subtítulo da matéria é pertinente fazer a pergunta: que tipo de segurança se quer para os ciclistas? Segregada? Segregação gera distorções, problemas futuros. Segrega cada grupo da social dentro da cidade, é isto que se propõe? 
"Rede Saudável: Investir em ciclovias não só dá mais segurança a quem pedal já pedala, 'mas' (sic) incentivam novos ciclistas". E, sim, e não o "mas" como está no subtítulo da matéria, ciclovias incentivam novos ciclistas, mas, e agora sim "mas", não é a única nem a melhor forma de incentivar o uso da bicicleta e as mobilidades ativas para o modo de transporte. A cidade do futuro caminha para integração, definitivamente não para a segregação.

"Nas cidades pedestres e ciclistas ficam em segundo plano" não condiz com a nossa realidade. Pedestres ficam em último lugar porque perdem espaço para ciclistas além de ficar expostos ao atropelamento por eles, fato comum e cotidiano.

"O fato é que não dá para construir vias para todo mundo", diz outro subtítulo, e está absolutamente correto, não dá e nem é apropriado. Segregar todos os modais? Segregar em locais onde é desnecessário, como no interno de bairros calmos? Mais, é um crime ambiental cimentar canteiros centrais gramados e ou ajardinados em nome da mobilidade ciclística ambientalmente e politicamente correta. Há outras soluções, mas falta coragem, falta inteligência. Nós simplesmente recusamos aplicar exemplos bem sucedidos de outros países sob a alegação pífia que nós somos diferentes.
   
Conexão e sustentabilidade: os pilares da mobilidade do futuro
Voltando ao começo deste texto; este embaralhado de fios é onde estão minhas ligações de fibra ótica e telefone fixo. Toda vez que fazem manutenção em alguma linha ou fibra vizinha desligam ou quebram a minha e ou de outro vizinho. Não foi diferente desta vez quando um senhor mudou-se para a casa ao lado. E todas vez que aciono o conserto de minha internet e ou telefone fixo, que chia depois de qualquer chuva, tenho que ir até a rua mostrar para os técnicos da Vivo onde está minha caixa de conecções. O pequeno e discreto detalhe é que moro em Pinheiros onde toda a fiação foi mudada para subterrânea faz uns 12 anos; portanto, suponho eu, Prefeitura e concessionárias deveriam ter o mapeamento subterrâneo. 
Por que dá tanto problema? Eraram o projeto do cabeamento subterrâneo. Deram um número de caixas subterrâneas igual para todas as concessionárias, então a Oi, que praticamente não atende ninguém, tem tantas caixas quanto a Vivo que atende a maioria. Nas caixas da Vivo o espaço para trabalho é escasso e os técnicos quebram com facilidade e sem querer a ligação dos outros no simples fechar a caixa. Brilhante!

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Com que roupa eu vou?

Ciclismo a caráter:
Esqueci em casa o tênis, bermuda (normal) e camiseta (t-shirt) que eu usava para correr de moutain bike e larguei numa prova em Petrópolis vestindo uma bermuda de veludo cotelê, camisa polo, e mocassim, cinto de couro e, óbvio, meia combinando com a polo. Era 1989, bem no início do mountain bike, tudo muito improvisado, mas nem tanto. Largamos, depois de uns 100 metros afunilou, fizemos um cotovelo à esquerda e iniciamos a subida de um monte por uma trilha que permitia ao pequeno e entusiasmado público ver a longa fila de mountain bikers todos vestidos a caráter, bem dito, com roupa de ciclismo, exceto eu. Lá de baixo ouvimos alto e claro o berro do bem-humorado Henrique Coutinho, o organizador da prova, "Quem é o fdp que está vestindo roupa social?". A gargalhada foi geral, o que acabou me ajudando a abrir um pouco dos que estavam atrás. 
Eu não estava com 'roupa de franga', o que contava dois pecados; primeiro: roupa de franga no meio ciclístico apelido que roupa de ciclista, colados ao corpo bermuda de lycra e camisa de ciclismo com bolsos nas costas, sapatilha de taco (ainda não existia clipe) para travar no firma pé do pedal, o que era para bem poucos. Foi "roupa de franga" até virar vernáculo politicamente incorreto. Segundo: qual é o outro pecado mesmo? Sei lá! não me lembro mais. Que seja, roupa de ciclista hoje virou moda, coisa para lá de chique; e cara. Hoje pedalar forte no vácuo de alguém vestido com roupa diária, entendida como 'não de ciclista', é tão politicamente incorreto e tão insulto quanto dizer 'roupa de franga'. Mas que é divertidíssimo ver a cara de quem é perseguido por um velhinho sem capacete vestindo calça jeans e camisa social, ah! isto é, e como é! Recomendo que experimentem.
MTB For Fun - USP São Carlos 1995 - nota 10!


Pedalar para o trabalho:
- Por que você não vai para o trabalho pedalando?
- Tenho que trabalhar de terno. Como vou aparecer com roupa de ciclismo? No escritório não tem chuveiro nem lugar para trocar de roupa. E não posso subir no elevador vestindo roupa de ciclismo. Como vai ficar?
- Qual é o problema de ir de terno? 
- Não sei pedalar sem o pé clipado.
(Cuma? Não sei pedalar ser clipe? Como assim? Eita frase repetida aos montes!)
- Você já foi para fora, não foi? O pessoal não vai para o trabalho de terno e sapato social?
- É, vai, mas lá é lá. Eles não têm o calor que temos aqui.
- Vai me dizer que eles não têm verão? É tão ou mais quente que aqui e mesmo assim eles vão trabalhar pedalando. Então?
(silêncio)
O bicicletário do edifício de escritório começou com quatro bicicletas, passou para 10, 20, 30, tiveram que ampliar. 
- Boa! Está indo pro escritório! De terno, chique! Quem dizia que não dava para ir.
- Eu nunca falei isto.

A alegação que não consegue pedalar sem clipe dói no dente! 
Até que enfim o pessoal está descobrindo que se eles podem nós podemos também, faça frio ou faça sol. Faça chuva, o que não falta por lá. E neve...
Dizem que o calor de verão na Europa é de lascar. Nós não estamos preparados para o frio e eles não estão para o calor, mas o uso da bicicleta não para.   

Afinal, com que roupa eu vou?

Minha mais grata surpresa veio da Fernanda, que tinha medo de pedalar nas ruas, que é advogada de ponta e tem que ir vestida como tal, o que é que isto signifique. Bom, a moçoila vai chique, toda perua, faz parte do jogo.  
A necessidade é mãe da ação e em vista disto acabou a choração. Mudaram o loca do escritório, piorou para ir de carro e ficou mais perto da casa dela. A bem da verdade daria para ir a pé, mas em vista de nossos problemas de segurança... vai que roubam os balangandã da menina.
"O problema ainda (para ir de bicicleta) é que tenho que ir de salto alto". Problema? É jeito. Não me lembro onde, mas dei com uma linda senhora, lá pelos seus 50, pernas bem trabalhadas expostas por uma saia relativamente curta na bicicleta, um pouco acima dos joelhos que com vento subia mais, e salto agulha 10. O segredo: ela travava o salto por trás do pedal numa solução meio clipada. Genial, sexy, muito sexy. A classe dela 'destravando' o salto agulha quando parou foi notável. 
Ou vai com um sapato baixo ou tênis com o sapato de salto alto social numa mochila ou sacola e troca no escritório, como fazem as mulheres em NY, Londres, Paris, Milão... 
"A saia vai prender na roda"; não, não foi dita pela Fernanda, mas é reclamação comum. Uai! ajeita que não prende nem enrosca. Dobra; prende a saia com um clipe, pregador ou elástico e moeda; ou simplesmente senta em cima dela dobrando para frente, a técnica mais comum e simples. Chique mesmo seria conseguir uma old dutch, as bicicletas femininas típicas da Holanda, com redinha fechando a roda traseira, o que evita que a saia seja puxada pelo pneu para dentro do quadro. 
Cuidado meninas por que conheço quem voltou para casa com a bunda de fora. 
Óbvio que dá para ir de saia, mas com devidos cuidados, as chiques que o digam. 

Chove lá fora. Faz frio. Que dia maravilhoso para pedalar. O pessoal vai ficar entalado no congestionamento sem saber que horas chega no trabalho ou em casa e o ciclista vai passar livre, leve e solto / solta. 
"Eu vou chegar com a bunda suja". Se a bicicleta não tiver para-lamas pode ser que vá.  Pedala devagar que a água não sobe. Usa uma capa em formato de poncho de gaúcho, daqueles que cobrem as pernas e os braços, que vai chegar sequinho numa chuva normal. A Decathlon tem destas capas de chuva. Funcionam maravilhosamente bem. Indo devagar, pedalando com sabedoria, você chega mais seco que se estivesse a pé com guarda-chuva.   
"Nossas ruas são sujas. A água que sobe é escura, deixa manchas". Uai! em tempo de chuva usa roupa com cor escura, de preferência em tons cinza-chumbo, e com tecido que lava fácil, mas, de novo, pedala devagar que a bunda chega limpa e seca. 
É lógico que ter para-lamas e pneus corretos ajuda muito. "Pneus corretos?" Sim, alguns pneus são projetados para escoar bem a água e diminuir o spray. Melhora muito.

E depois de postado saí para pedalar vestindo um jeans e aí caiu a ficha de um detalhe crucial: 
Use cinto bem ajustado e presilha de calça. Mostrar o cofrinho é ""feio"", mas calça sobrando pode enroscar no selim, o que pode acabar num acidente grave. O mesmo com bainha da calça enroscando na coroa. Também vale para mangas largas. Qualquer tecido solto ou sobrando que enrosque na bicicleta é problema sério. 


Pequeno detalhe 1
- Gostou do passeio?
- Adorei, mas machucou
- É falta de costume. 
- Não foi na bunda, foi lá.
- Bom... já que você falou... E falando baixinho explicou - As meninas comentaram...
- O que?
- Com fio dental não dá certo.
E com cara de bunda a constrangida novata perguntou: 
- Dava para ver? 
- Dava. (Bermuda clara com tecido muito fino + calcinha preta; fim de conversa)
Na semana que vem estava ela de volta. Fez o passeio e no final sorriu.  


Pequeno detalhe 2
- Estou bem-vestida? Dá para ir pedalando (para a festa)?
- Está. E dá. Vamos embora que já é tarde.
Vestia uma camisa de jeans mais grosso, corte reto, que fazia desnecessário o uso de sutiã. Estava chique, a bem da verdade linda.
E saíram pedalando. Passou um motociclista, olhou para o lado, e mesmo com o namorado pedalando junto desacelerou e praticamente enfiou o nariz dentro da camisa jeans. Acelerou e se mandou. Ela olhou para o namorado e perguntou o que ele estava rindo e o que tinha acontecido com o motociclista. 
- Você conhece ele?
- Não.
- Não entendi. Me diz uma coisa, porque você está rindo.
- Olha para baixo; e ela olhou para a bicicleta e o asfalto.
- Não entendi. O que tem? A bicicleta tá com problema?
- Olha de novo; e ela olhou. - Mais para baixo, para seu umbigo; e então ela viu os seios praticamente de fora. 
- Vamos voltar.
- Esquece, você tá linda. Pega meu suéter e dá um jeito. Na festa você vai fazer sucesso. 

Pequeno detalhe 3
Se você não gosta de bermuda de ciclismo, como é meu caso, por favor não use cueca com costura grossa em viagens longas. Pelo encravado é certeza de ter de continuar pedalando sambando no selim. 
Só danço samba; só danço samba; vai, vai, vai, vai, vai; só danço samba, vai!