domingo, 12 de fevereiro de 2023

O espaço, a fronteira final; do carro, da bicicleta, da cidade

“O espaço, a fronteira final.
Estas são as viagens da nave estelar Enterprise,
em sua missão de cinco anos para a exploração
de novos mundos, para pesquisar novas vidas,
novas civilizações, audaciosamente indo onde
nenhum homem jamais esteve!”

O caminho do carro é a estrada, o da bicicleta são as ruas dos bairros. 
A ciclovia é a estrada da bicicleta. A vida das cidades está nos detalhes dos bairros
Como seria bom se os ciclistas pedalassem audasiosamente onde nenhum carro jamais esteve.

Mercedes, uma novela mexicana; desculpem, argentina.
Fim da novela:
Cheguei na casa do meu pai e a chave da Mercedes Bens não estava onde deveria. Desço e espero o santo Luciano, o rapaz que está ajudando meu pai ou a Mercedes, como queiram, a manterem-se funcionando, meu pai em suas eternas ilusões dele com seus brinquedos, e a Mercedes a pegar, funcionar e, por conseguinte, poluir o ar. 
Luciano demora, mas acaba chegando com a chave, dá partida e eu estou pronto para minha aventura, viajar audaciosamente para onde nenhum louco jamais dirigiu; esta é a sensação quando se dirige um carro velho parado a tanto tempo. Aldeia de Carapicuíba numa linda Mercedes que parece estar com Covid.
Escolho os caminhos mais vazios para sair de São Paulo, não quero atrapalhar ninguém caso a velha e bela Mercedes empacar. Tenho o contato guincho? O trânsito flui bem até encontrar três semáforos embandeirados na entrada da Rodovia Raposo Tavares. Travou! Merda! Desesperado para que volte a fluir fico olho grudado nos relógios do painel. "Por favor não morre, por favor não morre, por favor não morre..." e depois de intermináveis 20 ou 30 minutos de anda e para apavorantes, entro na Raposo Tavares livre. Warp speed! 50 km/h! Sigo angustiado: será que sobe? será que desce? será que freia? será que chego? Vou indo, indo, passo pela Polícia Rodoviária, não me param, ufa, ufa. Será que os documentos estão realmente no porta-luvas? 
Cheguei! cheguei! Paro a 200 metros do portão de entrada da casa onde entregarei e espero o Eduardo voltar para sua casa. Ele trocou o dia da entrega. Só saio daqui quando entregar esta máquina Klingon. Ele confirma que já está em casa, ligo a Mercedes, desço os últimos 200 metros até sua casa e no embalo subo a rampa da garagem. Não empacou! Ufa!
 
Finalmente, controlando a vontade de cair na feliz gargalhada, consegui entregar a Mercedes quatro portas 1984 branca de meu pai em seu destino semi-final, Carapicuíba, bem próximo de seu simpático centrinho histórico, a Aldeia de Carapicuíba. Lá será vendida e irá para novas paragens, com novo dono, nova família, ganhará vida. Mais de três anos tentando convencer meu pai a tirá-la da garagem e colocá-la a venda. 
Não faço ideia o que pode ser ficar 5 anos vagando pelo espaço sideral na Enterprise, mas sei como pode enlouquecer 20 km dirigindo uma Mercedes 1984 "de colecionador". Klingon?


A volta (a fuga)
Num último ato com a velha Mercedes abro o porta-malas e retiro minha bicicleta para voltar para casa. Belo e espaçoso porta-malas. Não se fazem mais porta-malas assim. Monto a bicicleta, agradeço muito Eduardo, é ele que vai cuidar de tudo daqui para frente, "preparar a noiva (leia-se a Mercedes) para o casamento (leia-se a venda)" segndo suas palavras. Um aperto de mão final e saio correndo, literalmente. 

Dias antes já tinha procurado caminhos alternativos à  movimentadíssima estrada. São todos acidentados, bem acidentados, a topografia digo, mas que alternativa, na Raposo Tavares é que não dá. Já pedalei nela é bem desagradável. Preciso de um treino "mountain bike", caminho alternativo que seja. 
Já na rua paro para uma última olhada no Maps e descubro que dá para simplificar o caminho. Logo a frente dobro a esquerda, entro numa rua estreita que despenca. Lá no fundo passo por uma favela, moradias simples há muito estabelecidas, gente tranquila conversando sentados na rua, pouco mais a frente por casas mais ajeitadas. Caminho mais reto e curto, sem quaisquer problemas, e logo dou na rua Vitor Civita, a reta final para voltar a São Paulo. Da paulistana Rio Pequeno para minha casa, baba! 
A rua Vitor Civita começa numa parede que subo pedalando a 5 km/h pulmão saindo pela boca, e temendo por outras do gênero mais a frente. "Se não morrer aqui, não morro mais". 
Para minha surpresa não há mais paredes, subidas "mata o véio!". O caminho segue suave e logo dou numa rotatória de acesso à Raposo a não mais que um km da Avenida Escola Politécnica.  Entro no posto de gosolina, vejo o Maps, mais uma quebrada e terminam os caminhos alternativos, fim de Raposo! Olho em volta, vejo um pedestre caminhando em paralelo à Raposo, pedalo até lá e tchau quebrada, vou pela calçada. Agora sim, a loucura da Raposo Tavares ficou para trás. Daqui para frente descer a Escola Politécnica.
  
Para meu total espanto cruzo a portaria dos fundos da Cidade Universitária 30 minutos depois de ter saído da casa de Eduardo. Achei que demoraria uma eternidade, que seria um sobe e desce interminável. Nada disto, foi baba, estou inteiro, o caminho alternativo foi uma delícia. Quem sabe um dia repita para comer umas empanadas na Aldeia de Carapicuíba. A última vez que fiz isto era tudo mato.

O seriado Star Trek tinha em seu texto de abertura "O espaço (pausa), a fronteira final (pausa)..." uma metáfora para o que há de melhor para quem pedala: descobrir caminhos desconhecidos, novos bairros, novas gentes, vidas diversas. Mais que descobrir um mundo novo, rompi meus medos.


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