Quando criança era dia de festa quando íamos ao aeroporto levar ou esperar alguém. O segundo andar de Congonhas tinha um terraço obrigatório para ver a pista, as decolagens, os aviões, o pessoal embarcar ou desembarcar. Vinha um trator trazendo uma escada com rodas, encostava lentamente no avião, a porta se abria, e desciam ou subiam os passageiros. Fechadas as portas eram ligados os motores, um por vez, com uma ruidosa explosão e muita fumaça. A hélice espalhava pelo ar forte o cheiro da farta fumaça dos motores a pistão enchia todos de alegria; o avião ia partir.
O aeroporto nunca estava lotado, voar era para bem poucos, coisa de gente com dinheiro mesmo. Cada passageiro festejava sua viagem com alguns de sua família, alguns apaixonados por aviões, e funcionários e trabalhadores, este era o público do aeroporto.
Quando começou a popularizar voar lá fui eu todo orgulhoso. Aeroporto ainda tranquilo, alguma fila para o check in, nada muito demorado, a espera para o embarque, bom espaço nas poltronas, o barulho dos motores a jato ligados, nada de fumaça, a reta da pista, aceleração e voar. Como é boa a sensação. Os novos passageiros sentiam-se importantes, gente diferenciada.
Hoje prefiro a Rodoviária do Tiete. Muito mais tranquila e organizada.
Chegamos depois de um trânsito pesado, abre uma vaga e o táxi consegue estacionar, demos sorte. Pego as malas com rodinhas entro no imenso e cheio saguão, gente empurrando malas para todos lados. Um pouco a frente vejo a primeira fila de check-in descomunal que vai e vem num zig-zag do qual gentilmente se entra depois da recepção feita por uma agitada, sorridente, mas visivelmente exausta funcionária da companhia. Minha fila não é esta nem a próxima, ainda tenho que caminhar um tanto. Quanto tempo vou demorar no meu enfadonho zig-zag? Enquanto fico entalado entre os passageiros da interminável fila vou fazendo alongamento para meus pés, joelhos e coluna não doerem, será uma viagem longa, antes, durante o voo e depois, ao chegar no destino final.
Chega minha vez, o atendente do desk pega minhas malas, imprime meu boarding pass e sorrindo deseja boa viagem. Próxima etapa: embarque. Colocar tudo em caixas, passar pelo detector de metal e o raio X. Mais a frente Polícia Federal. Livre para a área de embarque; uma caminhada por dentro do Free Shop e chego ao gate, cheio. Meia volta para a área VIP em busca de um lugar para sentar e ter um pouco de paz. Pago, entro, cheio, difícil encontrar lugar, sento; respiro fundo. Não para de entrar mais e mais gente. Sentam nas poltronas vizinhas dois casais com duas filhas vestidas iguais em calças rosas e camisetas brancas. O pai fala alto, conversa alto, da seguidas broncas em sua filha mais alto ainda. Para se acalmar começa a encher o caco com vinho tinto. Traz para a filha uma pequena porção de macarrão, era uma camiseta branca, a pequena mesa, o chão e o sofá tem macarrão por todos lados. O pai dá bronca, a mãe segue no celular, não é com ela. A amiguinha da filha também fica vermelha e espalha vermelhos ao sugo por todas as partes. Eu queria paz, a coitada da funcionaria da limpeza mais ainda. No pula pula das duas derramam um copo de água, volta a santa da limpeza, exausta, cara de quem quer explodir "meus filhos são (pobres, mas) muito mais educados". Mesmo quando as duas famílias fazem silêncio o barulho geral é alto, desagradável, o espaço é pouco para tanta gente. Pratinhos com comidinhas horrorosas passam exalando um cheiro não convidativo. O povo não para de se servir.
Olho desesperado o horário de embarque. Dane-se, levanto, educadamente me despeço. Saio do espaço VIP, ninguém em volta e sinto uma felicidade sem fim com o silêncio civilizado que me cerca. Desço a escada rolante e não posso acreditar na paz que encontro entre os normais, os não VIP. Meu gate é lá no fundo, passo por cadeiras cheias, pequenas filas nos restaurantes e cafés, mas em silêncio ou com vozes baixas. Não era o casal com as duas filhas, mas a algazarra geral de toda fina área VIP, falando alto, alguns aos berros. Chego ao meu gate, ainda restam uns poucos lugares para sentar, mas me sento com a paz tão desejada no chão.
O avião está lotado. A aeromoça avisa que o voo vai lotado, que 10 passageiros não conseguiram embarcar, overbook. Bem próximo senta um casal com um bebe. Inicio uma reza para que ele durma durante a longa viagem. Pouco depois entra outra mãe com duas meninas pequenas, uma de uns 5 e a outra de uns 3 anos. Ai, ai, por favor que ninguém meta a boca no trombone durante o voo. Mais para trás no meu corredor senta uma menina obesa grave, bem grande. Ajeita-se no assento do corredor, ajeita-se, porque seu corpo não entra no assento, não senta, coloca-se de lado, torta,, perna invadindo a passagem de todos, fazer o que? No meio da viagem nos encontramos e conversamos, ela sentada no pequeno espaço da porta de emergência alongando. É delicada, simpática, boa conversa, tem histórico de embolia na família e está bem assustada com o longo voo. Eu digo que também não consigo me ajeitar no assento. A aeromoça diz que são um novo projeto. Que ótimo, me dói a bunda e a coluna, não me lembro de ter feito uma viagem tão mal acomodado.
Chegamos. Saímos do avião, subimos o finger e no corredor um grupo de policiais para a todos e manda que mostremos nossos passaportes. Nunca vi isto. Tumulto dos exaustos. Finalmente livres para seguir em frente. Mais outra barreira, tira tudo que é metálico, coloca computador e tudo mais numa caixa, passa pelo detector de metal e raio X, e passo. Atrás de mim mandam alguém voltar e voltar e voltar, a máquina apita sempre, já sem sapatos voltar novamente, para o apito, começa a revista de toque, mão passando por todo corpo. Olho feliz que não fui eu, desta escapei.
Dois passos a frente tenho que apresentar passaporte, explicar minhas intenções por estar ali. Mais uma vez livre para a conexão, gate 21. Gate 21, gate 21, gate 21, sigo sem problemas as intermináveis "praca" e chego no gate 23. E o gate 21? Olho, procuro, ando para cá e para lá, passa um funcionário, pergunto e ele me leva por um invisível corredor, desço uma escada de filme de crime, ("Serei esfaqueado pelas costas?"), viro a esquerda e dou com uma pequena sala cheia.
Nos chamam para o embarque que será realizado por ônibus. Como nos bons tempos da avião subimos para o avião numa escada; alguns degraus depois descubro que não exatamente. A escada nos leva a um finger, entramos no avião. Me avisam que está lotado, overbook, vão sobrar uns. Com bom atraso, resultado da pingada entrega dos passageiros por ônibus, decolamos.
Destino final finalmente aterrissamos. Mala coletada, paro na frente da máquina para comprar a passagem de trem para a cidade e ela não funciona. Vou para outra máquina, demora um pouco, consigo a passagem, pulo para dentro do trem que já parte. Por alguma razão me dou conta que não sei bem para onde o trem vai, pergunto para uma jovem mexicana se é o trem para a Estação Central. "Não". Chegamos, desço do trem, olho a placa, a menina que me respondeu pegou o trem errado. "O senhor sabe como volto para trás?" me pergunta ela.
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