sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Roma, Itália, praticamente não tem ciclovias


"Aqui há muito trabalho por fazer" disse meu caro amigo sobre a segurança de quem pedala por Roma, repetindo o discurso universalizado. "Faltam ciclovias" e quase ponto final na linha de pensamento dele.  

Outra hora, outra conversa, outra história...
"Esquece, você está em Roma", a frase me foi dita depois de uma aberração da qual já não me lembro mais para que eu visse com olhos mais positivos a estupidez que acabara de presenciar, e me irritar, como se o fato de estar fora de São Paulo e em Roma resolvesse todos os problemas. Definitivamente não é assim que acontece pela vida. Assim como definitivamente não é porque Amsterdam é tida como o paraíso dos ciclistas que todas as cidades do planeta resolveriam seus problemas quanto tiverem uma estrutura cicloviária como a de Amsterdam. Roma é Roma, Amsterdam é Amsterdam, não é óbvio? Não se engane, não, não é óbvio.

No noticiário italiano da TV na manhã seguinte à boa conversa e cerveja com meu amigo romano Fábio mostram o portão de entrada de uma casa fechado por um novíssimo guard-rail instalado ali e em toda a estreita estrada, pensado em nome da segurança de todos. Esqueceram o pequeno detalhe que o portão abre e fecha para entrada e saída dos carros da família que ali reside. Genial! Brilhante! Parecido com discurso pronto.  

Ainda não peguei uma bicicleta aqui em Roma, mas tudo me diz que é fácil pedalar pelo menos no centro histórico que é a parte que conheço. Como cheguei a esta conclusão? Biscoito: olhando o comportamento de todos, dos motoristas aos pedestres. Há uma cultura de respeito geral, um vamos nos ajeitando, seguindo em frente. "Os motoristas correm..." já ouvi de montes. Sim, talvez andem mais rápido que em outras capitais europeias, mas param para qualquer pedestre que comece a cruzar na faixa de pedestre. A princípio é meio estranho e se tem a sensação que motoristas, motociclistas, lambretistas e scooters não vão parar, mas depois se acostuma com uma freada mais em cima, o parar e o esperar que você termine o cruzar a rua sem pressa.
Diferente de Paris onde as scooters pilotadas por adolescentes que vem de todos lados são um problema real para a segurança de pedestres, e ciclistas, aqui em Roma vez ou outra se tem um patinete na calçada, mas via de regra é "pilotado" por um turista.
Nestes quatro dias que tenho como pedestre aqui em Roma o primeiro susto que tomei foi com dois adolescentes do leste europeu com patinetes que chegaram na esquina a milhão e fritara pneu na minha canela. O segundo foi não ter visto um ciclista entregador descendo a rua a milhão. Fábio avisou quase no grito e escapei por pouco. 

Roma tem muita bicicleta elétrica, bicicletas movidas a pizza e macarrão, muito patinete elétrico. Definitivamente não é uma
 Amsterdam, muito pelo contrário. Circulam junto com Vespas (Lambrettas), scooters, motos, carros e mais carros, um número notável de elétricos que chegam, passam e se vão em absoluto silêncio, estranho contraste com as barulhentas motos. Trânsito todas horas do dia. Vale dizer que estou hospedado na borda da zona de restrição, o que faz diferença na carga de veículos. Nos pontos turísticos montanhas de turistas. Aliás, dizem que são pequenas montanhas de turistas e que no verão a quantidade de turista pelas ruas é absurda. Basta o que vi, parece carnaval de Salvador. 
Lembro que Roma Antiga foi a primeira cidade da história a ter rodízio de veículos, na época de carroças e bigas, ou o que fosse puxado a cavalo.

"Roma, cidade eterna". Você realmente acredita que uma mudança na estrutura viária vai mudar o espírito de uma "cidade eterna"? Você realmente acredita que se pode mudar uma cidade e o mundo do dia para noite com um passe de mágica?" Fábio concordou.

"Roma, cidade eterna" vem me ensinando algo novo e reafirmando algumas convicções que tenho. Não é a minha cidade. Amsterdam é, e não por causa do seu tão elogiado sistema cicloviário, mas pelo que oferece como cidade.



sábado, 18 de fevereiro de 2023

370 milhões de Euros...

Que Mega Sena que nada! Se vai sonhar sonha para valer: 370 milhões de Euros numa tocada só. "Faz um ano que ninguém acerta (o prêmio)", diz o rapaz que me faz o jogo. Não custa fazer uma fezinha. Em Reais dá a bagatela de um pouco mais de 1.8 bilhão. Dá para fazer algo.
Sonho que é sonho dura pouco; esta é segunda vez que chego e aposto num prêmio pesado, upa! se pesado! e dois dias depois o prêmio monstruoso, encalhado, sai. O primeiro foi em Miami, aterrissei, joguei e depois de dois dias apareceu na TV uma sorridente senhora de 72 anos com um chequinho nas mãos de US$ 400 milhões, prêmio acumulado por longa data. Confesso que nem tive tempo para decepção, cai na gargalhada. Aos 72 encher o rabo de dinheiro? Que merda, a família que até então não existia, ninguém sabe, ninguém viu, vai estar batendo na porta. Um pouco mais calmo desejei sorte a ela, depois da bagaça que o destino lhe pôs sobre os ombros é que ela vai precisar, sorte, muita sorte.  
Agora estes miseráveis $ 370 milhões de Euros tal como os 400 milhos verdes também foram sorteados dois dias depois de meu desembarque e jogo para um único apostador. Definitivamente com minha chegada no local ou dou sorte para alguém ou acabo com os sonhos de milhões. Melhor ficar com o dar sorte para alguém porque vai que cola ser o maldito que acaba com milhões sonhos vou acabar tendo um pequenino problema. Que ninguém na rua saiba de meu destino. Muita pretensão minha achar que eu tenho qualquer coisa a ver com o destino destes sortudos.  

A rentabilidade de 379 milhões de Euros no Brasil deve ficar por volta de uns R$ 3 milhões ao mês. Fazer o que? Literalmente fazer o que com tudo isto? Se olhar só para o umbigo vira uma esquizofrenia. O pasteleiro da esquina, fiel apostador da Mega Sena, disse com todas as letras que quer tirar para gastar tudo com mulher. Avisei que iria ficar na miséria rapidamente, que a dor de cabeça com a mulherada iria ser infernal, que... e ele imediatamente reafirmou sua pervertida intenção sem o menor titubear. Pervertida não por querer gastar seu peru onde bem entender, mas por não fazer ideia da merda que vai se meter. Cada um com as suas. 
Eu? Boa pergunta. Faria simultaneamente um curso de teatro e outro de mentira para ninguém saber de meu fardo, sim fardo. "Meu filho, mudar de casa não vai mudar em nada sua vida. Quer mudar, mude, transforme-se, a mudança está dentro de si". Se sequer consigo faz uso correto do parco dinheiro que tenho, o que faria com muito mais? OK, seria bom porque resolver o problema dos outros me deixa feliz. Mas como ajudar os outros sendo invisível? Apareceu si fudeu! Líquido e certo.

Qual o prêmio que gostaria de ter nesta vida? De certa forma já tenho. Preciso, melhor, sonho com mais algo? Lógico. Ter paz, melhor, sabedoria para passar pelo que a vida me oferece, mas isto não é grana. 

Segunda feira volto a lotérica para enfrentar novos sonhos. Quanto vai dar? Parece que uma miséria, algo em torno de 10 milhões de Euros, uma porcaria. Vale tirar um sarro da sorte que não me sorri. Vale o delírio.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

O doce prazer de viajar de avião

Quando criança era dia de festa quando íamos ao aeroporto levar ou esperar alguém. O segundo andar de Congonhas tinha um terraço obrigatório para ver a pista, as decolagens, os aviões, o pessoal embarcar ou desembarcar. Vinha um trator trazendo uma escada com rodas, encostava lentamente no avião, a porta se abria, e desciam ou subiam os passageiros. Fechadas as portas eram ligados os motores, um por vez, com uma ruidosa explosão e muita fumaça. A hélice espalhava pelo ar forte o cheiro da farta fumaça dos motores a pistão enchia todos de alegria; o avião ia partir. 
O aeroporto nunca estava lotado, voar era para bem poucos, coisa de gente com dinheiro mesmo. Cada passageiro festejava sua viagem com alguns de sua família, alguns apaixonados por aviões, e funcionários e trabalhadores, este era o público do aeroporto.

Quando começou a popularizar voar lá fui eu todo orgulhoso. Aeroporto ainda tranquilo, alguma fila para o check in, nada muito demorado, a espera para o embarque, bom espaço nas poltronas, o barulho dos motores a jato ligados, nada de fumaça, a reta da pista, aceleração e voar. Como é boa a sensação. Os novos passageiros sentiam-se importantes, gente diferenciada.

Hoje prefiro a Rodoviária do Tiete. Muito mais tranquila e organizada. 

Chegamos depois de um trânsito pesado, abre uma vaga e o táxi consegue estacionar, demos sorte. Pego as malas com rodinhas entro no imenso e cheio saguão, gente empurrando malas para todos lados. Um pouco a frente vejo a primeira fila de check-in descomunal que vai e vem num zig-zag do qual gentilmente se entra depois da recepção feita por uma agitada, sorridente, mas visivelmente exausta funcionária da companhia. Minha fila não é esta nem a próxima, ainda tenho que caminhar um tanto. Quanto tempo vou demorar no meu enfadonho zig-zag? Enquanto fico entalado entre os passageiros da interminável fila vou fazendo alongamento para meus pés, joelhos e coluna não doerem, será uma viagem longa, antes, durante o voo e depois, ao chegar no destino final. 
Chega minha vez, o atendente do desk pega minhas malas, imprime meu boarding pass e sorrindo deseja boa viagem. Próxima etapa: embarque. Colocar tudo em caixas, passar pelo detector de metal e o raio X. Mais a frente Polícia Federal. Livre para a área de embarque; uma caminhada por dentro do Free Shop e chego ao gate, cheio. Meia volta para a área VIP em busca de um lugar para sentar e ter um pouco de paz. Pago, entro, cheio, difícil encontrar lugar, sento; respiro fundo. Não para de entrar mais e mais gente. Sentam nas poltronas vizinhas dois casais com duas filhas vestidas iguais em calças rosas e camisetas brancas. O pai fala alto, conversa alto, da seguidas broncas em sua filha mais alto ainda. Para se acalmar começa a encher o caco com vinho tinto. Traz para a filha uma pequena porção de macarrão, era uma camiseta branca, a pequena mesa, o chão e o sofá tem macarrão por todos lados. O pai dá bronca, a mãe segue no celular, não é com ela. A amiguinha da filha também fica vermelha e espalha vermelhos ao sugo por todas as partes. Eu queria paz, a coitada da funcionaria da limpeza mais ainda. No pula pula das duas derramam um copo de água, volta a santa da limpeza, exausta, cara de quem quer explodir "meus filhos são (pobres, mas) muito mais educados". Mesmo quando as duas famílias fazem silêncio o barulho geral é alto, desagradável, o espaço é pouco para tanta gente. Pratinhos com comidinhas horrorosas passam exalando um cheiro não convidativo. O povo não para de se servir. 
Olho desesperado o horário de embarque. Dane-se, levanto, educadamente me despeço. Saio do espaço VIP, ninguém em volta e sinto uma felicidade sem fim com o silêncio civilizado que me cerca. Desço a escada rolante e não posso acreditar na paz que encontro entre os normais, os não VIP. Meu gate é lá no fundo, passo por cadeiras cheias, pequenas filas nos restaurantes e cafés, mas em silêncio ou com vozes baixas. Não era o casal com as duas filhas, mas a algazarra geral de toda fina área VIP, falando alto, alguns aos berros. Chego ao meu gate, ainda restam uns poucos lugares para sentar, mas me sento com a paz tão desejada no chão. 

O avião está lotado. A aeromoça avisa que o voo vai lotado, que 10 passageiros não conseguiram embarcar, overbook. Bem próximo senta um casal com um bebe. Inicio uma reza para que ele durma durante a longa viagem. Pouco depois entra outra mãe com duas meninas pequenas, uma de uns 5 e a outra de uns 3 anos. Ai, ai, por favor que ninguém meta a boca no trombone durante o voo. Mais para trás no meu corredor senta uma menina obesa grave, bem grande. Ajeita-se no assento do corredor, ajeita-se, porque seu corpo não entra no assento, não senta, coloca-se de lado, torta,, perna invadindo a passagem de todos, fazer o que? No meio da viagem nos encontramos e conversamos, ela sentada no pequeno espaço da porta de emergência alongando. É delicada, simpática, boa conversa, tem histórico de embolia na família e está bem assustada com o longo voo. Eu digo que também não consigo me ajeitar no assento. A aeromoça diz que são um novo projeto. Que ótimo, me dói a bunda e a coluna, não me lembro de ter feito uma viagem tão mal acomodado.

Chegamos. Saímos do avião, subimos o finger e no corredor um grupo de policiais para a todos e manda que mostremos nossos passaportes. Nunca vi isto. Tumulto dos exaustos. Finalmente livres para seguir em frente. Mais outra barreira, tira tudo que é metálico, coloca computador e tudo mais numa caixa, passa pelo detector de metal e raio X, e passo. Atrás de mim mandam alguém voltar e voltar e voltar, a máquina apita sempre, já sem sapatos voltar novamente, para o apito, começa a revista de toque, mão passando por todo corpo. Olho feliz que não fui eu, desta escapei. 
Dois passos a frente tenho que apresentar passaporte, explicar minhas intenções por estar ali. Mais uma vez livre para a conexão, gate 21. Gate 21, gate 21, gate 21, sigo sem problemas as intermináveis "praca" e chego no gate 23. E o gate 21? Olho, procuro, ando para cá e para lá, passa um funcionário, pergunto e ele me leva por um invisível corredor, desço uma escada de filme de crime, ("Serei esfaqueado pelas costas?"), viro a esquerda e dou com uma pequena sala cheia. 
Nos chamam para o embarque que será realizado por ônibus. Como nos bons tempos da avião subimos para o avião numa escada; alguns degraus depois descubro que não exatamente. A escada nos leva a um finger, entramos no avião. Me avisam que está lotado, overbook, vão sobrar uns. Com bom atraso, resultado da pingada entrega dos passageiros por ônibus, decolamos.

Destino final finalmente aterrissamos. Mala coletada, paro na frente da máquina para comprar a passagem de trem para a cidade e ela não funciona. Vou para outra máquina, demora um pouco, consigo a passagem, pulo para dentro do trem que já parte. Por alguma razão me dou conta que não sei bem para onde o trem vai, pergunto para uma jovem mexicana se é o trem para a Estação Central. "Não". Chegamos, desço do trem, olho a placa, a menina que me respondeu pegou o trem errado. "O senhor sabe como volto para trás?" me pergunta ela.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

O espaço, a fronteira final; do carro, da bicicleta, da cidade

“O espaço, a fronteira final.
Estas são as viagens da nave estelar Enterprise,
em sua missão de cinco anos para a exploração
de novos mundos, para pesquisar novas vidas,
novas civilizações, audaciosamente indo onde
nenhum homem jamais esteve!”

O caminho do carro é a estrada, o da bicicleta são as ruas dos bairros. 
A ciclovia é a estrada da bicicleta. A vida das cidades está nos detalhes dos bairros
Como seria bom se os ciclistas pedalassem audasiosamente onde nenhum carro jamais esteve.

Mercedes, uma novela mexicana; desculpem, argentina.
Fim da novela:
Cheguei na casa do meu pai e a chave da Mercedes Bens não estava onde deveria. Desço e espero o santo Luciano, o rapaz que está ajudando meu pai ou a Mercedes, como queiram, a manterem-se funcionando, meu pai em suas eternas ilusões dele com seus brinquedos, e a Mercedes a pegar, funcionar e, por conseguinte, poluir o ar. 
Luciano demora, mas acaba chegando com a chave, dá partida e eu estou pronto para minha aventura, viajar audaciosamente para onde nenhum louco jamais dirigiu; esta é a sensação quando se dirige um carro velho parado a tanto tempo. Aldeia de Carapicuíba numa linda Mercedes que parece estar com Covid.
Escolho os caminhos mais vazios para sair de São Paulo, não quero atrapalhar ninguém caso a velha e bela Mercedes empacar. Tenho o contato guincho? O trânsito flui bem até encontrar três semáforos embandeirados na entrada da Rodovia Raposo Tavares. Travou! Merda! Desesperado para que volte a fluir fico olho grudado nos relógios do painel. "Por favor não morre, por favor não morre, por favor não morre..." e depois de intermináveis 20 ou 30 minutos de anda e para apavorantes, entro na Raposo Tavares livre. Warp speed! 50 km/h! Sigo angustiado: será que sobe? será que desce? será que freia? será que chego? Vou indo, indo, passo pela Polícia Rodoviária, não me param, ufa, ufa. Será que os documentos estão realmente no porta-luvas? 
Cheguei! cheguei! Paro a 200 metros do portão de entrada da casa onde entregarei e espero o Eduardo voltar para sua casa. Ele trocou o dia da entrega. Só saio daqui quando entregar esta máquina Klingon. Ele confirma que já está em casa, ligo a Mercedes, desço os últimos 200 metros até sua casa e no embalo subo a rampa da garagem. Não empacou! Ufa!
 
Finalmente, controlando a vontade de cair na feliz gargalhada, consegui entregar a Mercedes quatro portas 1984 branca de meu pai em seu destino semi-final, Carapicuíba, bem próximo de seu simpático centrinho histórico, a Aldeia de Carapicuíba. Lá será vendida e irá para novas paragens, com novo dono, nova família, ganhará vida. Mais de três anos tentando convencer meu pai a tirá-la da garagem e colocá-la a venda. 
Não faço ideia o que pode ser ficar 5 anos vagando pelo espaço sideral na Enterprise, mas sei como pode enlouquecer 20 km dirigindo uma Mercedes 1984 "de colecionador". Klingon?


A volta (a fuga)
Num último ato com a velha Mercedes abro o porta-malas e retiro minha bicicleta para voltar para casa. Belo e espaçoso porta-malas. Não se fazem mais porta-malas assim. Monto a bicicleta, agradeço muito Eduardo, é ele que vai cuidar de tudo daqui para frente, "preparar a noiva (leia-se a Mercedes) para o casamento (leia-se a venda)" segndo suas palavras. Um aperto de mão final e saio correndo, literalmente. 

Dias antes já tinha procurado caminhos alternativos à  movimentadíssima estrada. São todos acidentados, bem acidentados, a topografia digo, mas que alternativa, na Raposo Tavares é que não dá. Já pedalei nela é bem desagradável. Preciso de um treino "mountain bike", caminho alternativo que seja. 
Já na rua paro para uma última olhada no Maps e descubro que dá para simplificar o caminho. Logo a frente dobro a esquerda, entro numa rua estreita que despenca. Lá no fundo passo por uma favela, moradias simples há muito estabelecidas, gente tranquila conversando sentados na rua, pouco mais a frente por casas mais ajeitadas. Caminho mais reto e curto, sem quaisquer problemas, e logo dou na rua Vitor Civita, a reta final para voltar a São Paulo. Da paulistana Rio Pequeno para minha casa, baba! 
A rua Vitor Civita começa numa parede que subo pedalando a 5 km/h pulmão saindo pela boca, e temendo por outras do gênero mais a frente. "Se não morrer aqui, não morro mais". 
Para minha surpresa não há mais paredes, subidas "mata o véio!". O caminho segue suave e logo dou numa rotatória de acesso à Raposo a não mais que um km da Avenida Escola Politécnica.  Entro no posto de gosolina, vejo o Maps, mais uma quebrada e terminam os caminhos alternativos, fim de Raposo! Olho em volta, vejo um pedestre caminhando em paralelo à Raposo, pedalo até lá e tchau quebrada, vou pela calçada. Agora sim, a loucura da Raposo Tavares ficou para trás. Daqui para frente descer a Escola Politécnica.
  
Para meu total espanto cruzo a portaria dos fundos da Cidade Universitária 30 minutos depois de ter saído da casa de Eduardo. Achei que demoraria uma eternidade, que seria um sobe e desce interminável. Nada disto, foi baba, estou inteiro, o caminho alternativo foi uma delícia. Quem sabe um dia repita para comer umas empanadas na Aldeia de Carapicuíba. A última vez que fiz isto era tudo mato.

O seriado Star Trek tinha em seu texto de abertura "O espaço (pausa), a fronteira final (pausa)..." uma metáfora para o que há de melhor para quem pedala: descobrir caminhos desconhecidos, novos bairros, novas gentes, vidas diversas. Mais que descobrir um mundo novo, rompi meus medos.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Árvores, mudas de árvores, da depredação à preservação

Um belo dia veio a público o projeto "Um milhão de árvores" a serem plantadas em São Paulo, iniciativa da Secretaria de Verde e Meio Ambiente do Município de São Paulo então sob o comando do respeitado Werner Zulaif, aliás, o mesmo que fez andar o Pró Ciclista, a primeira ação oficial da Prefeitura para estimular o uso das bicicletas. Isto foi durante a administração Paulo Salim Maluf. 
E rapidamente começaram a pipocar mudas plantadas pela cidade, ou pelo menos nos bairros que eu circulava, que não eram poucos. As mudas novinhas eram protegidas por uma estrutura triangular de metal com o nome do projeto e assinatura da SVMA. E quase tão rápido quanto as belas e promissoras mudas eram plantadas eram automaticamente danificadas ou mortas pela população. 
Dentro da Prefeitura dizia-se que o projeto não ter dado certo foi em razão das mudas serem pequenas, que no futuro deveriam ser plantadas mudas maiores, como realmente aconteceu. Não eram tão pequenas assim, bastava respeito. Do que foi plantado bem menos de 10% sobreviveu a depredação, cresceu e virou árvore, a maioria foi partida ao meio, pisoteada ou arrancada do solo, dava muita raiva.

Como mais ou menos na mesma época eu saia por aí plantando mudas, muitas delas menores, mais frágeis e sem a proteção das plantadas pela SVMA, e que a maioria das que plantei cresceu e chegaram a virar árvores adultas, guardo o direito de acreditar que a depredação contra as mudas da SVMA se deu porque eram árvores do Maluf. Tem muita gente que pensa da mesma forma. 

Nunca entendi e sigo não entendo como não conseguem diferenciar o que é uma árvore plantada do que é o mais que pertinente protesto contra Maluf; que aliás diga-se de passagem foi muito mais 'discreto' do que deveria ter sido. 
Teve quem afirmasse que era coisa do povo da periferia, bla bla bla..., o que pode ser, mas...  não cola muito. Interessante lembrar que vi muitas mudas mortas em ruas que praticamente só passava a "zelite" e seus funcionários, de quem duvido mesmo que fossem capazes de tal selvageria. Tem umas outras indicações que servem de apontar a responsabilidade para outras paragens.

Lembrei desta história porque tenho que plantar mudas que estão no meu jardim e está difícil encontrar um local. Na época do projeto "Um milhão de árvores" buraco pronto para plantar mudas era o que não faltava. Na época cometi um erro grosseiro, que agora sei, e plantei muito abacateiro. Na avenida Faria Lima entre o Shopping Iguatemi e a rua Sampaio Vidal enchi o canteiro central de abacateiros, iucas e mais umas poucas de outras espécies. Os abacateiros foram substituídos pela SVMA por árvores de aparência (para um leigo) semelhantes e hoje sombreiam a ciclovia. As iucas desapareceram. Sim, lembrei, plantei seringueiras, que também foram retiradas e com razão, já que são extremamente agressivas e destroem tudo em volta. 

Devo ter umas 10 mudas de sibipiruna prontas para serem plantadas. Até tinha encontrado uns buracos prontos para elas na Av. Pedroso de Moraes, mas quem cuida oficialmente dos canteiros foi mais rápido e já plantou. Fico híper feliz.
A Praça Silveira Santos, vizinha ao Clube Alto de Pinheiros, aquela que fizeram de estacionamento, é uma das minhas escolhidas. Peguei duas mudas e fui plantar e fiquei furioso. Debaixo de uma fina camada de terra esta um cascalho ou restos de construção. É foto comum. Triste.

Uma reportagem no SP1 comemorou os bons resultados do projeto Verdejando. Fico feliz que tenha caído a ficha do pessoal que uma árvore é uma árvore e que não tem porra nenhuma a ver com um político, que por sua vez é um político. Tudo pela ideologia pode criar 'pequenas e discretas distorções'. 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

A Mercedes Bens 320 1984: brinquedo a venda

Cazzo, justo hoje e agora está chovendo. Só pode ser piada. Tenho que pegar a Mercedes. Que Mercedes? A Mercedes que é o brinquedo de meu pai. "Brinquedo?" Sim, brinquedo, já foi um carro, um modo de transporte, mas agora é um dos seus brinquedos prediletos, se não for "o" predileto.  


Meu pai tem 91 anos e sua vida foi um correr atrás de novidades, modernidades, engenhocas da moda, por assim dizer brinquedos, não necessariamente brinquedos em si, mas coisas que preenchessem os vazios de seu ser. Nada diferente da média mundial, a bem da verdade nem de mim, mas sou um ano luz mais controlado, meus olhos não brilham frente a uma vitrine. No caso da Mercedes quatro portas branca 1994 houve e segue havendo uma dose dupla, tripla, "por favor mais uma dose", de carga emocional não controlada e a bendita (para ele) Mercedes está parada na garagem faz mais de 2 anos; ou mais. Coitada da Mercedes!
Tudo o que não se pode fazer com qualquer máquina, incluindo carros de boa qualidade, vide Mercedes, é deixar parada, se uso. Ele até pediu ajuda ao Leonardo que vira e mexe sai para dar uma voltinha, mas muito pouco até para uma Mercedes. A esta altura de sua idade meu pai não dirige mais, sei é muito dolorido para quem aos 6 anos, sim, seis anos de idade, foi pego pela polícia dirigindo o carro de seu pai a pedido dele, meu avô. O policial foi atrás de um carro que não tinha motorista, melhor, tinha, mas era tão pequeno que não se via de fora. 
O correto, o sábio, o sensato, seria e continua sendo vender a Mercedes, mas falar sobre isto era acender o pavio de uma discussão sem fim. "Você não gosta de carros" diz ele para mim em tom de ironia pesada.

Milagre, milagre! a Mercedes tem que ser levada para a venda! Não acredito! É bom aproveitar e sumir com ela em nome do correto, o sábio, o sensato, e que Deus me ajude!

Levar a Mercedes, levar a Mercedes, levar a Mercedes, e noites mal dormidas. Sou eu quem a vai dirigir pela estrada afora bem sozinho levando o carro do vovozinho... Pesadelos, mais pesadelos. Vou ficar no meio da estrada? Bom, ela chega até a estrada? Não será colocá-la num guincho mais sábio? Por favor meu Deus, lei de Murphy longe de mim. O freio vai funcionar até lá? A Polícia Rodoviária vai parar? A documentação está em dia?

- O carro está ótimo! afirma definitivo meu pai. E vai qualquer um questionar qualquer coisa! "A Mercedes está perfeita!" Upa!!! 
Bom, pelo menos o Luciano, aquele que socorre meu pai ou a Mercedes, já não sei bem, diz que o carro está bem e chega sem problemas em seu destino final, na casa do vendedor de Mercedes, 30 km de viagem. Ok, acredito no Luciano, mas entreguei o carro dou meia volta e saio correndo, ponto final, e nunca mais toco no assunto com quem quer que seja, se Deus quiser.
 
Como veem a situação é difícil. Já citei um monte de vezes o nome Dele, Deus, e neste caso vou continuar citando. Não sou destas coisas, não peço ajuda aos Céus, mas o caso demanda, ô! como demanda!
E continuo a não dormir bem. Ao fechar os olhos penso nos caminhos, ligo a luz, pego o celular para olhar o mapa mais de uma vez. Será que minha bicicleta cabe no porta?

Acordo cedo, tomo café da manhã e saio pedalando para a casa de meu pai pegar a Mercedes. Hoje é o dia! Pedalo um pouco e começa a chover. PQP! começamos mal. Para a chuva e sigo em frente revisando cada um dos passos desta manhã calma de domingo. Estou tendo uma aula magna de ansiedade. PQP! Pelo menos não chove mais. 

Subo ao apartamento de meu pai e pego a chave. Abaixo a ansiedade. Garagem, lá está ela, Mercedes, a bem da verdade linda, imponente.

Não pega. Está velha, tem lá suas manias, só liga na mão de seu cuidador. Estou sentado nela procurando no Google uma reza brava para motores de Mercedes que não ligam, mas nada. Quiospi! Liga querida, liga, por favor. Dou beijinhos na lataria fria. Nada! Que Gerda! Parece que ela não quer deixar seu dono, sua vaga, sua casa, deve estar tendo um caso com Luciano. Ela sabe que eu a acho bonita, a bem da verdade é reconhecida como um dos carros mais lindos já produzidos, um clássico, mas não liga, ponto final.  
Vou sentar na mureta e olhar o canto dos pássaros. Dado um tempo para ela se desafogar, se este for o caso, e paro para mais uma tentativa; e nada. Não vou descarregar a bateria. Que liguem, meu pai ou o Leonardo, e quando ligarem me avisem que eu levo. 
Última ação do dia, tiro a bicicleta do porta malas, monto, desconecto a bateria, devolvo a chave pendurando no gancho da porta do apartamento e me vou. Meu pesadelo não termina hoje.  

Mando mensagem ao meu pai avisando que o carro não pegou, mensagem escrita, ele está surdo. Óbvio que ele ligou para mim e também óbvio que não ouvi, e ele sabe que normalmente não consigo ouvir. Óbvio que se tivesse atendido ele não entenderia uma palavra do que eu falaria, mas não ouvi, portanto não atendi, por conseguinte óbvio que tudo indica que ele, meu pai, ficou ofendido porque não atendi. Conversa de loucos.

Monocle



À Rádio Eldorado:
Por estar escrevendo um texto sobre a qualidade de revistas especiais, no caso - https://monocle.com/magazine/ - me lembrei da minha chegada no aeroporto Charles de Gaulle, 2012, quando num corredor estavam penduradas enormes 'homenagens' a mulheres cientistas premiadas, o que me deixou profundamente emocionado e com uma inveja sem tamanho do que acontece lá fora. Acabo de descobrir que o prêmio oferecido pela UNESCO com apoio da https://www.fondationloreal.com/ é oferecido também no Brasil. Dez anos depois! Ninguém fala uma palavra.

Fiquei hospedado num apartamento no Rio e procurando o que ler dei de cara com umas revistas Monocle que nunca tinha visto e sequer sabia da existência. Lá fora há público para revistas que falem sobre assuntos ou abordagens fora da imprensa para o grande público. É uma delícia lê-las, descobrir realidades que sequer imaginamos nestas paragens.
São escritas para um público que se interessa pelo que acontece no mundo além das besteiras do dia a dia, mas que não tem interesse em discursos fechados ou intelectualizados. Uma coisa é leitura gostosa com outras visões com outras abordagens, algumas mais profundas, outra é chato escrevendo para impressionar outro chato. De vez em quando me vejo neste mundo de chatices. De vez em quando é ótimo.

Achei as capas bem bacanas, puxei da estante, ao pegar na mão chamou atenção o peso das Monocle, resultado da gramatura do papel, o que custa caro. A programação visual das páginas é limpa, clássica e moderna ao mesmo tempo, com fotos e ilustrações bem definidas. Não é uma revista é uma revista-arte, mas tangencia a ideia. 
Já o conteúdo... não me impressionou tanto, pelo contrário, fiquei um pouco decepcionado. Tem um ou outro artigo interessante, mas no geral... bobagens triviais, de qualquer forma é bem gostosa de folear.
Procurei a origem, quem edita, e não encontrei. Imagino que seja a revista servida na primeira classe da Swiss Air. Nas páginas finais tem produtos a venda com preços, o que é típico de avião; enfim, tem cheiro de revista de avião.

A carta do editor "Por que os hoteleiros não podem escolher o que os ajudou a construir seus negócios em primeiro lugar, em vez de mudar para pior?", tem como subtítulo "O que eles tentaram fazer naquele recanto não tem nada a ver com a história daquele lugar e está errado". O texto é sobre a volta da equipe da revista para um hotel próximo de Nápoles que foi reformado e perdeu as características que o fizeram ser o bom negócio que sempre foi em uma modernização inapropriada. 
No meio da confusão que estava no apartamento do Rio, com gente falando em volta, li o texto sem a devida atenção e o que me levou a imaginar os hotéis que são construídos em belíssimas áreas ambientais, algumas protegidas por lei, que é justamente o que os faz serem bons negócios, mas no final acabam destruindo a belíssima natureza que fez sua fama e sua rentabilidade. 
Mais tarde, com calma e silêncio me volta acabei relendo o texto do editor da Monocle dei com uma outra questão: a frequência com que aqui no Brasil em vez de consertar ou modernizar com o devido cuidado se destrói ou deforma o que é bom e tem muito futuro.
Tereza sempre cita a belezura que era a velha Pindamonhangaba hoje completamente deformada pelo que chamam de modernidade. Das casas coloniais e da virada do século resta quase nada. Joinville, uma poesia de cidade com tradições alemãs, foi brutalmente e continua sendo descaracterizada. O que fizeram com as nossas praias é uma barbaridade. A última vez que estive em Cambuquira, sul de Minas, Circuito das Águas, vi modernizações e confesso que tenho muito medo que se perca o singelo art déco de sua época de ouro. E assim vamos. 

Revistas dirigidas para um público especial como esta são relativamente comuns fora do Brasil. É fácil encontrá-las em bancas de jornal ou livrarias.