sexta-feira, 29 de abril de 2022

Papa cumple 90 años

Quiospi! Papa cumple 90 años.

Olho para a tela e dou risada. Não consigo escrever. Sigo ouvindo os 11:04 m da genial In My Time Of Dying do também genial Physical Graffiti do Led Zeppeling. Dou risada com a letra. 

Devo ser politicamente correto ou incorreto nesta "data querida"? 
Pela manhã falei com Suzana que tem uma mãe com a qual tem bons e maus momentos e sem a censura que o telefone fixo permite, se não estiver grampeado, demos boas gargalhadas comentando nossos relacionamentos com os pais.

Tenho que terminar qualquer coisa aqui antes do Kashmir, versão ou retrabalho mais divertido, intenso e trabalhado que Boloro de Ravel, a música preferida de meu pai. Até gosto do Bolero, mas paro por aí. Prefiro Quadros em uma Exibição com regência visceral, mas vez em quando vai Bolero quando toca na rádio, mui raramente. Bolero de Ravel de rachar mesmo foi o que vi e ouvi na frente do Mappin, centro de São Paulo, tocado por um sanfoneiro, de arrepiar, mas aposto que o velho iria torcer o nariz, seguir seus passos e sequer considerar a genialidade como uma heresia. Inegável que ele conhece música assim como é inegável que é taurino, e ponto final.

Fim de música.

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Pensamentos perdidos sobre turismo e cidades no Brasil - parte 1

Esta foto foi tirada na Estação Central de Trem de Milão, que é monumental, impressionante, só vendo pessoalmente para entender e acreditar. A foto foi tirada aproximadamente às 14:00 de um dia de semana na área de embarque. No meio da área de trânsito o povo fica esperando seus trens parado olhando o placar de partidas e chegadas sob e próximo aos arcos que dão acesso do hall central e a área de embarque. Quem chega tem dificuldade para sair até porque ninguém se mexe mesmo com um delicado por favor dito. Dane-se quem precisa passar.
Não me lembro deste tipo de confusão nas estações de trem ou aeroportos de Paris, Amsterdam, Londres, NY e outras. Berlim me impressionou muito com o grau de organização social que este tipo de situação demanda. 
A bagunça é causada pelos turistas? Em parte. A organização espacial não é boa? A Estação Central de Milão é descomunal, espaço não falta. A sinalização é mal posicionada? Igual a qualquer estação de trem. A bagunça é resultado de uma cascata de situações que extrapolam a área de espera de uma estação de trem ou terminal.

Estou escrevendo enquanto tomo café da manhã. Atrás de mim estão sentadas mãe e filha. As duas acabam de se levantar e passar por mim. O cheiro é inacreditável, forte, azedo. Deus, ó Deus, em teu amor supremo dai um banho nestas tuas filhas e fazei, em nome de tua glória, que lavem estas roupas! Mal cheiro dispersa aglomeração? Estas duas com certeza. Elas são simpáticas, comunicativas. Ninguém é perfeito.

O  dono de uma loja de brinquedos em Milão conversou longamente sobre as diferenças entre sua cidade e Roma. Segundo ele, os milaneses tem senso coletivo, fizeram um grande esforço para organizar a cidade, cuidam, mantém, o que, segundo ele, não acontece da mesma forma em Roma. O senso de propriedade dos cidadãos explica em parte. "Esta é minha cidade!" Milão é a cidade das feiras, congressos e convenções, reflexo dos cuidados que todos tem com ela. Caminhar por suas ruas é um prazer, mesmo em locais distantes da área turística; aliás vou dizer, nos bairros é mais agradável que no meio dos turistas. 

A confusão na área de embarque da Estação Central de Milão reflete a bagunça típica dos italianos? Itália funciona bem, mesmo com algumas situações que se pode chamar de bagunça. Milão é muito bem organizada, não se pode chamá-la de bagunçada, definitivamente não. Creio que o problema esteja em que os turistas compram a ideia de que na Itália algumas regras podem ser quebradas, o que é verdade.   
 
A Rodoviária do Tiete é grande e funcional, uma referência. Quando foi construída saltaram críticas de todos lados pelo seu tamanho. Com o tempo mostrou-se muito melhor e mais agradável que os aeroportos da cidade, e olha que no Tiete circula um público maior e teoricamente mais complicado que nos aeroportos.
Uma rodoviária é de todos e não é de ninguém, como se diz sobre a coisa pública no Brasil. 

"Suíça é um porre, mas tudo funciona" deixa a pergunta sobre o custo \ benefício que se tem que pagar numa sociedade para que a vida coletiva flua com um mínimo de qualidade. Remete a um questionamento mais profundo: o que se entende por qualidade. Qual é o ponto de equilíbrio que não leve a uma chatice tão grande que induza ao suicídio ou ao assassinato? Os maiores índices de suicídio estão nos países organizadíssimos, tipo os nórdicos e Japão. Não faço ideia do que acontece na Suíça. Sobre altos índices de mortes violentas nós, brasileiros, não precisamos buscar referências. 

Por lei a cidade tem que estar em completo silêncio depois das 21:00 h. Uma amiga vivendo em Zurique recebeu a visita da educada polícia porque ligou a máquina de lavar roupas no porão da casa depois disto. Absurdo? A normalidade é um bairro inteiro não dormir por causa de um bar aberto ou até um pancadão?  Tem meio termo, claro que tem, qual meio termo esta é a questão? Ou a opção coletiva. 
"Suíça é um porre!" ouvi inúmeras vezes. Eu não acho. Também não acho exagero uma bagunça de vez em quando.
Na estradinha que subia os Alpes para Zermatt tivemos que parar o carro para esperar que dois funcionários da estrada varressem umas terrinhas e folhas do asfalto. Bernard parou sem reclamar, esperou conversando até que recebeu a permissão de seguir viagem; agradeceu e fomos. Não tinha cone, bandeirinha, funcionário acenando com a mão, não precisava porque todos respeitavam o limite de velocidade e a distância entre os carros. Para mim, brasileiro, foi um choque e uma lição de vida.

Impossível esquecer minha perplexidade ao ver a roupa branca do açougueiro de Bern, Suíça. Foi em 1976 quando aqui ainda se vendia carme pendurada sem refrigeração por todas partes. Garanto que nem os médicos no Brasil usavam avental tão branco e imaculado. Limpeza, higiene, e outros cuidados são atos civilizatórios por que além de ser saúde preventiva que diminuem brutalmente custos, são fatores que estimulam muito o senso de coletividade para o bem comum. O avental ali não poderia estar de outra forma.
Zurique mudou, não é mais a mesma. A primeira vez que estive lá, em 1976, era uma cidade suíça. Hoje é uma cidade suíça com pitadas de ares globalizados. Gostaria de me aprofundar para saber no que esta globalização influenciou a organização social de uma cidade de tradições tão rígidas.  
Na Suíça tudo funcionava e segue funcionando como um relógio, suíço é lógico. A questão é hoje vivemos com um Swatch, suíço é lógico, mas de outros princípios. O tradicional relógio suíço virou artigo de luxo e os bancos não recebem mais dinheiro de origem duvidosa. Mudou todo jogo. Mudaram as cidades. O que pode, deve, o que não pode, não deve mudar? A qualidade não pode induzir ao suicídio; liberdade não é qualquer coisa que desestabilize a vida de todos cidadãos. Há um meio termo, melhor, o meio termo está aí, mas nos recusamos a vê-lo, aqui no Brasil por pura comodidade. 

Em Funchal, Ilha da Madeira, assim como em Las Palmas, o prazer foi caminhar com toda tranquilidade pelas ruas silenciosas, limpas, organizadas, seguras, poder tirar fotos com o celular despreocupadamente, cruzar as ruas sem se preocupar com o trânsito que para suavemente. Se vê cadeirantes, idosos velhos, sim idosos que de tão idosos são velhos, crianças pequenas, algumas que ainda cambaleiam em curtas corridas, pessoas com sérias deficiências de mobilidade, passando para lá e para cá sem preocupação de tropeçar ou cair em um buraco estúpido. O piso é em pedra portuguesa com ricos e precisos desenhos, o mesmo tipo de calçamento que tínhamos em boa parte do Brasil e que ninguém mais sabe fazer ou manter. Muito de vez em quando se vê um defeito, um quebrado, um remendo mal feito, mas a sensação que se tem é que não vão durar muito, que alguém logo consertará. Não vi um policial sequer.
A rua comercial de Funchal é agitada, cheia de gente caminhando, fazendo compras, sentadas conversando ou sós, sem grandes barulhos, uma ou outra criança ou adolescente quebrando a paz discretamente. Cheia de lojas, mas sem cartazes ou outros chamarizes que quebrem a construção da tranquilidade local.
Volto para o calçadão largo em frente a uma das praças mais lindas, talvez a mais linda que vi em minha vida, impecavelmente arborizada e ajardinada. Sento em uma das muitas mesas dos cafés dali, peço um misto quente e um suco de laranja e se quiser posso ficar horas ali simplesmente olhando o que passa sem ser importunado por ninguém, sequer pela garçonete. Passam madeirenses e turistas de todas origens, pesos, idades, muitos com peles bronzeadas, uma benção para está saindo do inverno rigoroso da Europa. Poucos americanos, praticamente nenhum chinês, e uns minguados e discretíssimos russos que falam baixinho para não serem identificados. Na mesa em frente tem um senhor mais ou menos de minha idade com pescoço e cabeça careca cor de pimentão - literalmente. Quando vi fiquei assustado. Pela cara de feliz dele vê-se um prazer completamente despreocupado e provavelmente esquecendo uma possível dor. Uma delicada menina inglesa vai de braços dados com seu namorado mostrando suas pernas de pele lisa e leitosa que em seus 20 anos de vida, se tanto, provavelmente nunca viram sol, nem debaixo do suave vestido de pano leve e discretamente florido. E aí vão os contrastes.

O calçamento entre o porto e as proximidades do centro de Gênova são precárias. A mala de rodinhas vai aos pulos. Cuidado para não terminar com os dentes no chão. Em vários pontos tenho que parar para esperar que os pedestres que vem passem ou não passo com a mala. As lojas são feias, algumas sujas. O trânsito passa correndo. Mais me aproximo do centro, melhor fica a calçada, mais silenciosa a rua, mais limpas as construções, mesmo assim a diferença para o calçamento de Las Palmas e Funchal ainda é grande. Vou pensando quando estas aparentemente simples diferenças das calçadas influenciam na qualidade de vida, nos ganhos, na estabilidade social, no uso do espaço público. Devem haver pesquisas, números, comparações, gostaria de ver para entender.
Dias depois penso que a preservação de trechos com calçamento irregular e aquela aparência faz parte da estratégia de venda da Gênova histórica, ou seja, dinheiro de turistas. Sem dúvida também é resultado da via elevada que acompanha todo porto. O que quer que seja, funciona com estratégia. Todo mundo adora e vive as vielas estreitas e o entorno da área histórica do porto. Para os turistas um prato cheio. O calçamento ruim entre o porto e o centro que não é longe fica como um alerta para da próxima vez o turista pegar um táxi, parte essencial da estrutura econômica da cidade. A mesma estratégia é usada na área de embarque da monumental Estação de Trem de Milão?  

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Cidade: a única saída para nossa profunda crise

O economista Afonso Celso Pastore e mais outros lançaram um documento de propostas para o Programa de Governo de Moro sobre o que fazer para o Brasil sair do moto perpétuo, melhor, mortos perpétuos que nos metemos. Não li o documento completo de 144 páginas (detalhes neste artigo da Folha), mas as linhas gerais são boas. Já dá para entender que não trata sobre como tirar nossas cidades do caos que estão, nem é a área de expertise do Professor Pastore, como é respeitosamente chamado por todos, e dos outros economistas que assinam a proposta.

Mesmo as nossas cidades mais bem resolvidas tem uma sensível discrepância de qualidade vida quando comparadas às cidades padrão do mundo. Eu ia dar como exemplo as cidades da Europa e Estados Unidos, mas me lembrei de Stambul e outras cidades Turcas que comparadas às brasileiras nos fazem passar vergonha. Lembrei porque a economia Turca é muito menor que a nossa.

Funchal, Ilha da Madeira
Nossa colonização foi portuguesa portanto a princípio deve ser tomada como nosso parâmetro. Estive em Portugal faz uns anos e fiquei impressionadíssimo com a qualidade de vida que eles tem. Agora estive em Funchal. Não dá para comparar com nossas cidades. Vão dizer: entrou dinheiro pesado da Comunidade Europeia. Ok, sim, entrou, mas definitivamente não é só isto. Há um respeito pelo urbano que definitivamente não temos.

O Estado de São Paulo é um dos pontos mais ricos do planeta. O Município de São Paulo é mais rico que a maioria dos países, mesmo assim a qualidade da cidade é baixa. Não falo da qualidade pontual, de um bairro, de uma rua, avenida, mas da cidade como todo. O interior de São Paulo é riquíssimo mesmo assim alguns problemas que se veem nas boas cidades paulistas interioranas são patéticos, são fruto de pura esculhambação, imediatismo insensato, do pensar e agir no sentido que a coisa pública não é de ninguém. Cidades tórridas sem arborização. Bairros inteiros murados. Lixo e entulho. Calçadas ruins, quanto tem calçada. Guarulhos, uma das 10 maiores arrecadações deste país, tem um dos índices mais baixos de coleta e tratamento de esgoto deste mesmo Brasil. 
Valência, Espanha
A situação de nossas cidades tem nome e sobrenome: Efeito da vidraça quebrada. Lá fora cuida-se para que não quebre e quebrou consertou imediatamente. Aqui... diz o ditado: O problema não é meu. A coisa pública não é de ninguém. A cidade não é de ninguém.

Por diversas razões, mas principalmente pelas diferenças humanas, é praticamente impossível chegar a uma cidade igualitária, mas o que não se pode ter é cidades com diferenças tão acentuadas, criminosas até, como as que temos aqui no Brasil. Em qualquer cidade minimamente civilizada até nos bairros mais pobres você encontra parques, áreas de lazer e esportes. Aqui não.

Os dois primeiros pontos da "Pesquisa de percepção em 79 cidades europeias" da Comissão Europeia que avalia a qualidade de vida urbana falam sobre satisfação da população com sua cidade. Se for feita uma pesquisa destas aqui provavelmente o grau de satisfação será aceitável ou bom, resultado do mais completo desconhecimento de outras realidades, do que realmente é uma cidade com qualidade de vida. Incluo aí a maioria dos que tem dinheiro, escola e universidade que viajam para fora mais preocupados com as compras, os presentinhos, a confirmação de que estiveram no exterior ou com cumprir a agenda corrida da excursão para voltar e dizer com orgulho entre amigos "Eu conheci".

Repito, a referência de brasileiro sobre "cidade" é pífia, para dizer o mínimo. O resultado está aí.

Esta na cidade a saída de nossa perene crise. Não é através de grandes obras, de projetos mirabolantes, maquiagens, mas resolver definitivamente os eternos problemas de nosso dia a dia. Ter uma casa com chão varrido e paredes limpas já faz uma enorme diferença no bem estar e na moral dos moradores e visitantes. Se a área de convívio for melhorada todos os outros índices sociais e econômicos vêm juntos, melhoram, é líquido e certo.

Urge reverter o "eu quero o meu agora". A vida numa boa cidade ensina a coletividade, com ela o progresso. Cidades são coletivas. É o individualismo exacerbado que mata nosso futuro.

Faz mais de 20 anos Miguel Reale Júnior ficou furioso quando fui falar com ele sobre a questão das bicicletas e ciclistas trabalhadores no Brasil. Achou o assunto irrelevante, interrompeu minha fala encerrando a conversa, e não ouviu que urgia resolver problemas jurídicos que afetavam a vida de quase 1/3 da população brasileira da época, a imensa maioria trabalhadora de baixa renda, um dos focos do brilhante trabalho que ele próprio desenvolve. A palavra bicicleta não fez o menor sentido para ele, jurista renomado e respeitadíssimo, assim como a palavra cidade é página amassada e ilegível no dicionário das peças chave de nossa macro política nacional. 
Como tenho um bom caminho rodado nesta história afirmo que já ouvi muita coisa até de urbanista sério e respeitado completamente desconexo da realidade. "Meu umbigo é lindo!"; exerga só o próprio bairro e acha que aquilo é a definição da sua cidade.

A cidade não é analisada e discutida a sério por que grande parte da população não tem tempo para isto. Trabalham para comer, dormir e quando possível ter alguma diversão. Para os manda chuva que estão aí é bom que assim seja ou acreditam que perderão espaço. Burrice ou mediocridade, sei lá.

Acertar a qualidade de vida na cidade tem exatamente o mesmo valor de ter qualidade na escola básica. Sem educação de qualidade, sem futuro; simples assim. O mesmo para a cidade. 

PERCEPTION SURVEY IN 79 EUROPEAN CITIES
QUALITY OF LIFE IN CITIES

TABLE OF CONTENTS 
INTRODUCTION 
MAIN FINDINGS 
I. PEOPLE’S SATISFACTION WITH THEIR CITY 
1. Overall satisfaction 
2. Satisfaction with infrastructure and facilities of the city
2.1. Public transport
2.2. Health care services
2.3. Sports facilities
2.4. Cultural facilities
2.5. Educational facilities
2.6. Streets and buildings
2.7. Public spaces
2.8. Availability of retail shops
II. PEOPLE’S VIEWS ABOUT THEIR CITY
1. Employment opportunities
2. Housing situation
3. The presence and integration of foreigners
4. Safety and trust
5. City administrative services
III. ENVIRONMENT
1. Air quality
2. Noise level
3. Cleanliness
4. Green spaces
5. Fight against climate change
IV. PEOPLE’S PERSONAL SITUATION
1. Life in general
2. Place where people live
3. Financial situation of household
4. Personal job situation
V. MOST IMPORTANT ISSUES FACING CITIES
ANNEX - List of cities and technical specifications

quarta-feira, 20 de abril de 2022

No Brasil, assustado com as notícias

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Mingau quente se come pelas bordas. Acabo de voltar de férias, liguei para a ver as notícias e desliguei logo em seguida. Faz muito que não tenho mais dúvida que o nosso buraco sempre pode estar mais embaixo ainda, e infelizmente pelos poucos minutos que vi está bem muito mais em baixo do que no mês passado quando deixei o Brasil. A cada palavra sobre a política nacional fica a certeza que para a maioria dos políticos e todos que tem interesses pertinentes só vale seu próprio bem estar. O "Sabe com quem está falando?" é coisa passada, hoje desnecessária. Para eles o Brasil não existe. O poder de alguns parece a cada dia maior, mais intocável, numa soberba que explode em fogos de artifício. Os minutos de notícias ligadas que ouvi voltaram a pergunta que eu e milhões de brasileiros se fazem: como frear esta loucura generalizada? Mingau quente se come pelas bordas em colheradas bem pequenas.
Minha viagem começou com um cruzeiro Santos - Gênova no MSC Seaside onde um grupo pequeno de brasileiros autodenominados ou realmente juízes, desembargadores e advogados enfiaram dedo em riste na cara do comandante, autoridade máxima e inquestionável dentro da embarcação, e comandaram uma tentativa de motim tentando cooptar inclusive a tripulação, movimento infrutífero que se seguiu a algumas isoladas ameaças. A única saída para este Brasil é comer lentamente o mingau fervendo pelas bordas, soprando e conversando muito antes de colocar na boca. O que aconteceu nesta viagem do MSC Seaside parece uma quirela, mas definitivamente não é, é o mesmo mingau fervente que nos queima a boca e o futuro de todos brasileiros. Deveria ser investigado pelas autoridades brasileiras competentes e pela OAB, já que o nome e a dignidade de nosso Judiciário foram postos a mesa. Não vai acontecer porque o corporativismo impera. Não vai acontecer porque aceitamos. Não ouso fazer a pergunta "até quando?" porque é letra morta. A perigosa baderna causada pela prepotência de alguns dentro do MSC Seaside desaparecerá como desaparecem todas ditas insignificantes anomalias que nos levam a esta barbárie que vivemos.  


De volta ao Brasil e com bom presságio

Em praticamente todas minhas viagens para o exterior meus últimos momentos de férias, aqueles no aeroporto a espera do embarque, sempre foram ponteadas por alguma bagunça de brasileiros. Já aconteceu de tudo, desde nossa internacionalmente conhecida conversa em voz alta ponteada com gargalhadas até o atraso da decolagem do avião em razão do excesso de bagagens da tropa brasileira.

Para não ficar dizendo que só brasileiro faz destas, a melhor, ou pior, como queiram, foi num voo da Aerolineas Argentinas num 727 para Buenos Aires. A algazarra dos argentinos dentro do avião enquanto colocavam as maletas, Mickeys enormes de pelúcia, sacolas, caixas e outras bugigangas no porta bagagem de mão, aquele em cima do assento, foi tão grande, tão sem noção, que por trás de mim surgiu o comandante do avião soltando um urro "Ou vocês param com esta mierda ou coloco todos "boludos" (idiotas) para fora do avião" e continuou esculhambando com recheio de palavras, digamos assim, impróprias para aquele mesmo comandante que uns 20, 30 minutos depois em voz calma comunicou "Senhoras e senhores passageiros, agora que alguns passageiros se acalmaram podemos decolar". 

Nosso comportamento pode ser 'um pouco bagunceiro', mas está muito longe de inúmeras histórias que ouvi de argentinos.  O sul do Brasil que frequentemente os recebe que o diga. Não é regra, mas um fato mostra o tamanho da confusão. Que me lembre foi na década de 80 que o Governo Argentino anunciou aos quatro ventos e em todos órgãos de comunicação, para todos argentinos tomarem pleno conhecimento, que não mais repatriaria qualquer argentino que criasse problema ou gastasse até o último centavo no exterior ficando sem condições de comprar a passagem de volta. Outro sinal do comportamento indesejado deles, já me pediram mais de uma vez para só falar português e evitar falar porteño, o castelhano típico de Buenos Aires e redondezas. 
  
O embarque desta viagem que terminou ontem foi surpreendentemente tranquilo. Com exceção de um rapaz e duas brasileiras que foram convidados pelo gerente a se retirar do café no gate 58 do Aeroporto Malpensa de Milão. Estava na fila, vi uma funcionária do café expresso falar alguma coisa no pé do ouvido do gerente que estava no caixa, pediu desculpas com "Já volto", largou tudo e muito bravo e gesticulando pediu que os três pegassem suas coisas, incluindo café e croissant, e se retirassem. O rapaz ainda tentou argumentar, mas saiu. Fora esta passagem, o comportamento dos brasileiros que iriam embarcar foi tranquilo, tão tranquilo que acabei percebendo. Mesmo na grande confusão que se formou minutos antes na pré fila para passar as malas pelo raio X, e toca confusão, a única manifestação mais exacerbada foi dos pais de uma família italiana que decidiu dar uma de esperta e furar a fila; para fila leia-se tumulto. Zero ordem. 

Em Miami, 1990, cruzei a porta automática e dei de cara com um saguão vazio. Chequei cedo, como de costume, vinha com duas bicicletas na caixa, a primeira Specialized M2 que chegou no Brasil e uma Signal feminina de presente para Teresa, mais minha mala. Na época não havia restrições para bagagem. Fiz o check up com uma senhora gorda que me atendia cansada, fala mansa, muito cordial, até que ela levantou os olhos, parou tudo, jogou a caneta sobre os papeis soltando um "Oh God!" furioso. Olhei para trás e vi um casal com dois filhos passando pela porta automática e atrás deles um carrinho equilibrando oito, sim, 8, malas jumbo, que nem sei se continuam sendo fabricadas de tão grandes. Quem empurrava o carrinho, um funcionário do aeroporto, teve dificuldades para fazer o enorme volume passar pela porta automática. A senhora que me atendia terminou os procedimentos, me entregou passaporte e passagem e disse apontando onde deveria embarcar. Atrapalhado que sou pedi mais explicações e ouvi "Siga os gritos" que eram bem audíveis. Foi fácil encontrar. Eram brasileiros festivos, vamos dizer assim. O avião atrasou mais de uma hora. O comandante comunicou que "devido ao grande volume das bagagens temos que reposicionar toda bagagem para podermos decolar". A lotação era de brasileiros voltando da Disney. Estava na janela sobre a porta de bagagens e vi tudo ser retirado do bagageiro e reposicionado. A M2 foi atirada ao asfalto, como tudo mais, por funcionários que até dentro do avião se podia perceber furiosos. 

domingo, 17 de abril de 2022

eu, meu, não, para!; quero ser rico.

"Eu? Meu; não, pára!; Quero ser rico, não quero trabalhar!" Mais que palavras, esta é a definição de uma pessoa que conheço. Não, é a definição de várias pessoas que conheço. Não, não, não; é a definição desta sociedade que estamos vivendo.    

A repetição de algumas palavras ditas por uma pessoa é caminho seguro para saber sem engano quem ou o que é esta pessoa. A pessoa em questão demonstra em palavras individualismo, boa dose de egoísmo e insegurança. Todos selfies não mentem. E vitrines, Ferraris, Porsches, Teslas, bebidas, baladas, times de futebol...  "Isto é meu e ninguém bota o dedo!" Eu, tu, ele, nós, vós, eles.

Nem precisa ouvir, conversar ou conviver com a pessoa para chegar a algumas conclusões, basta olhar. O fascinante do nosso zoológico, o humano, é que as variações são sutis, quase infinitas, mas se repetem, são fáceis de identificar. Não importa se estão vestindo a mesma marca de roupa, se querem pertencer ao mesmo grupo social, se vem de uma cultura semelhante, o genético de cada um define traços de carácter que fazem do mesmo aparente algo completamente diferente. E no fundo igual. Adorei a frase de um tio: Não dormi debaixo da cama deles para saber como é (no caso o relacionamento).
Pau na periquita, somos todos iguais.

Entendo a boa intensão do politicamente correto, já ouvi intelectuais, especialistas, palestras e discussões sobre o tema, concordo com boa parte do que dizem a favor, mas aprendi muito com o politicamente incorreto, principalmente no que diz respeito ao que não está aparente. 

Não resta dúvida que politicamente correto está inserido no efeito boiada. Construir uma sociedade melhor sem dúvida é uma boiada das boas, só resta saber se nesta pastagem de capim verdejante, sombras de árvores e água para beber não cairemos no matadouro. 

Meu corpo é uno, mas meu funcionamento não é. Minha língua só não arde inferno porque o diabo se diverte com ela. E só não morri com raio na cabeça (do pau, que deve ser pior, muito mais dolorido) porque Deus sabe que na hora "h" não costumo falhar. Sou fiel a respeitar e seguir princípios politicamente corretos o que não me tira o direito de ser completamente desbocado. Benção Santo Chico Anísio, benção Santo Ary Toledo, benção Santa Dercy Gonçalves, benção Santo Agildo Ribeiro, peço a benção a todos os santos comediantes.

É lógico que quero ser rico. É lógico que quero tirar na loteria e não quero pouca merda. Infelizmente não tirei os $189.000.000,00 de Euros que ainda estão em jogo aqui na Itália. Se por piada um dia tirar a sorte grande que não seja pouco. A bem da verdade não faço a mais remota ideia do que vou fazer, ou talvez faça. Definitivamente quero continuar trabalhando. Definitivamente quero continuar pensando. Não consigo ficar insensível ao que vejo. Cada vez que faço um jogo questiono o que sou, sai muito mais barato e te deixa muito mais louco que uma psicóloga.  

"Eu? Meu; não, pára!; Quero ser rico, não quero trabalhar!"
O que é ser rico? O que é riqueza? Para que serve riqueza? Riqueza para quem? Para que? Este de quem ouvi a frase que gerou este texto se ficar rico vai definitivamente ficar pobre. Entenda como quiser.

Politicamente correto remete ao fortalecimento do que somos como zoológico humano, exatamente a mesma espécie de todo zoológico, de toda fauna, que é um câncer para o planeta, que a cada dia mais rapidamente leva todos, humanos ou não, a extinção. 
A verdade é que comparado ao jeito que era, melhorou, mas continua sendo e não pode continuar. Os diferentes são filhos de Deus, leia-se da bio diversidade deste planeta. Extingui-los em nome do tacanho é de uma pobreza infinita. Neste sentido bem vindo o movimento politicamente correto. Mas que não pare no humano. Aí será um selfie politicamente muito incorreto.


quinta-feira, 14 de abril de 2022

Como afastar ou cativar o público

Ao lado do vaso sanitário, na mesma posição onde deveria estar o papel higiênico, colocaram a caixa de sacos plásticos para embrulhar absorvente. Óbvio que assoei o nariz com o saco plástico, achei o papel higiênico (saco de absorvente) uma merda e fui na recepção do hotel reclamar. O resto não preciso contar.

O café da manhã de um outro hotel, bom e bem arrumado por sinal, tinha entre seus talheres uma faca que não cortava. Não é que cortava mal, não, simplesmente não cortava sequer uma banana. A faca tem o formato de uma faca, um discreto serrilhado de uma faca, mas é uma chapa em forma de faca com a borda quadrada, sem o acabamento de corte. Acabei cortando tudo com a colher.

De volta ao quarto descobri que a toalha escondia a caixa de papel higiênico. 
Na recepção me disseram que precisasse de uma faca que corta que pedisse para a garota que atendia no café da manhã e ela me entregaria.
Pequenos detalhes engraçados? Sim.  Erros estúpidos. Provavelmente fizeram alguns hóspedes pensarem duas vezes se voltam ou recomendam os hotéis em questão. 

Peguei um carro em Montreal e fui para Quebec. Estacionei o carro, andei pela bela Quebec e no fim do dia peguei a estrada de volta para Montreal. Segui as placas. Depois de muito rodar a estrada acabou uma loja de conveniência e um cotovelo de entrada de uma cidade pequena. Não entendi nada. Cadê Montreal? Parei, entrei na loja para tomar um café muito cansado, perguntei onde estava Montreal e o atendente, um rapaz magro, tranquilamente disse que tinha que voltar para Quebec e de lá ir para Montreal. "Como assim? Eu segui as placas (na saída de Quebec)". Calmamente o rapaz respondeu que muita gente fazia o mesmo erro. 

Em Bologna fiquei num hotel, grande, um dos maiores da cidade. O acesso ao estacionamento se faz por uma única rua, não há outra opção. Entrei e saí do estacionamento do hotel três vezes, portanto passei pela rua seis vezes. Meses depois recebi uma multa, repito, uma multa por "trafegar em rua de trânsito exclusivo aos moradores locais".  Em meu recurso confessei que tinha passado pela rua seis vezes. "O senhor deve pagar uma multa".  

Roma, Hotel Dei Borgognoni, hotel ótimo, na Via dal Bufalo, uma rua estreita de dois quarteirões meio escondida. O taxista não achou, ninguém sabia onde era, até que um senhor italiano apontou o dedo e disse "Lá". Pela dificuldade de encontrar o hotel jamais voltaria, aliás pela demora de encontra-lo quase parei em outro, mas pela ótima qualidade do atendimento no hotel é um dos meus preferidos. Volto sempre e recomendo para todos. Ótimo!

Na porta do café da manhã deste hotel que estou deixaram cair um chocolate no carpete e alguém que veio atrás pisou. Ficou parecendo que alguém tinha pisado em cocô de cachorro e continuou andando sem perceber. Fui até a recepção e chamei um dos atendentes que respondeu com um insolente "Eu? O senhor quer que vá até aí?" e olhou para dentro do escritório e disse para alguém que estava lá "O senhor (apontando para mim) quer que eu vá ver alguma coisa lá fora". Depois de um certo tempo quando ainda tentava evitar me acompanhar, veio e viu. Eu, para não perder a oportunidade, disse brincando que era merda de cachorro, dei meia volta e me fui. Ele ficou lá de olho arregalado para o carpete sujo e as consequentes pegadas. Quando voltei estava o mesmo atendente e mais dois funcionários do café da manhã olhando para baixo para saber o que era e o que fazer com aquilo. 

Ontem bateram a carteira de Tereza na H&M que fica na lateral do Duomo di Milano, uma grande loja de departamentos. E praticamente logo depois bateram a carteira de uma jovem alemã que estava acompanhada por outra Teresa também alemã. Juntamo-nos, falamos com o segurança que nos apontou o gerente da loja que atendia uma cliente. Conversamos com ele que deu uma de sabonete e na primeira oportunidade desapareceu. Logo depois desapareceram com o segurança também. Os dois já tinham deixado escapar que 'talvez' as carteiras fossem encontradas e que passássemos depois para ver se foram encontradas, o foi confirmado por outros funcionários. Saí a procura das carteiras e a primeira, da jovem alemã, encontrei no chão como nos foi dito perto da porta. A segunda foi encontrada pela jovem alemã Teresa um pouco mais adiante também próximo a porta. Pedimos para que fosse chamado o gerente da loja e nos fomos uns 20 minutos depois sem que ele aparecesse. 

Aqui em Milão ou Milano, paixão de cidade, tem um café, o Ungaro, de 1956, que cedo junta o pessoal que está indo para o trabalho. Fica do outro lado da rua do hotel onde estava hospedado e não pretendo voltar, dentre outras porque o café da manhã era ruim e servido por uma funcionária muito mal humorada. Estava incluído na diária, fui no primeiro dia. No segundo dia o café da manhã estava uma confusão. Saí do hotel para acalmar, vi o café do outro lado da rua, cruzei e entrei num lugar também confuso, mas
 acolhedor, cheio de gente simpática. Fui bem atendido, simples café (expresso, mas não ristreto) e croissant. Ah, e uma espremuta, ou um suco de laranja feito na hora. Sinto falta. Amanhã vou lá.

terça-feira, 12 de abril de 2022

Jornalistas, máquinas de escrever, revisores, prelo, e a mudança: Word

Não sou jornalista, mas para simplificar digo para os desconhecidos que sou. Amaria ser, mas não tenho o cacoete necessário, a mágica das perguntas certas, no momento próprio, e sou incapaz do texto certeiro de primeira. Muito menos de terminar a 'coisa' em 30 minutos. Não sou escritor, também, mas um dia quero tentar escrever um texto mais longo, quem sabe um livro. Minha primeira tentativa foi tão ruim que Deus, o Próprio, num ato de bondade queimou o computador com tudo mais dentro. Já estava na página 50 e tanto e pelo jeito nem o diabo quis ler, recusou-se até a queimar o HD no fogo do inferno alegando problemas ambientais.

Desde a primeira vez que vi um jornalista, jornalista da geração antiga, os de verdade verdadeira, fiquei com muita inveja. Não me lembro se foi na redação da Folha ou Estadão que paramos para perguntar algo para um jornalista que batia a máquina de escrever (o que hoje se diz "teclar") furiosamente um texto sem olhar para o teclado. Respondeu continuando a digitar o texto e ainda riu de minha cara de embasbacado.

O jornalismo daquela época era digitado com folhas específicas, laudas, que tinham uma marcação de 22 linhas e um número específico de toques. (Lauda: EDITORAÇĀO•ARTES GRÁFICAS - folha escrita com contagem de toques padronizada por órgão de imprensa ou editora, us. na elaboração de matérias jornalísticas e de originais de publicação.)

A definição do tamanho da mudança é simples: a mãe leva o filho para uma exposição, o pré adolescente para na frente de uma máquina de escrever mecânica e a mãe mostra como funciona. O moleque com olhos arregalados diz em voz firme, alegre e alta: "Nossa! Bacana. Você digita e ela imprime imediata e automaticamente! Nunca vi um computador destes." 

Quando se solta um texto numa máquina de escrever (mecânica ou elétrica) você tem que fechar o texto completo na cabeça antes de digitar ou vai ter que bater a máquina tudo de novo. Sim, tinha corretor, uma tinta branca grossa num vidro parecido com esmalte de unha, a bem dizer uma bosta. Para não ficar louco era bom não errar. Um cesto de lixo cheio de folhas amassadas era sinal inequívoco de profundo mal humor do escritor ou jornalista. 
Amassei muitas folhas. Usei muito corretor. E sobrevivi por que uns santos corrigiram erros grosseiros de meus textos que até hoje sou incapaz de perceber. Perco uma letra e demoro um século para entender porque a palavra fica vermelha (de vergonha). Mesmo assim escrevi, ou fui escrevido, palavra que não existe, mas cabe aqui.

E um dia consegui um computador com Windows 386. Que maravilha!
Os primeiros textos digitados no computador foram um parto, tive que reaprender a pensar e escrever. Nos acostumamos com o errado, o difícil, o chato, e a mudança para o prático não é assim tão fácil. Quem puxou com fúria a folha da máquina de escrever sabe como é. Word é uma baba. Erra, apaga imediatamente, sem branquinho, control Z e volta tudo, control C, control V... Brincadeira de criança, pensamentos soltos, que podem ser jogados de qualquer forma, não raro confusos. O pensamento estruturado e linear impositivo ao trabalho numa máquina de escrever de certa forma ficou para trás. Me pergunto qual o custo / benefício? Outra história - até no sentido de "história" literal. O que vivemos não mente.

Esta explicação acabou nascendo do texto que nunca fecho: Pensamentos perdidos sobre turismo e cidades no Brasil.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Tentativa de motim no cruzeiro MSC Seaside incluiu (ditos) juízes, desembargadores e advogados

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Diário de Pernambuco

Correio Brasiliense (Facebook)

Acabo de desembarcar do cruzeiro MSC Seaside sobre o qual foi divulgada uma confusão a bordo ocorrida em razão da não parada do navio, prevista no roteiro, em Tenerife. Um cruzeiro com 2.400 passageiros, sendo 1.800 brasileiros vindos das mais diversas regiões e com ampla diferença sócio-econômica, um ótimo mostruário do está acontecendo no Brasil. O que se viu foi deprimente. Um grupo enfurecido exigindo a parada em Tenerife juntou-se no lobby do navio, intimidando funcionários e assustando os presentes, invadiu e acabou aos urros um ótimo show no teatro lotado, dentre os urros um sonoro "É sobre meu dinheiro!", obrigaram presença do comandante do navio por duas vezes, o cercaram, interromperam sem parar sua fala enfiando o dedo em riste na cara dizendo que estava na presença de juízes, desembargadores e advogados. Felizmente a horda não conseguiu apoio da maioria dos passageiros, mesmo tendo um feito esforço de pregação com organização a beira do profissional. Não paramos em Tenerife. A viagem seguiu tensa, segundo vários tripulantes de uma forma que nunca sentiram. Vencidos, uns poucos revoltados seguiram agindo na tentativa sabotar a viagem. Instigaram tripulantes ao motim, falaram grosso, fizeram grosserias, comportando-se de forma bem pouco civilizada. Soube-se de um caso de agressão a tripulante. O exemplar treinamento de qualidade de atendimento MSC fez com que a assustada tripulação seguisse seu excelente trabalho conseguindo amainar a situação. Passageiros com prática de décadas de cruzeiro disseram nunca ter vivido situação sequer semelhante.
A comunicação da MSC pode não ter sido, e não foi, a melhor ou mais clara, mas absolutamente nada justifica o comportamento selvagem do grupo que teve todos tons de movimentos ensandecidos e incendiários, ditos sociais, impossível de justificar em qualquer situação. Como que em nome da moral e bons costumes tão em pauta no Brasil buscaram justiça para seus próprios direitos individuais (vale a hipérbole), ou seja, fazer compras na "tax free" Tenerife. Deram exemplo de extrema mesquinharia e de uma pobreza de educação sem fim. Alguns pediram desculpas depois, mas o mal já estava feito.
Pesquisas nacionais de alta qualidade realizadas por órgãos registrados na Justiça entrevistam um público de aproximadamente 1.800 pessoas, o número de brasileiros embarcados no MSC Seaside. O erro varia de 3 a 5% como todos sabem. O que se vi a bordo do MSC Seaside foi a maioria dos passageiros repudiando a baderna ocorrida. Espero que esta sensatez se repita nas próximas eleições ou o barco Brasil corre sério risco de inevitável naufrágio.
A saber, o comandante do navio em alto mar é a autoridade máxima e incontestável, qualquer idiota sabe disto. Também a saber, a maravilhosa Las Palmas, onde paramos e vizinha de Tenerife, também é tax free. E por pura ironia do destino encontrei a brasileira que urrou "É sobre meu dinheiro!" saindo de uma loja em Gênova dizendo "Eu sou brasileira e eles (italianos que a atenderam) que entendam quando digo obrigado". Cereja perfeita para o bolo azedo.

domingo, 3 de abril de 2022

31 de março de 1964 X 2018 - 2022

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Eu estava na casa vizinha à minha casa de infância quando a rádio tocou a musiquinha e fez o chamado de notícia urgente e disparou em voz grave que havia estourado a revolução... Eu tinha 9 anos e me lembro de ter corrido pela calçada aos prantos para casa onde fui aconchegado por minha mãe e Conceição. Só depois de muitos anos fiquei sabendo que era um 01 de abril de 1964, que por razões óbvias passou a ser conhecido como 31 de março de 1964, o ano do Golpe Militar, a ditadura. A imagem da minha corrida apavorante pela calçada nunca saiu de minha cabeça.
A Dentadura terminou em 1985, 21 anos depois, com a eleição indireta de Tancredo Neves, mas já estava acabada quando João Figueiredo, último Presidente dos militares, disparou "Prefiro o cheiro dos cavalos ao do povo", afirmação recebida com espanto até pelos apoiadores. Num espelho de um bar estava escrito em batom vermelho "Quem tem cu tem medo. Estou com Figueiredo", gozação de uma morte anunciada.  

Infelizmente não é o caso agora.
A queda do Ministro da Educação que teve sua foto estampada numa bíblia distribuída aos borbotões espero que seja o princípio do fim de quatro anos espantosos para quem tem um mínimo de consciência do que é um mínimo de normalidade. Nunca na história deste país se ouviu tantas e tão absurdas barbaridades, algumas simplesmente impensáveis.
O país está apavorado com a possibilidade de uma continuidade da ditadura do populismo, qualquer que seja. Faço questão de dizer que nestes meus 67 anos de existência nunca ouvi tantas maluquices sem sentido nem graça como as que estamos ouvindo nestes últimos anos. Tenho certeza que cloroquina não serve para estocar vento de terra plana, muito menos para voltar dentifrício para dentro do tubo de nossa família terrivelmente evangélica. A constante troca de ministros, secretários, assessores, e outros que cumprem o que ele manda nos diz que o mundo, um LP arranhado, gira e o populismo rode. Kafka está rebolando de inveja na tumba. 

Esta década passada nos deixou terra arrasada. Enquanto ucranianos lutam com todas as forças para manter seu país, tudo indica que nós nos digladiaremos loucamente até chegarmos a mais completa misera imbecilidade. A esperança é a última que morre. Antes temos uma eleição. Portanto, juízo! 

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Mereço cartão vermelho?

Não paramos em Tenerife. "Quem não sabe perder jamais saberá ganhar" ensinamento de ouro. Tive mais tempo para conhecer Palmas de Gran Canaria e adorei. Ainda volto. 
Enquanto passeava tranquilo por Las Palmas o povo deste cruzeiro que foi para Tenerife teve que enfrentar uma hora e meia de ferry, chegar lá e dar com o despejo simultâneo de quatro cruzeiros, cidade e suas lojas lotadas, mais uma hora e meia de volta (pagos pela MSC).

Depois de toda a confusão aqui no navio achei que minha reação no teatro 'xingando' (xingando?) madames e distintos senhores de 'pobres' iria acabar em alguma confusão posterior. Para minha felicidade o máximo que aconteceu foi encontrar os finos, ricos e educados revoltosos olhando para mim com cara de espanto como estivessem vendo fantasma.

Este cruzeiro é um preciso micro cosmos do que é a classe média brasileira, média baixa, média média e média alta, com todas suas nuances e regionalismos. Tem sido uma experiência humana interessantíssima. Que conclusão se tira? Boa pergunta. No geral o pessoal é comunicativo e educado. As diferenças de formação e educação são sensíveis, mas a maioria se mistura cordialmente. Não se ouviu uma palavra sobre política, nem sobre a situação atual do Brasil. Mas teve a revolta, a tentativa de motim dos piratas que queriam chegar a Tenerife de qualquer forma para saquear as lojas imposto zero baratinhas, o motim do "eu quero o meu!" (celular). O navio não foi, mas eles foram e voltaram. Vitória! devem ter gritado. A definição da aventura até onde sei foi feita por uma aparente sacoleira que entrou esfuziante no restaurante e imediatamente lhe perguntaram como foi Tenerife:
- UM PORRE! respondeu alto para todos ouvirem, o grupo da mesa de onde veio a pergunta e os que estavam a mesas de distância.

Os funcionários que estavam presentes e viram o agressivo protesto do PST, Passageiros Sem Tenerife, no lobby e depois no teatro do navio dizem que nunca vivenciaram nada igual. Uns poucos da tripulação vão mais longe e dizem que nunca viajaram com um grupo de passageiros tão difícil. "Fizeram até reclamação dizendo que os tripulantes não estão sendo alimentados direito" entre outras histórias de insurgência. "Como podem dizer uma coisa destas se não tem acesso a nossa área (interna dos tripulantes)?" A confusão para a tripulação continua, é invisível, permanente e desgastante, reflexo do que é este nosso infeliz Brasil. A maioria dos passageiros não percebe.

E descemos em Las Palmas de Gran Canária, agradabilíssima. Pegamos um táxi e fomos para o centro velho, bairro em torno da imponente catedral de Sant'Anna. Da entrada da "igreja" sai uma senhora brasileira reclamando do "absurdo de pagar EU$ 3,00 por pessoa" para visitar a catedral. Expliquei que era para manutenção, fato comum em toda Europa, e que a falta desta "ajuda" é que fazia com que o patrimônio histórico brasileiro vivesse ruindo. Ela deu meia volta, pagou os ricos EU$ 3,00 e entrou.
Falta de cultura ou pensamento pobre?

Pobre, o que é pobre? Pobre é ofensa? Pobre de dinheiro ou de cabeça?
Tem alguma coisa muito errada onde e quando a palavra pobre é uma ofensa mortal. Ou onde dizer que o outro "não tem cultura" quase acaba na porrada.
 
Faz muito tempo descobri que xingar usando o vocabulário chulo popular e trivial, FDP, PQP, VTC e mais alguns clássicos, serve só como explosão de desabafo porque não toca tão fundo assim. O dia termina estranho se voltar para casa sem ouvir alguma gentileza do gênero. 

Um dia, cruzando a Av. Brasil, uma perua loira toda empetecada numa SUV das realmente caras olhos colados na telinha fez uma besteira grossa no trânsito. Ela estava de vidro aberto, ouviu meu "Ei!", desviou e, confesso com dor na consciência, que pelo seu jeito creio iria até pedir desculpas, mas fui mais rápido e dei um tiro certeiro que não consegui controlar: "Por que você não muda a cor da tintura do seu cabelo". A loira rodou uns metros, teve um espasmo de inteligência e a hora que ela se deu conta do que tinha ouvido quase desceu do carro para me bater, só não desceu porque percebi o estouro de fúria e fugi rabo entre as pernas.
Peguei na veia.

Em 1977 fui fechado por um Opala 6 cilindro de luxo, o chique da época. Por azar do motorista nos encontramos de novo no sinal fechado na esquina da sorveteria da moda da época, lotada. Ele estava com as janelas abertas e acompanhado por uma linda mulher. Parei na janela e com minha voz de megafone perguntei "Porque você não vende este carro e vai se educar na Europa?". A mulher e boa parte das pessoas conversando na calçada caíram na gargalhada. Ele queria morrer, derreteu para debaixo do painel.

Xingamento, ofensa, ou simples constatação? Mereço cartão vermelho?

Sem extravasar a civilização não teria chegado até aqui, isto é líquido e certo.