segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Como morrem projetos de interesse público

"Eu não vou colocar em risco a educação de meu filho" e esta frase enterrou mais um dos ambiciosos projetos sobre mobilidade. Uma razão, um funcionário, e uma pena capital, fim e acabou.

Lá por 2009 Guarulhos conseguiu verba para o projeto executivo de seu sistema cicloviário que ficou pronto dois ou três anos antes das Olimpíadas aqui no Brasil. O projeto inicial que foi contratado não levava em consideração as ligações entre algumas ciclovias previstas inicialmente, o que foi corrigido com autorização de Brasília. O total de ciclovias projetadas aumentou algo em torno de 20%, o que faria a ligação norte entre bairros e o principal parque da cidade, o Bosque Maia, ampliando a finalidade das ciclovias implantadas e aumentando o público alvo, dentre outras ideias não previstas originalmente.
Bem no finalzinho dos trabalhos foi lançada a possibilidade de se criar em uma destas ciclovias, a da av. Faria Lima que acompanha um córrego, o que se chamou "Parque Linear Olímpico de Guarulhos". A ideia básica era aproveitar a implantação da ciclovia de aproximadamente 4 km, entre o Parque Jardim Adriana / SESI até a Prefeitura, e formar um parque linear junto ao córrego que uniria 12 clubes, estabelecimentos públicos e privados, escolas, parques, equipamentos esportivos ou de apoio ao esporte que já existem no local e que fomentam mais de 15 práticas esportivas todas olímpicas, incluindo baseball. A implantação do parque linear dependia da implantação do Plano Cicloviário de Guarulhos e a ciclovia Faria Lima ali prevista, mas tudo foi enterrado pela reação de um único funcionário. Anos de trabalho, um projeto executivo completo, caro, financiado pelo poder público simplesmente enterrados, sumiram, ninguém sabe, ninguém viu.


SP Reclama
O Estado de São Paulo

O caderno mobilidade do Estadão de 18 de setembro de 2021 veio com a página "Acidentes com ciclistas crescem 30% em 2021" e subtítulo "Cidade de São Paulo lidera o ranking nacional; o uso de bicicletas vem aumentando continuamente há dez anos". Mais em baixo vem as recomendações da ABRAMED: 1 - Construção ou ampliação das ciclovias e ciclofaixas; 2 - Manutenção frequente das ciclofaixas e ciclovias; 3 - Campanhas educativas; 4 - Mais placas de sinalização; 5 - Ampliar a interligação entre modais
Óbvio que São Paulo lidera o número de acidentados. É o estado e tem a cidade com a maior população do país. Talvez o dado correto devesse ser publicado em cima do número de acidentados por 100 mil, o que talvez tirasse São Paulo da liderança, talvez. E deixo a pergunta que tipo de acidentados?
"Uso de bicicleta vem aumentando continuamente há dez anos" está correto, mas creio ser informação incompleta. "Uso de bicicleta vem aumentando continuamente há dez anos" entre as classes mais altas das cidades grandes, enquanto está diminuindo em antigos redutos de baixa renda que usavam intensamente a bicicleta, mas não apareciam nas estatísticas, e que vem há muito trocando a bicicleta pela moto. Muda completamente o panorama. A acidentalidade migrou também? Pelo que se sabe sim.

Nas recomendações da ABRAMED publicada no artigo, em outra ordem de prioridade:
  1. Campanhas educativas; - este é o ponto de partida: cidadão educado; ciclista educado e disciplinado dificilmente se envolve em acidentes. Tinha concluído a frase com "outros veículos, sejam motorizados ou não", mas o correto é “acidentes”, todos, sem exceção.
  2. Mais placas de sinalização; - a sinalização tem que atingir o objetivo desejado, o que não necessariamente quer dizer mais placas de sinalização e sim uma sinalização inteligente, eficaz, que de fato apresente resultados. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é... Placa é sinalização aérea, portanto a proposta da matéria é uma sinalização incompleta. Aliás, sinalização tem que ser de solo, aérea e semafórica, ou seja, "sistema semafórico".
  3. Construção ou ampliação das ciclovias e ciclofaixas; - Ciclista educado, civilizado, que sabe pedalar, vai necessitar muito menos ciclovia ou ciclofaixa porque saberá conviver com o trânsito, pedestres e a cidade. Nunca vi uma comparação entre os custos de educação e treinamento de ciclistas X construção de vias segregadas aqui no Brasil; e custos X benefícios de cada opção. Se alguém viu, por favor me envie. Outro ponto é que só temos as estatísticas de acidentes fatias. Acidentes não fatais em ciclovias e ciclofaixas são subnotificados, quando o são, o que distorce a realidade. Nem falo sobre incidentes.
  4. Manutenção frequente das ciclofaixas e ciclovias; - óbvio que tem que haver manutenção frequente não só das ciclovias e ciclofaixas, mas de tudo que envolve a circulação e transporte no entorno. Por quê? Exemplo simples: pedestre que sai caminhando pela ciclovia porque a calçada é ruim ou menos cuidada. "Ou todos tem segurança ou ninguém está completamente seguro" é princípio básico de segurança. Insegurança na via dos veículos motorizados certamente vai se refletir na segurança dos ciclistas, mesmo que estes estejam segregados.
  5. Ampliar a interligação entre modais; tem que ampliar o diálogo não só com outros modais, mas com a cidade, daí a interligação será um detalhe que se resolverá naturalmente.

Defender uma boa causa vale a pena, mas precisa ter cuidado.

Aumentar a segurança do ciclista é importantíssimo, mas de que forma? O que é líquido e certo é que as cidades entraram num processo de revisão imposto pela inteligência artificial. Neste contexto será que se deve colocar tantas fichas num projeto de cidade dos anos 80? E deixo a pergunta: qual o custo da segregação neste novo contexto que vivemos?

Felizmente não repetiram o erro sobre uso de capacete, o que a ciência nega dar a segurança que todos apregoam. Por favor ler - http://escoladebicicleta.com/dicascapacetes.html ou qualquer outro documento sério sobre o assunto.

Fred Tejada


Recebi a notícia que Fred Tejada, um dos mais importantes nomes da história de todos os tempos do motociclismo e ciclismo brasileiro, morreu em um acidente de bicicleta a princípio bobo: tocou sua roda dianteira na roda traseira do ciclista que ia a frente e caiu 'ruim', para dizer o mínimo. A perda para o esporte é literalmente irreparável, e no caso do Fred Tejada literalmente não é uma cortesia para um caríssimo amigo de quem gostava demais e acabou de partir. 
Poucos sabem quem realmente foi Fred Tejada e está aí a prova de sua grandeza. A saber, ele foi a referência dos que são referência. Pessoa simples, tranquila, de fácil acesso, fala mansa, lutador, abriu caminho para o moto trial no Brasil, sendo um de seus maiores campeões. Nos primórdios do mountain bike. Só vim a saber quem realmente era Tejada, qual a importância dele para os esportes, muito tempo depois por um amigo. Quase caí da cadeira. Quem conheceu bem a história de Fred sempre o colocou num outro planeta, um olimpo para os verdadeiros vencedores, colaborativos e justos.
A última imagem que guardo dele foi quando chamaram o vencedor da categoria veterano na última Prova 9 de Julho antes da pandemia: Fred Tejada. Não fazia ideia de que o baixinho estava pedalando tudo aquilo. Sorridente subiu ao pódio e foi muito aplaudido. Aquele pessoal sabia bem o quanto ele pedalava, mas provavelmente poucos devem saber os títulos que carregava. Campeão!

Vi pouquíssimos esportistas com o nível técnico e consciência das ações como Fred Tejada tinha, mesmo assim se enroscou com a bicicleta da frente numa descida, bateu desajeitado a cabeça e partiu. Vai fazer muita falta, mesmo que seja só para bater um papo informal. Forte abraço, amigo. Boa viagem.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

A ciclovia mais além de Machiavelli (Nicolau Maquiavel)

O caderno mobilidade do Estadão de 18 de setembro de 2021 veio com a página "Acidentes com ciclistas crescem 30% em 2021" e subtítulo "Cidade de São Paulo lidera o ranking nacional; o uso de bicicletas vem aumentando continuamente há dez anos". Mais em baixo vem as recomendações da ABRAMED: 1 - Construção ou ampliação das ciclovias e ciclofaixas; 2 - Manutenção frequente das ciclofaixas e ciclovias; 3 - Campanhas educativas; 4 - Mais placas de sinalização; 5 - Ampliar a interligação entre modais

Ontem almocei com minha neta e conversamos sobre gasto consciente de água. Ela colocou que a responsabilidade não é nossa, população, que só gasta 1% do total da água e que se tem que controlar a indústria... Depois do almoço sai para ver onde está um dos meus livros prediletos, "Como mentir com estatística", de Darrell Huff, publicado em 1956 e ainda hoje a bíblia para entender como funciona de fato a comunicação geral. Creio que vá ser um presente valioso para ela que é curiosa e gosta muito de ler. Disse para ela que os dados que tinha pesquisado estavam corretos, mas sempre tem algo a mais por trás.

Cada um conta sua versão. Olho para trás e sinto profunda vergonha das besteiras que disse e pensei. Dependendo da fase da vida a gente fala sem pensar literalmente. Efeito boiada. Híper feliz porque a guria pensa e corre atrás de informação. 
Mesmo o que acredito ser verdade hoje tenho certo receio de dizer que o é. O que não resta dúvida é que se tem de trocar informação, mesmo que seja besteira.  Então vamos lá:
  • Óbvio que São Paulo lidera o número de acidentados. É o estado e tem a cidade mais populosa do país. Talvez o dado correto devesse ser publicado em cima do número de acidentados por 100 mil, o que talvez tirasse São Paulo da liderança, talvez. E deixo a pergunta que tipo de acidentados?
  • "Uso de bicicleta vem aumentando continuamente há dez anos" está correto, mas creio ser informação incompleta. "Uso de bicicleta vem aumentando continuamente há dez anos" entre as classes mais altas das cidades grandes, enquanto está diminuindo em antigos redutos de baixa renda que usavam intensamente a bicicleta, mas não apareciam nas estatísticas, e que vem há muito trocando a bicicleta pela moto. Muda completamente o panorama. A acidentalidade migrou também? Pelo que se sabe sim.
Nas recomendações da ABRAMED publicada no artigo, penso que a ordem de prioridade deveria ser outra:
  1. Campanhas educativas;este é o ponto de partida: cidadão educado; ciclista educado e disciplinado dificilmente se envolve em acidentes. Tinha concluído a frase com "outros veículos, sejam motorizados ou não", mas o correto é "acidentes", todos, sem exceção.  
  2. Mais placas de sinalização; - a sinalização tem que atingir o objetivo desejado, o que não necessariamente quer dizer mais placas de sinalização e sim uma sinalização inteligente, eficaz, que de fato apresente resultados. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é... Placa é sinalização aérea, portanto a proposta da matéria é sinalização incompleta. Aliás, sinalização tem que ser de solo, aérea e semafórica, esta última crucial em algumas situações, ou seja sistema de sinalização.  
  3. Construção ou ampliação das ciclovias e ciclofaixas; - Ciclista educado, civilizado, que sabe pedalar, vai necessitar muito menos ciclovia ou ciclofaixa porque saberá conviver com o trânsito, pedestres e a cidade. Nunca vi uma comparação entre os custos de educação e treinamento de ciclistas X construção de vias segregadas aqui no Brasil; e custos X benefícios de cada opção. Se alguém viu, por favor me envie. Outro ponto é que só temos as estatísticas de acidentes fatias. Acidentes não fatais em ciclovias e ciclofaixas são subnotificados, quando o são, o que distorce a realidade.  Nem falo sobre incidentes.
  4. Manutenção frequente das ciclofaixas e ciclovias; - óbvio que tem que haver manutenção frequente não só das ciclovias e ciclofaixas, mas de tudo que envolve a circulação e transporte no entorno. Por quê? Exemplo simples: pedestre que sai caminhando pela ciclovia porque a calçada é ruim ou menos cuidada. "Ou todos tem segurança ou ninguém está completamente seguro" é princípio básico de segurança. Insegurança na via dos veículos motorizados certamente vai se refletir na segurança dos ciclistas, mesmo que estes estejam segregados.
  5. Ampliar a interligação entre modais; tem que ampliar o diálogo não só com outros modais, mas com a cidade, daí a interligação será um detalhe que se resolverá naturalmente.
Defender uma boa causa vale a pena, mas precisa ter cuidado.
Aumentar a segurança do ciclista é importantíssimo, mas de que forma? O que é líquido e certo é que as cidades entraram num processo de revisão imposto pela inteligência artificial. Neste contexto será que se deve colocar tantas fichas num projeto de cidade dos anos 80? E deixo a pergunta: qual o custo da segregação neste novo contexto que vivemos? 
 
Acabei de ler e fiquei muito impressionado com "Viagem ao crepúsculo" de Samarone Lima, livro que conta sua experiência na viagem que fez como turista mochileiro de esquerda para Cuba. Recomendo como leitura obrigatória. Sempre quis ir para Cuba e conhecer Havana antes que seu patrimônio arquitetônico seja "mudernizado". Acho que não vai dar. Quem quiser saber por que que leia a Viagem ao crepúsculo. 

Nunca li Machiavelli. Deveria e um dia talvez o faça. De qualquer forma, digo eu, uma verdade dita ou escrita incompleta pode ou não ser uma verdade. Não resta dúvida que quanto mais informação menor a distorção.

domingo, 19 de setembro de 2021

o círculo vicioso

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

A preocupação de boa parte dos brasileiros só fala do resultado das próximas eleições. Vai dar Lula ou Bolsonaro? Vamos conseguir construir uma terceira via? Qual será o futuro do Brasil? É inegável que os bons projetos do PT, que existiram e alguns ainda estão aí, foram maculados não só pela corrupção, mas pelo "nós ou eles" que deixava claro que ninguém antes neste Brasil nada tinha feito. O dono do PT, a única alternativa, o semideus Lula que nos enviou do além Dilma, a torre de Babel das palavras e pensamentos, completou a rejeição popular. Aquilo deu nisto. E para o expurgo do ex-semideus das esquerdas empurramos para o altar vestido sem a camisa de força de coroinha um deputado de baixo clero que está presidente e em seu egocentrismo delira ser um messias. No confissionário do Supremo que se quer terrivelmente católico, que não se sabe relativo à constituição ou religião, deuses, semideuses, e seus messia (sim, sem "s") são julgados. Onde será o inferno? 
A terceira via, parte do pretenso antídoto aos nossos mitos, vícios atávicos e à santa inquisição, porque não dizer antídoto líquido e incerto aos semideuses, só vai ser construída quando quem tem inteligência como norte (esquece leste, oeste e sul) parar de gastar tanto tempo repetindo em ladainha todas mazelas esquizofrênicas dos histéricos ideológicos e messiânicos. Não adianta ir ao confessionário, temos que começar a pensar, trocar ideias e colocar no papel sobre como realmente colocar o barco no rumo, navegar para um porto seguro que queremos ancorar e que a cada dia, literalmente, fica mais difícil de encontrar neste nevoeiro macabro.
Esperando não ser internado num hospício vos digo; "Senhores ao trabalho".

terça-feira, 14 de setembro de 2021

11/9 - 20 anos depois

O silêncio de minha casa é reconfortante. Nunca me fez tão bem.

Saí de frente da TV e inúmeros documentários exaurido.

Entrei no elevador ainda atordoado e desci olhar fixo nos números dos andares passando de baixo para cima e desaparecendo. "Desapareceram". Abri a porta, peguei a bicicleta encostada na parede do fundo da garagem, cruzei o portão elétrico que correu para o lado, olhei para um lado, para outro, para o céu em busca de uma nuvem, para o portão já fechado e decidi voltar direto para casa sem fazer um caminho mais longo que a noite agradável demandava. 
Passado o trecho mais movimentado, uns três quarteirões, cruzei a avenida, veio o silêncio. Comecei a olhar as árvores iluminadas e a rica vegetação ao redor debaixo dos fachos espaçados na rua; iluminada, sombreada, iluminada, sombreada, iluminada..., os galhos das árvores... lindas, lindo. Pedalar suave e agradável, clima ameno, céu um pouco estrelado; mesmo assim ainda era fim do dia dos 20 anos do 11/9, 11 de setembro de 2001. 

À tarde pela primeira vez fui procurar notícia sobre Ane Marie Sallerin Ferreira, uma das cinco vítimas brasileiras do ataque ao WTC. Até o fim de sua adolescência morou no 5º andar e nós no 3º. Filha de uma senhora forte, determinada, Ane era muito educada, tranquila, de poucas palavras, de bons e belos sorrisos. Quando encontrei uma foto dela fiquei impressionado com a linda mulher maquiada que se transformou. Demorei para reconhecê-la e o fiz pelo sorriso largo e feição determinada herdados da mãe.
A brutalidade do 11 de setembro me pegou em cheio porque por ironia da vida estava na frente de uma TV na hora que o segundo avião bateu na torre sul. Tirei minha mãe do dentista, voltamos para casa e acompanhamos tudo até o fim do dia. Confesso que demorei muito para saber que Ane Marie estava entre as vítimas e soube quando me contaram que a irmã, mais nova, estava trancada no quarto desde então.   

Dobrei a esquina de minha rua, o bar estava aberto com o segurança me dando boa noite. Parei e abri tranquilo meu portãozinho, cruzei o longo breu do corredor, abri a porta da casinha, liguei a luz da sala, olhei tudo com um carinho especial. Coloquei a bicicleta pra dentro, tranquei a porta, peguei uma maçã, dei a primeira mordida sentindo intensamente seu gosto. 
Desliguei a luz da sala e caminhei de novo no breu para dentro de meu quarto, por entre as camas, lembrando da multidão que desceu ou tentou descer as escadas dos edifícios em chamas. Escadas estreitas, uma estupidez. Liguei a luz do abajur olhando a parede, girei o corpo, voltei a olhar tudo em volta sentindo um conforto imenso. Paz, segurança, vida.
Olhei a TV, peguei o controle remoto, fiquei um tempo com ele na mão, não sei exatamente quanto. Não a liguei, mas olhando a tela preta revi cenas dos inúmeros documentários sobre os acontecidos daquele 11/09/2001. A história contada pelos bombeiros...

Em pé e descalço sobre o tapete estou agradecido pelos luxos e dádivas que não sei se mereço ou não. Estou exaurido pelo que vi, talvez até mais que naquele 2001 quando fiquei pasmado. Vinte anos depois começam a soltar os piores detalhes da história real. No documentário sobre os bombeiros soltaram o áudio dos corpos batendo no chão, inúmeros, um após o outro, bombeiros em silêncio, olhares perdidos, entre olhando-se em uma pergunta imediatamente respondida "o que é isto?". No dia da tragédia cortaram a imagem avisando "que não vamos mostrar isto..." quando pegaram o primeiro corpo despencando.
Num outro documentário pegam cidadãos que estavam dentro ou no entorno das torres gêmeas. Um deles só entendeu o que estava acontecendo quando saiu para a praça e um corpo caiu a menos de 10 metros. Descreve o barulho, cai no choro, se controla e diz não saber se era um homem ou mulher. Vários corpos batendo no chão se seguiram. Não consegue se livrar da imagem.

Estatelado no meio do meu quarto não ligo a TV. O silêncio da casa nunca foi tão rico. Tiro a roupa e vou tomar mais um banho, lavar o corpo do que vi, lavar os cabelos para tentar lavar a alma. A água quente bate na cabeça imóvel, fecho os olhos, vou acalmando. O toque da toalha seca e macia rodeia meu corpo e ali fica, ali fico eu parado em frente do espelho. Silêncio me reconforta. 

Abro a cama, deito, me cubro, olho o teto e não paro de pensar, rever, lembrar, tentar entender. Vou acalmando com a agradável sensação dos lençóis e travesseiro macio. Durmo. Sou um abençoado. Não quero pensar na baderna generalizada que vivemos aqui e hoje ou aí sim vou ficar péssimo. 



domingo, 12 de setembro de 2021

Etiqueta

Na montagem do Centro Cultural Movimento, em Socorro, foi levantada questão sobre como expor as bicicletas e como fazer o público entender o que está exposto num contexto histórico. Outra questão, ainda não resolvida, é acertar as etiquetas de cada uma das bicicletas, data, descrição e detalhes técnicos, que no final de contas é o que dá o fio da meada para entender tudo. Parece simples, mas não é.

A ideia inicial era, seria ou talvez vá ser contar a evolução da bicicleta. Como o CCM, Centro Cultural Movimento, nasceu do motostory.com.br se faz necessário, não obrigatório, ligar motos com bicicletas. Complicou e muito. Ok, é óbvia a ligação, mas a história é muito extensa, cheia de detalhes e conhecimento aí pode atrapalhar e muito na solução do problema. "Chama os universitários" como dizia Silvio Santos ajuda até certo ponto, depois atrapalha uma barbaridade porque mais confunde que explica.
Pesquisas em museus europeus mostram que o visitante fica em média 8 segundos olhando cada quadro, escultura ou outro objeto. Provavelmente deverá acontecer algo parecido no CCM, talvez um pouco mais tempo porque moto ou bicicleta estão intimamente ligados ao nosso cotidiano. A leitura da etiqueta pode ser o fator determinante para uma atenção mais detalhada, mas só o será se o texto exposto for preciso. 
Reduzir informação a poucas palavras e conseguir o objetivo de informar corretamente é dificílimo, coisa que raros redatores conseguem. Ficou mais difícil ainda nestes tempos de redes sociais onde a redução de palavras é sumária, as abreviações abundam....

Faz uns 30 anos o jornal a Folha de São Paulo mudou sua política interna e começou a reduzir os textos publicados para facilitar a leitura.... e aumentar as vendas. Não sei se foram atrás do Jornal da Tarde, do grupo Estado, que na época vendia bem, mas mirava outro público, algo entre o Notícias Populares e o que era a própria Folha e o Estadão de então. Não resta dúvidas que os textos viraram mais populares, mas empobreceram. 
Quanto mais melhor é uma boa regra no geral e uma preciosa verdade quando se fala sobre dar informação precisa. Há uma diferença enorme entre "Caloi 10, anos 70, 10 marchas Shimano, rodas 27 X 1.1/2" e Caloi 10, primeira bicicleta esportiva voltada para ciclistas iniciantes, lançada em 1971, quadro e garfo fabricados na Itália, vários tamanhos,  rodas 27 X 1.1/2, aros KKT japoneses, pneus Pirelli 70 libras, câmbios e passadores Shimano, modelo em exposição fabricado em 1978, já todo nacionalizado...

Não sei onde saiu uma extensa matéria sobre a importância das palavras, de cada uma delas e delas num sentido amplo. O resumo da ópera é que quanto menos palavras mais vaga e imprecisa fica a informação, o que leva a distorções sociais importantes.

Não é porque tem muita palavra que vai funcionar melhor. Sou a prova viva disto, falo muito e falo mal, acabo não indo ao ponto.
Quem já recebeu informação de caipira mineiro (sou neto de mineiros do interior) sabe que o grau de imprecisão é tanto que só resta rir. "Segue reto, vai, vai, vai, vai e continua. Quando você chegar lá longe vai tem um cruzamento e você continua reto..." Se encontrarem alguém que chegou lá me avisem. 
Numa cidade turística do litoral as placas informativas de sinalização tinham a informação correta, mas eram tantas que todos que entravam na cidade se perdiam. Resolveu-se o problema diminuindo drasticamente o número de placas. Não é a quantidade, é a qualidade. 
Em Sevilha, Espanha, as ciclovias recebem a pintura de um ponto de exclamação nos principais cruzamentos com pedestres. Na mosca, funciona, e funciona porque não precisa dizer mais nada.

Passar a informação correta é sempre necessário, por isto é necessário muito cuidado com a forma como se comunica. Meu sonho de consumo seria ter esta precisão. Não tenho a mais remota dúvida que uma boa etiqueta faz toda diferença. E falo aqui sobre etiqueta social. Não estou muito errado quando digo que ter uma boa etiqueta social leva a uma boa comunicação individual e social.

Etiqueta social, nesta não se deve errar, apesar de tantos a desprezar

ps.: no Mobilidades do Estadão saiu mais uma folha sobre as opções de bicicletas 29 e nesta houve uma confusão nas etiquetas descritivas com uma Groove de R$8.000,00 pesando 14,5 kg e uma Soul de R$3.500,00 pesando 12 kg. Bom, muito pouco provável. Etiquetas trocadas ou erradas. Se alguém encontrar uma bicicleta 29 nova com 12 kg por R$3.500,00 - e não roubada, importantíssimo! - compra e me avisa que compro também. No caso de uma de R$8.000,00 com mais de 13 kg  dê meia volta e procure mais.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

O coletivo tem que funcionar bem ou....

Numa coisa os pensamentos liberais, capitalistas, sociais, socialistas e até comunistas concordam plenamente: o coletivo tem que funcionar bem e para isto regras gerais devem ser seguidas ou ninguém sai ganhando. Até mesmo para os objetivos do anarquismo deve haver limites coletivos ou não se chega à plena liberdade individual almejada. Fato é que quanto mais desvios mais difícil chegar ao objetivo final. Muita gente não consegue acreditar, mas desunião não interessa nem mesmo ao mais liberal ou capitalista selvagem porque há limites para quanto um único alguém saia ganhando em cima do prejuízo do coletivo. Não interessa porque a conta não fecha imediatamente, a médio e principalmente a longo prazo, isto é líquido e certo. 

Interessante é que escrevi este parágrafo muito antes deste 7 de setembro e ele se encaixa perfeitamente neste pós vomitório de Bolsonaro.

O que o micro diz reflete-se no macro e vice-versa. A insanidade de um indivíduo no poder só existe porque é reflexo da insanidade de uma população; que por sua vez reflete-se no desenvolvimento de uma cidade; e assim por diante. 
O ponto comum, de união, é a aceitação da insanidade pelos interessados e também pelos contra. 
Se a base for boa a casa será estável e seus moradores viverão tranquilos. 

Não entendo como não conseguimos como coletivo, como cidadãos, como país, buscar o bom senso, ter sensibilidade para o que tem tudo para não dar certo. Conversando com uma amiga ela disse que não temos cultura e nem interesse, se tivéssemos olharíamos para trás, para o passado, como referência. Olhamos o passado como algo que passou e ponto final. Aí está. 

O progresso a qualquer custo, o progresso do "eu tenho direito" é burrice escandalosa. Como disse Eliane Cantanhede "somos um país de crentes". É; "meu Deus"; e nesta exclamação aparentemente inocente até Deus é individual, um "antes ele do que eu" para o outro que se "morreu". 


Sobre o que ia escrevendo para este texto faz um bom tempo?
A cidade é o espaço coletivo que tem que funcionar bem ou...

Como em qualquer outra parte da cidade os novos empreendimentos imobiliários pipocam e com eles a circulação de caminhões com entulho, terra, material de construção e concreto. Como não há controle do peso destes caminhões por onde passam estouram a calçada e todo pavimento das vias. Normalmente a calçada é reparada pelos responsáveis do empreendimento no fim da obra porque a lei diz que o responsável pela calçada é o lote lindeiro. O pavimento da rua não, este é de todos, portanto não é de ninguém, como se diz. A rua Paes Leme, que é rota de ônibus que saem do Terminal Pinheiros, está com todo seu concreto trincado e em alguns pontos afundando. Quem vai pagar pelos estragos? 
Mui provavelmente, com quase toda certeza seremos nós, os contribuintes.
Quem sai ganhando? Com certeza a curto prazo as empreiteiras e os empreendimentos que arcam com um custo bem menor com o transporte de entulho e material de construção. Passam um jato de água na saída do caminhão lotado e está tudo certo. Se cair um pouco da carga excessiva no meio da rua lá na frente ninguém viu, ninguém fala nada, não se pode provar quem foi o responsável. Muito menos pela deformação do pavimento. Recebem mais material por viagem, custo menor, o asfalto que aguente, e se não aguentar a obra está a acabar, dane-se, não serei eu, empreiteiro, a pagar.

Andei rodando em algumas estradas do interior paulista e em muitas o asfalto está numa condição ruim. A causa é fácil de identificar, basta ficar e olhar: caminhões com carga acima do permitido, o que é fácil de identificar tanto pelo "rebaixamento" da suspensão quanto pela dificuldade que eles têm para enfrentar mesmo subidas mais leves. Quem vai pagar o recapeamento? Mui provavelmente, com quase toda certeza seremos nós, os contribuintes. 
Este excesso de peso dos caminhões é ótimo exemplo de uma sociedade disfuncional em vários sentidos. O caminhoneiro carrega seu caminhão além do permitido para ganhar por viagem um pouco mais. Com isto vai ter um pouco mais dinheiro para ir ao supermercado, onde encontrará mercadorias mais caras por causa, dentre outras razões, do custo do transporte das mercadorias. O transporte das mercadorias fica mais caro porque quem transporta gasta mais com combustível e manutenção, tem que ir mais lento (tempo é dinheiro) e por isto cobra mais e na ignorância também pensa que está a ganhar mais. Como gasta mais não sobra dinheiro para trocar seu veículo de trabalho, o caminhão já obsoleto. Não trocando o veículo de trabalho emite mais poluentes e viaja com menos segurança o que faz com que o sistema público de saúde tenha mais atendimentos. Com o posto de saúde cheio a opção da família deste trabalhador caminhoneiro que só tem tempo para seu trabalho é ir até a farmácia da esquina comprar remédio sem prescrição médica, o que mais para frente vai gerar outros problemas clínicos. Como trabalha muito e só fica em casa quando está doente não tem tempo para descansar, para dar a devida atenção aos filhos. Crianças com problemas em casa tem menor rendimento na escola. O rendimento das crianças, dentre outras razões, é resultado do tempo sacolejando dentro do ônibus escolar caindo aos pedaços de tanto buraco. De volta para o lar a criança não brinca na rua, não usa a bicicleta que ganhou de aniversário, não conhece novos amigos, não se une... porque pode se machucar nos buracos. Com o tombo na calçada do vizinho velho se toma mais cuidados e se dá graças a Deus que há uma farmácia em cada esquina. E assim segue o maléfico círculo vicioso.

Em tudo há um ou mais pontos de convergência que podem ser produtivos ou destrutivos. A opção é...

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Loucura pouca é bobagem, salve Gandhi, Brazil, o filme.

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Interessante o momento que estamos passando; sem dúvida um teste sócio psiquiátrico. Eliane Cantanhede disse na Rádio Eldorado que vai deixar o louco falar o que ele quiser que não irá mais reproduzir ou comentar, que é justamente o que ele quer. "Ele está usando a gente", completou bem Eliane. Gandhi é nossa saída, ninguém reage. Teria sido lá trás ou será agora? E aí vem os manifestos do PIB de todos os cantos pedindo democracia, paz, liberdade. "O mercado financeiro (e afins) demora para reagir" ouvi, mas quando reage o que acontece? Dois anos e maio depois? Guido e Guedes formam um lindo nome de dupla sem traquejo universitário. Nunca o ditado árabe "o que os sábios construíram em 80 anos um imbecil em destrói em 8 minutos"; o que se dirá de mais de um ano até as eleições. E, inocentes, não tínhamos qualquer dúvida sobre a loucura do único, 'dele', que uns muitos acreditaram messias, mas a solta temos mais 300 e outros tantos votando no parlamento o que sequer os próprios sabem o que ao certo é. Sem dúvida, voltamos a 1966, e as portas se abriram para a plateia assistir "Este mundo é dos loucos", filme recomendável para nossos divertidos dias sobre uma cidade em meio a guerra de onde todos fogem e os loucos são libertados. Neste Brasil de genial música talvez nos salvará Os demônios da garotada entonando um samba do miolo doido. Pausa para o self! Não se esqueçam de chamar pela rede social o exército Branca Leone. Do outro lado do planeta, um pouco mais sóbrios e cansados desta loucura estão levando muito a sério fechar as portas destes párias. E aí Bye Bye Brasil; nosso agronegócio acabou. Brazil, o filme.