terça-feira, 27 de setembro de 2022

Entrega de manifesto para políticos ontem e hoje

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Entre 1986 e 2006 participei de um movimento de ciclistas e cidadãos que entregaram para praticamente todos candidatos a presidente, governador, prefeito e cargos dos legislativos, manifesto de pedidos sobre demandas dos ciclistas, pedestres e pessoas com necessidades especiais, só estes últimos pelo menos 15% da população brasileira. O que manifestávamos tinha começo, meio e fim, apontando a realidade (então desconhecida) e mantendo-se no possível, no factível e principalmente no urgente. Em alguns casos fomos bem recebidos, noutros fomos recebidos, houve quando encontramos portas fechadas. Algumas campanhas pediram que participássemos de algum ato de campanha, o que fizemos para marcar posição pela nossa causa, incluídos entre os nossos até quem votava no partido oposto. A prioridade era a causa, não nossas diferenças. O capotar sem consequências de Rita Camata pedalando no nosso grupo, com imagens publicadas em primeira página no Estadão, foi memorável. Boas épocas de uma luta à frente de seu tempo que demorou, mas passou a ser ouvida e trabalhada. Não chegamos a tudo que demandávamos, mas fomos ouvidos. As incongruências do Brasil de então eram muito menos intensas que as que temos hoje, as campanhas via de regra tinham um programa, propostas e projetos apresentados a público, e seus interlocutores no geral mostravam bom preparo e civilidade, até para dizer não. Bons tempos! Não é de hoje que entregar manifestos ou manifestar-se por uma causa complicou muito, quando não virou possível risco a integridade. O primeiro sinal de mudança dos tempos foi a quase 20 anos quando para receber um manifesto a candidata apareceu com seguranças com cara de "some daqui". O manifesto foi retirado de nossas mãos e imediatamente passado para um segurança e conversa encerrada, prenuncio do que vivemos hoje. O Brasil é feito de diferentes que mais que querer, precisam se manifestar o que é convenientemente obturado pelo "nós ou eles". O Brasil que não era para iniciantes daqueles tempos se transformou numa briga de foice obscura de intenções mui particulares. Manifestar-se virou terreno perigoso, quando não de alto risco.


Como curiosidade no passeio de bicicleta eu era o responsável pela Rita Camata (de amarelo segurando o braço dela). Por estar exausta pedalava com dificuldade. Avisei que iríamos parar no semáforo a frente e Rita estancou a mão no freio, capotando por cima do guidão, tombo sem consequências a não ser o susto. Dois dias depois fui até a central de campanha para pedir desculpas com medo de apanhar e fui recebido com festa. O tombo de Rita Camata havia saído em todos os jornais e o patético tombo havia dado um forte impulso a campanha.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Em quem vou votar

Eu tenho certeza EM QUEM NÃO VOU VOTAR, o que já um bom caminho andado. Fundamento esta certeza no que vi, li e ouvi, e principalmente sobre o que vivi nestes anos. O Brasil tem que sair desta imbecilidade, insanidade, total inconsequência que vivemos nestes últimos muitos anos. Definitivamente não quero mais presidentes que falam o que bem lhes venha à cabeça, seja frases incompreensíveis ou afirmações profundamente desrespeitosas e ameaçadoras metralhadas a esmo. Quero um presidente, melhor, um Presidente que mereça letra maiúscula, que fale pelo Brasil, não por si ou pelo seu grupo.

Já tenho praticamente toda a chapa formada. Certeza é o voto que darei para mulheres, tanto por serem mulheres quanto pela capacidade e preparo que elas provaram ter. 
Definitivamente nunca votei em cara de santinho estampada em propaganda política entregue nas ruas e espalhada no chão. Muito menos fiz minha decisão pela propaganda eleitoral de rádio e TV, que aliás me recuso a olhar ou ouvir, e se tivesse poder simplesmente proibiria. Já fiz escolha por debate político, mas hoje também considero tempo perdido porque ninguém apresenta números, realidades, propostas realistas.
"Nós não temos alternativa (que não seja um ou outro, Lula ou Bolsonaro)" dizem. Desculpe, mas nós temos preguiça de pensar o que é preciso fazer para melhorar nossas vidas, daí não darmos atenção a discussões sérias e fundamentadas, de novo, baseadas em dados e números reais.

Renata Falzoni para deputada estadual. Urge que as mobilidades ativas tenham um representante de peso na Assembleia Legislativa do Estado. É crucial que ela entre e de preferência com votação expressiva. Renata vem a décadas lutando pelos ciclistas e bicicleta, dentre outras lutas. Quem não conhece a história desta "luta" não sabe que a ideologia de Renata sempre foi bicicleta, pedalar, qualidade de vida, bem estar. Renata faz parte de um grupo que começou a gritar pela causa muito, mas muito antes desta nova e brava geração. Entre os da antiga tinha gente de todas ideologias e pensamentos, mas que na hora de trabalhar deixava de lado as diferenças e centrava esforços pela bicicleta e o direito de pedalar. O partido politico e ideológico de Renata sempre foi e continuará sendo a bicicleta, afirmo eu. 

Simone Tebete para Presidente, por ser mulher e principalmente porque no geral suas propostas são factíveis, sensatas e principalmente urgentes. Não tenho dúvida que para o Brasil sair do ciclo de insanidade que está a muito envolvido o caminho é deixar para trás o "eu ou eles" e caminhar para uma terceira via de política mais neutra, agregadora. Ciro Gomes poderia ser minha outra opção.

José Serra para estadual. Até saber de sua candidatura minha opção seria ou pela brilhante menina Tabata ou como segunda opção pelo Kataguiri, dois jovens políticos que mostraram qualidade, mas fico com o Serra pela sua experiência, que será absolutamente crucial para esta nova legislatura. "Mas o Serra foi pego pela Lava Jato" vão dizer. O currículo na política de Serra faz com que esta investigação seja minimamente estranha; por outro lado sua história de serviços e benefícios para o Estado de São Paulo e Brasil são frequentemente citados e elogiados até pelos adversários.

Como é que é? Ku Klux Klan, que foi levado na chacota como Cuscuz Klan? Não! Não ao desrespeito às mulheres, presidente da Fundação Zumbi dos Palmares racista, citação simpática ao nazismo, golpe, ao profundo desrespeito às religiões, a fé... Como é que é? Cristo armado? Armar a população, milícias... Não existe forma de votar ou apoiar este inominável e sua tropa que está aí. Aliás, malucos somos todos nós em ter permitido que fosse tão longe, muito além de qualquer nível de aceitação. As tentativas de justificar Bolsonaro são patéticas, até quando se coloca pelo olhar da própria direita. Pior ainda. Direita é uma coisa, os seguidores de Bolsonaro é outra completamente diferente. Misturar uma coisa com outra é ofensivo. 
Conheci pela vida muitas pessoas de direita que reconhecem os problemas deste país, pensam e agem com responsabilidade social, assim como estou farto de conhecer pessoas que se dizem de esquerda e suas ações não apontam para tal, exceto pelas próprias conveniências, conveniências no plural.

Governador do Estado: Bolsonarista não, ponto final. Haddad? Sou paulista, paulistano, nasci aqui nesta cidade, São Paulo, e adoro. A administração Haddad foi um desastre sem tamanho para o Centro de São Paulo, para dizer o mínimo. O que pretendiam, leia-se administração PT, estava correto; mas em razão da forma como foi feito o resultado foi um desastre que demoraremos décadas para corrigir. Haddad perdeu a votação até nos mais fortes redutos do PT em São Paulo, não é um forte sinal. Correr o risco de repetir o mesmo brutal erro no Estado de São Paulo? 
Governo do Estado: Rodrigo Garcia.   

Senador: Uma coisa está absolutamente clara: em bolsonarista não voto. Astronauta? Nem no mundo da lua. O que aconteceu com nossa ciência nestes últimos 4 anos é deprimente, algo nunca visto em nossa história. Precisamos de senadores preparados, não lunáticos.  
A distorção do nosso sistema eleitoral é tão grande que não sabia que não sabia que Aldo Rebelo, outro que até a oposição respeita, estava disputando a eleição. Meu voto a princípio deve ir para Edson Aparecido, mas dependendo da situação vá Márcio França. 
Não tivemos debate entre os candidatos, foram poucas as notícias sobre suas pautas, ou seja, fica a pergunta: quem são eles?

Outra surpresa foi ver uma bandeira sendo agitada com o nome de Marina Silva por São Paulo, sem sombra de dúvida alguém que não pode ficar de fora. Para estadual e federal já fechei e agora faço meus melhores votos que alguns nomes entrem e outros definitivamente não.

Tem tudo nas redes sociais? Minha reclamação sobre falta de notícias não é pertinente? Não tem no rádio e na TV. Internet e redes sociais trazem consigo uma série de distorções que são mais que conhecidas, isto quando são acessíveis.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Enfim a troca dos semáforos de São Paulo

São Paulo reclama
O Estado de São Paulo

vermelho em lugar do verde
Depois de um longo e doloroso empurra empurra parece que vamos ter em São Paulo um sistema semafórico que funcione. Depois de tantas lambanças passadas só vendo para crer. Li a matéria publicada no Estadão e terminei com alguma preocupação, não pelo custo, mas pela falta de esclarecimento sobre que tipo de sistema foi comprado. A importância da fluidez de pessoas e mercadorias vai muito além dos custos com a perda de tempo, tem uma relação direta com violência urbana, baixa produtividade, baixo rendimento escolar, agressividade social, doenças variadas, desenvolvimento urbano desordenado e principalmente com o estreitamento das perspectivas de um futuro promissor para a cidade em si.
Segundo a matéria o novo sistema vai dar fluidez para veículos e mobilidades públicas. Isto definitivamente não basta. Não houve discussão com a sociedade sobre o que se está comprando. Sistemas semafóricos podem ter vários níveis de inteligência e eficiência. O sistema básico dá fluidez aos veículos motorizados e pedestres. Os mais sofisticados fazem fluir por ordem transporte coletivo e pedestres, bicicletas, veículos de carga, motocicletas e automóveis particulares, analisando e dando respostas para o trânsito momentâneo e suas importâncias diferentes para a fluidez social e econômica da cidade. Cidades que já estão neste presente futuro têm sistemas altamente sofisticados que controlam a fluidez de cada um destes elementos e de todos juntos, elemento crucial para a tão desejada equidade.
É inacreditável que São Paulo, a cidade chave na economia do Brasil, não tenha atualizado, melhor, trocado todo seu sistema semafórico a décadas, quando toda esta porcariada que temos aí já se mostrava inviável para os interesses da população e da própria cidade. O custo econômico foi monumental. É responsabilidade direta da própria população termos chegado nesta situação patética que vivemos com centenas de semáforos quebrados / dia e uma cidade que se arrasta.

E aqui deixo algumas perguntas:
Onde ficará a central, ou as centrais, de monitoramento do novo sistema semafórico da cidade? Terá interface com as centrais da CET, como a da rua Bela Cintra, uma delas? Estas centrais serão modernizadas sob as custas de quem?
Quando se vai controlar o roubo de cabos de energia que alimentam os semáforos? Se vão conseguir controlar a partir de agora, como dizem, porque já não o fizeram? 
A quem interessou o caos que vivemos? 
Controlado o roubo de cabos qual a garantia que a fiação aérea não será derrubada por um caminhão ou galho de árvore desligando o futuro moderno sistema? 
Como será controlada a fluidez? Se for por leitura fotográfica o poder de multa aumentará de forma exponencial, o que a mim não desagrada, mas duvido que a população no geral aceite. Caso a fluidez continue sendo feita por sensores instalados no asfalto continuaremos correndo o risco que percam funcionamento ao primeiro buraco ou um simples golpe de machado. 
Pelo que entendi o principal, o sistema mais sofisticado, atuará na área do Centro Expandido. A cidade é um organismo vivo e deveria ser tratada como tal. O ideal é que se dê fluidez a todos pontos de trânsito mais complicados, mesmo os ditos periféricos ou mais distantes. Qualquer técnico de trânsito e principalmente os marronzinhos sabem que a velocidade de expansão dos congestionamentos é muito rápida, impressionante, e extensas áreas a quilómetros de distância são afetadas por um simples acidente ou quebra de semáforo.  
Perigoso pensar o novo sistema semafórico levando em consideração a cidade presente. Tem que ser levado em conta as áreas de interesse ou a especulação imobiliária. Sim, o trânsito é crucial para estruturação do desenvolvimento sadio da cidade. Exemplos contrários é o que não faltam.
Como será trabalhada a carga de trânsito das marginais Tiete e Pinheiros no novo sistema semafórico? Mesmo não tendo semáforos nas marginais, a pesadíssima carga de trânsito interfere no fluir da área central. 
Necessitamos uma sinalização fixa e móvel integrada ao novo sistema. Está no contrato?
Há um projeto atualizado para a troca dos atuais semáforos ou todos, incluindo os que não fazem mais sentido, continuarão onde estão? Serão instalados novos semáforos? Quantos? Quem define estas mudanças?
Qual a formação, o pensamento e a política de engenharia de trânsito que está sendo aplicada nesta mudança? Quem discutiu os aspectos técnicos, urbanos e humanos? Que eu saiba não foi a população, a maior interessada.
As perguntas não deveriam parar por aqui.

Tudo indica que tivemos o famoso "quanto pior melhor". O novo sistema, qualquer que seja, traz consigo o título de "smart city", o que quer que isto venha significar.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Quando as maravilhas do mundo digital dizem "não"

Tenho que fazer funcionar um tablet de uma prima que tem Alzheimer. Parecia simples até descobrir que ela esqueceu as senhas das duas contas que tem no Google. Uma foi relativamente fácil de recuperar, a outra está quase no terreno do impossível. Sem as senhas não consigo transferir os arquivos do celular para o novo tablet. 
Não é  a primeira vez que passo por esta situação. Tenho uma amiga que também fez uma confusão e pediu ajuda. Não consegui resolver e chamei uma fera no negócio, que da primeira vez num passe de mágica resolveu colocando tudo para funcionar, mas na segunda não. O irmão de minha amiga trocou o celular dela, aparelho e número, e aí não se conseguia mais certificar que a conta era dela mesmo. Dançou a conta de E-mail com todos os endereços e dados juntos.
Um dia, já faz tempo, cheguei no apartamento de um grande amigo e encontrei ele e o filho tentando corrigir um problema grave de funcionamento do computador. O pai sempre teve computadores, desde os primeiros dias que o "treco" apareceu, ou seja, sabe o que faz. O filho desde cedo já se mostrava um pequeno gênio no assunto. Os dois enlouquecidos porque não conseguiam resolver o mal funcionamento. Entrei e fiquei quieto sentado no meu canto, a bem da verdade me divertindo com a situação. O pai, meu grande amigo, sempre que eu fazia perguntas (ignorantes) sobre o mundo digital tirava um sarro da minha cara me chamando de imbecil, o que de fato e sem dúvida era, a bem da verdade continuo sendo, um pouco menos hoje, mas não tanto. A confusão dos dois na frente da telinha era grande com o pai furioso porque tinha que trabalhar. Estourei na gargalhada quando num dos acessos de fúria ele se auto declarou "imbecil". Fui posto para fora do apartamento e, expulso, saí as gargalhadas. Nossa amizade continua forte, afinal, imbecis unidos jamais serão vencidos.
Este texto já estava pronto na minha cabeça e foi catapultado pela ligação ontem de um outro grande amigo e pelo ótimo texto do Leandro Karnal "A vangarda do que nos aguarda", subtítulo "A tecnologia é uma máquina de exclusão etária. E um celular tocar sem pré-aviso no Whats é crime" publicado no O Estado de São Paulo / Cultura & Comportamento / C8 / 14 de setembro de 2022.
Meu grande amigo que ligou ontem conhece como poucos todos estes trecos da era digital. Na mão dele vi o primeiro computador, com sua tela pequena em tons de verde que precisava ser programada para funcionar, para mim uma mágica inexplicável. Ele ligou para perguntar se o número do novo celular dele aparecia no meu celular. O número não, mas o nome dele sim; portabilidade concluída. No meio da conversa disse, ou confessou, não sei bem, que está apanhando da Microsoft, desconhecida para ele que usa produtos Apple. Somos todos humanos.
O que tenho certeza é que este maravilhoso mundo digital pode ser excludente não só para idosos. Tudo funciona maravilhosamente bem até que você faz alguma coisa que o sistema não gosta ou não entende. Aí somos todos iguais. Ou seremos. Vivo dizendo para meus netos que um dia vão ficar velhos e também não vão enxergar as malditas minúsculas letrinhas do celular. "Você não precisa ler, basta falar (que o celular responde)" me dizem. Ri muito quando a besta ( querido neto) que me falou isto ficou rouco e o maldito sistema não reconheceu a nova voz dele simplesmente se recusando a funcionar. Admirável mundo novo. 

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Usos, costumes, adaptação, comodidades e padronização. Sensemaker

O texto abaixo é muito mais um bate papo onde jogo ideias, pensamentos que tive enquanto estava ouvindo ou lendo notícias variadas sobre como andam nossas cidades.

Qual é a ciência ou as ciências que estudam os usos costumes, adaptação, comodidades e padronização? A bem da verdade não sei exatamente, mesmo tentando imaginar quais possam ser. Uma coisa é clara, é um assunto complexo ligado a vários setores da ciência e cultura das áreas de exatas e humanas. Conclusões devem cruzar dados e informações para ter alguma assertividade.

A base de nossa sociedade está toda estruturada em usos, costumes, adaptação, comodidades, padronização, e porque não dizer vícios. Dependendo de como cada um destes fatores atua sobre a sociedade, portanto sobre seus cidadãos, que são indivíduos com suas peculiaridades, o caminho para o bem comum fica mais fácil ou difícil de ser percorrido. Muitas das soluções que estão sendo apresentadas nestes tempos de campanha eleitoral levam em conta o que mais convém dispensando fatores inconvenientes ou difíceis de explicar, o famoso "eu prometo que vou fazer...".
Resolver problemas demanda evoluir, adaptar ou detonar usos, costumes, comodidades e padronizações. O hábito de jogar lixo e descartar entulho na rua tem que ser detonado, por exemplo.

A maioria das necessidades que o animal bípede hoje conhecido como ser humano teve com o tempo se transformaram em comodidades, algumas benéficas por um determinado tempo, depois nem tanto ou definitivamente não mais. Muitas das necessidades básicas acabaram sendo repensadas para melhor resultado. É muito mais fácil criar animais que sair para caçar. É muito mais fácil pagar uma conta via internet que na boca do caixa. Tomar banho hoje em dia é regra, mas já foi visto como algo que fazia mal para a saúde.

A vida é um passar de chapéu, ou, nada se cria tudo se copia. Melhor diria, nada se cria tudo evolui. Evolução demanda tentativa e erro para se chegar a um conhecimento, a transmissão deste conhecimento e posterior educação e treinamento de todos para o futuro uso correto da novidade. Exemplo: qualquer criança, por mais pobre que seja, sabe acionar o Tik Tok, mas não entende a importância de manter a higiene coletiva cuidando da prevenção na saúde pública e individual. Jogar lixo na rua não é exclusividade dos pobres, mas infeliz mania da maioria dos brasileiros. Deveriam ser de conhecimento de todos, talvez o seja, mas não é aplicado, portanto não funciona. 
Quanto mais complexo for o bom conhecimento, mais difícil é vender a ideia para aplica-la. Edifícios altos espelhados têm, entre outros, dois graves problemas: são um crime contra os pássaros e mudam tanto a insolação quanto a ventilação do entorno, mas como ninguém consegue perceber estes edifícios são considerados lindos.

Fome, frio, calor, chuvas..., enfim, instinto de sobrevivência levou e segue levando a busca de soluções, que se forem boas se transformam em padrão ou não. É incrível que não se use técnicas de construção e uso de espaço coletivo para ter uma melhor condição de salubridade no interior das moradias. Ar condicionado segue como uma solução mesmo tendo se tornado um imenso problema de consumo de energia, portanto ambiental. Erro de posicionamento das janelas dificulta a ventilação e insolação o que gera ambientes insalubres. O poder público se ausenta aí como regulador das boas práticas e o individualismo solto piora a situação. Quem paga a conta é o sistema de saúde público, ou seja, todos.  

Hoje, nesta vida fácil que vivemos, e nunca foi tão fácil e cômodo viver, as vontades individuais praticamente imperam e ditam muitos de nossos padrões; o vício do prazer da comodidade. O ambiente onde vivemos tem uma importância enorme no direcionamento destas vontades, consumos e vícios individuais. A cidade, sua segurança, comodidade e facilidade para encontrar o que é necessário para viver são referências básicas de nosso tempo. Não é por menos que a maioria da população mundial vive em área urbana.

Por uma série de razões as cidades entraram em crise financeira e com ela crise estrutural. Os usos que se faziam das cidades até a década de 60 mudaram em razão da explosão populacional, fazendo que os geradores de empregos, principalmente indústrias, saíssem do meio urbano para dar lugar a moradias, o que por sua vez mudou o fluxo do dinheiro e os custos de manutenção da mesma cidade. A maioria das cidades do planeta tem dificuldade em manter suas contas no azul.

Algumas das soluções para esta crise administrativa fizeram com que a qualidade de vida na cidade tenha melhorado, o que por sua vez aumentou o custo do metro quadrado nas áreas que receberam as melhorias, o que acabou sendo um problema para as populações de baixa renda gerando uma movimentação destes para fora de suas áreas tradicionais de residência e vida. Com isto vastas áreas urbanas perderam sua memória, o que normalmente é um gerador de problemas futuros. 
É necessário perenizar os bons progressos, mas isto leva tempo. Moradores recém chegados a um local têm menos vínculo com os usos e costumes locais, o que os faz mais suscetíveis a novas mudanças, algumas pouco viáveis para a estabilidade social.      

A parada forçada pelo coronavírus fez muitos terem um olhar mais claro do que pode ser a cidade sem o automóvel, uma demanda urgente nas cidades grandes ou metrópoles. Os costumes diários, muitos deles já vícios, foram postos em cheque. Passado o medo do contágio, o desagrado causado pela abstinência nos fez voltar ao quase normal de antes. Perdemos uma oportunidade única para repensar os erros de nossas vidas, o que era esperado porque uma vez viciado para sempre viciado.
Apresente o elemento viciante a um viciado e veja o resultado. Mesmo consciente que o problema é sério há a possibilidade de ele voltar ao maléfico vício. O menor deslize e de volta ao vício. 

Vício social só foi interrompido em países onde a educação, o treinamento e a imposição mudaram a população e isto demorou décadas, fruto de concordância e esforço coletivo. 
No nosso caso, do Brasil, mais que combater o vício é necessário mudar o carácter coletivo, que pode, mas não deve, ser confundido com vício. Precisamos nos desvencilhar de atitudes predatórias colonialistas que foram entronizadas pela própria população brasileira, os colonizados, como sendo inerentes ao caráter brasileiro. É o que nos dificulta ou impede a adaptação aos melhores processos civilizatórios que a humanidade alcançou. 



segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Usos, costumes, conforto e o preço da comodidade da vida na cidade

Da forma como vem sendo usado o automóvel virou um sério problema, a bem da verdade um dos inúmeros sérios problemas que enfrentamos, ótimo exemplo aqui. Virou um vício? Se não virou pelo menos é fomentado como tal. Uma pesquisa num dos países nórdicos apontou que 27% dos ciclistas se pudessem só andariam de automóvel. Até entendo porque deve ser duro pedalar naquele gelo. Da mesma forma que o uso da bicicleta cresceu muito na pandemia em razão do distanciamento social, a indústria automobilística deve estar feliz porque a pandemia também fez com que o uso do automóvel seja justificado pelo mesmo distanciamento imposto pela pandemia. A ocasião justifica o vício, o que é muito usado como álibi para inúmeros outros deslizes destrutivos.

A cidade do automóvel não é novidade, não nasceu com a indústria automobilística. A saber, largura de vias e túneis foram padronizadas tendo como base a dimensão própria para uma carroça puxada a cavalo. Se fizessem uma pesquisa sobre modo de transporte antes de 1850, o início do fim da era dos cavalos, provavelmente todos diriam que prefeririam ir numa carroça ou num cavalo, nesta ordem, do que seguir caminhando em ruas empasteladas de bosta de cavalo.

A padronização do espaço das vias baseada no transporte equestre, portanto das cidades e dos espaços públicos, continuou na construção de ferrovias, com o tamanho dos vagões e tuneis, depois nas vias para automóveis. A bitola e a distância entre trilhos de trem nos primórdios da ferrovia variava para proteger interesses particulares de cada companhia, mas com o tempo provou-se um contrassenso econômico e estratégico e tudo foi padronizado, o que se provou muitíssimo mais produtivo, portanto lucrativo. 
Cidades e estradas receberam o mesmo padrão de medidas que ainda usamos hoje baseado no espaço necessário para a circulação de cavalos e mulas. Com certeza é impossível fabricar equinos para atender interesses individuais, e mesmo um cavalo percheron, que é imenso, adapta-se ao padrão de medidas geral. 

Interessante olhar a padronização como uma solução que transforma, solidifica e pereniza o setor das bicicletas. Com o surgimento da bicicleta de segurança, o desenho básico de quadro, garfo e peças que temos desde aproximadamente 1890 até hoje, este veículo se populariza e se transforma num agente de mudanças de comportamento social em larga escala. A padronização da bitola dos trens aumentou a fluidez na malha ferroviária para o público gerando a comodidade de viagens mais longas, sem baldeações, assim como a padronização das rodas reduziu drasticamente o preço das bicicletas tornando-as populares. Passo consequente, o processo industrial uniformizado das bicicletas levaram a popularização dos automóveis. O processo de fabricação do Ford T foi copiado da fábrica de bicicletas Coventry, a maior da Inglaterra e provavelmente no mundo na época.

Se a bitola uniformizada trouxe o prazer de comer peixe para o interior da Inglaterra, por exemplo, a bicicleta levou gente assalariada para agradáveis picnics nos parques e arredores das cidades, e o automóvel deu liberdade para ir e vir para onde quisesse, até muito além da cidade. Uma coisa puxa a outra, e todas mudaram a forma de pensar. Utensílio, comodidade, padronização, em alguns casos vício consequente.

O automóvel oferece a papa fina do vício, todos eles, os que parecem bons e frutíferos e os muito prejudiciais. Dentro do automóvel há pelo menos duas realidades, a vida dentro e a vida fora do automóvel. Com ele fugir é fácil, em todos os sentidos, basta fechar a porta, ligar o motor, sair do estacionamento e pegar a estrada. Está provado que é muito difícil, mais, improdutivo viver sem desligar-se ou fugir da realidade do dia a dia, e neste sentido o automóvel encaixa-se como luva de pelica.

Espaço público já foi dimensionado para pedestres, burros, cavalos, carroças, tropas militares, até que entrou no páreo e venceu disparado e sem freios o automóvel. Passou a ser prioridade com apoio unânime de capitalistas, democratas, comunistas, religiosos fanáticos e todo zoológico. "Caminhar é coisa de pobre", posicionamento social dito e repetido a torta e direita nestas exatas palavras por gerações; uma questão de status, "caminhar é coisa de pobre", não precisa dizer mais nada. O espaço público passaria a ser o espaço do automóvel, e a cidade do automóvel está consolidada. Simples, basta ver o desenho urbano de cidades anteriores e posteriores ao automóvel. A Paris de Haussmann é ótimo exemplo. 

Com o avassalador sucesso do automóvel o desenho urbano passou a ser padronizado levando em consideração a livre circulação destes mesmos automóveis. O resto, casas, seus moradores, trabalho, comércio foram adaptados ou criados para a melhor circulação possível dos automóveis, sem questionamentos, com aplausos e urros de "Bravo! Bis, bis, bis!" . Não foi o automóvel que passou dos limites, mas a irracionalidade de seu uso. 
Mudou. hoje cidadãos preferem conviver em espaços que foram criados para pedestres. Pesquisas apontam sem erro que vias saturadas de trânsito de automóveis são desagradáveis para o convívio e acabam se transformando em áreas degradadas.

Na Finlândia dizem "me mostra como diriges e te direi (dir-te-ei) quem és". É correto dizer "mostre teus espaços públicos e saberei quem são os teus cidadãos". A condução do veículo (individual) é um processo ligado ao comportamento social que se reflete nos espaços públicos. Uma cidade desconectada com a vida carece de cidadania. A liberdade do automóvel não está em casa ou na cidade, mas na direção, acelerador e de vez em quando no chato do freio. "Quanto melhor o motorista menos freio usa" me ensinou meu avô, uma técnica de competição onde vence quem chegar na frente. Civilidade só existe com freios, limites, padrões de inter-relacionamento.

A velocidade desenfreada, que diga se de passagem é uma sensação empolgante, mata. Em nome da segurança dos passageiros do automóvel (foda-se o terceiro) que se proteja o proprietário do automóvel e seus ocupantes, ou o automóvel não vende. Isto fez com que as carrocerias ficarem cada vez maiores para criar conforto sonoro e deformar progressivamente em caso de acidente, ou seja, automóveis silenciosos, seguros, isolados da chatice e dos problemas do mundo externo. O resultado para a padronização do espaço público foi que numa garagem onde cabiam carros pequenos de 20 anos atrás não cabe os atuais, ou cabe e você não abre a porta. Traduzindo: necessidade de mais espaço para estacionar, manobrar, circular, andar em alta velocidade. Como fica isto dentro do espaço público, do direito coletivo, do meio ambiente?

Os congestionamentos sem fim acabaram influenciando no projeto dos carros, tanto no interior quanto exterior. Não faz muito tempo a decisão de compra de um carro passou a ser mais feminina, o que mudou o projeto do interior. O aumento da velocidade dos carros mudou o posicionamento dos comandos que ficaram mais a mão e automatizados. Unhas não podem ser quebradas ou perde-se compradores. Como isto influencia nos cuidados com a casa, no viver o espaço público, nos cuidados com o próximo, no sentar na mesa para trabalhar? 
Agora os automóveis estão sendo transformados para chegar ao Big Brother total. Motorista não precisa prestar atenção no trânsito, o carro corrige os erros e evita acidentes. Não precisar tocar em nada, basta falar e as interfaces do automóvel respondem. Todos viajam leves livres e soltos como reis que não tem que mover uma palha para gozar suas vontades. Liberdade completa ou o retorno a escravidão? Comodidade ou novo vício destruidor?
Auto escravidão sem dor, que vício maravilhoso!?

Há uma grande diferença esquelética na ossatura de quem viveu antes e depois das facilidades do automóvel. Ok, não só do automóvel. Nosso corpo é outro, nossas habilidades também. Parece que nosso cérebro está lentamente se adaptando ao dirigir olhando o celular, uma loucura a meu ver que parece a cada dia mais normal e natural. Será?

Incrível capacidade de adaptação ao ambiente é inato ao ser humano. Foi diferente com este fenômeno chamado automóvel? Automóvel é só um "veículo": (FIGURADO (SENTIDO)FIGURADAMENTE    qualquer coisa capaz de transmitir, propagar, difundir algo;)

Usos, costumes, conforto e o preço da comodidade da vida na cidade não são questões fáceis de ponderar, mas avalia-los se faz crucial para nosso futuro.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

200 anos, personalismo, corporativismo

Fórum do Leitor 
O Estado de São Paulo

Totalmente broxante. Tenho 67 anos e nunca vi qualquer comemoração Pátria como esta de 7 de Setembro, mesmo no momento mais duro da ditadura. Ouvi de mais de um comentarista político que "Pelo menos não tivemos a violência esperada". Só faltava, ou não faltou porque simplesmente o desprezo por nossa história foi e é de uma violência impressionante. 

O que houve foi um espetáculo de personalismo e faz muito que no Brasil se vota no personalismo. Não é lembrado nem citado que votar no personalismo fortalece o corporativismo, e o corporativismo quando doentio é a pior praga que um povo pode sofrer. Vide nossos tempos.
As pesquisas mostram que o povo presente aos atos de 7 de Setembro de Bolsonaro são em sua maioria gente dita bem instruída, o que fortalece o questionamento sobre a qualidade toda nossa educação, incluindo a recebida pela elite. Conheço quem tenha votado em Maluf, Lula, Dilma e Bolsonaro, votos convictos, defendidos fervorosamente, isto sendo uma pessoa de rara erudição. Só faz sentido quando se pensa em valores e valores são formados pelo pensamento, pela formação educacional. Algo está muito errado entre nós, muito mais que o nós e eles. 

Minha mãe terminou sua vida sendo uma agregadora, um ponto de união e equilíbrio. Não foi assim toda sua vida. Antes de um pesado câncer era cativantemente alegre e crítica jogando no "nós e eles". Quase morreu, mulher de rara beleza, tinha encolhido 13 cm por conta da radio e quimioterapia. Com o brutal sofrimento entendeu que infinitamente mais vale a casa cheia de diferenças que o dedo em riste e língua afiada. Calma, ponderada, com o uso de palavras e atos certos para cada momento, nos ofereceu anos de vida muito enriquecedores. 
Ainda tenho esperança que o Brasil não terá que ser desintegrado por um câncer antes de descobrir que somos o povo de um país que não se curva a nomes ou corporativismos particulares.