segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Como morrem projetos de interesse público

"Eu não vou colocar em risco a educação de meu filho" e esta frase enterrou mais um dos ambiciosos projetos sobre mobilidade. Uma razão, um funcionário, e uma pena capital, fim e acabou.

Lá por 2009 Guarulhos conseguiu verba para o projeto executivo de seu sistema cicloviário que ficou pronto dois ou três anos antes das Olimpíadas aqui no Brasil. O projeto inicial que foi contratado não levava em consideração as ligações entre algumas ciclovias previstas inicialmente, o que foi corrigido com autorização de Brasília. O total de ciclovias projetadas aumentou algo em torno de 20%, o que faria a ligação norte entre bairros e o principal parque da cidade, o Bosque Maia, ampliando a finalidade das ciclovias implantadas e aumentando o público alvo, dentre outras ideias não previstas originalmente.
Bem no finalzinho dos trabalhos foi lançada a possibilidade de se criar em uma destas ciclovias, a da av. Faria Lima que acompanha um córrego, o que se chamou "Parque Linear Olímpico de Guarulhos". A ideia básica era aproveitar a implantação da ciclovia de aproximadamente 4 km, entre o Parque Jardim Adriana / SESI até a Prefeitura, e formar um parque linear junto ao córrego que uniria 12 clubes, estabelecimentos públicos e privados, escolas, parques, equipamentos esportivos ou de apoio ao esporte que já existem no local e que fomentam mais de 15 práticas esportivas todas olímpicas, incluindo baseball. A implantação do parque linear dependia da implantação do Plano Cicloviário de Guarulhos e a ciclovia Faria Lima ali prevista, mas tudo foi enterrado pela reação de um único funcionário. Anos de trabalho, um projeto executivo completo, caro, financiado pelo poder público simplesmente enterrados, sumiram, ninguém sabe, ninguém viu.


SP Reclama
O Estado de São Paulo

O caderno mobilidade do Estadão de 18 de setembro de 2021 veio com a página "Acidentes com ciclistas crescem 30% em 2021" e subtítulo "Cidade de São Paulo lidera o ranking nacional; o uso de bicicletas vem aumentando continuamente há dez anos". Mais em baixo vem as recomendações da ABRAMED: 1 - Construção ou ampliação das ciclovias e ciclofaixas; 2 - Manutenção frequente das ciclofaixas e ciclovias; 3 - Campanhas educativas; 4 - Mais placas de sinalização; 5 - Ampliar a interligação entre modais
Óbvio que São Paulo lidera o número de acidentados. É o estado e tem a cidade com a maior população do país. Talvez o dado correto devesse ser publicado em cima do número de acidentados por 100 mil, o que talvez tirasse São Paulo da liderança, talvez. E deixo a pergunta que tipo de acidentados?
"Uso de bicicleta vem aumentando continuamente há dez anos" está correto, mas creio ser informação incompleta. "Uso de bicicleta vem aumentando continuamente há dez anos" entre as classes mais altas das cidades grandes, enquanto está diminuindo em antigos redutos de baixa renda que usavam intensamente a bicicleta, mas não apareciam nas estatísticas, e que vem há muito trocando a bicicleta pela moto. Muda completamente o panorama. A acidentalidade migrou também? Pelo que se sabe sim.

Nas recomendações da ABRAMED publicada no artigo, em outra ordem de prioridade:
  1. Campanhas educativas; - este é o ponto de partida: cidadão educado; ciclista educado e disciplinado dificilmente se envolve em acidentes. Tinha concluído a frase com "outros veículos, sejam motorizados ou não", mas o correto é “acidentes”, todos, sem exceção.
  2. Mais placas de sinalização; - a sinalização tem que atingir o objetivo desejado, o que não necessariamente quer dizer mais placas de sinalização e sim uma sinalização inteligente, eficaz, que de fato apresente resultados. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é... Placa é sinalização aérea, portanto a proposta da matéria é uma sinalização incompleta. Aliás, sinalização tem que ser de solo, aérea e semafórica, ou seja, "sistema semafórico".
  3. Construção ou ampliação das ciclovias e ciclofaixas; - Ciclista educado, civilizado, que sabe pedalar, vai necessitar muito menos ciclovia ou ciclofaixa porque saberá conviver com o trânsito, pedestres e a cidade. Nunca vi uma comparação entre os custos de educação e treinamento de ciclistas X construção de vias segregadas aqui no Brasil; e custos X benefícios de cada opção. Se alguém viu, por favor me envie. Outro ponto é que só temos as estatísticas de acidentes fatias. Acidentes não fatais em ciclovias e ciclofaixas são subnotificados, quando o são, o que distorce a realidade. Nem falo sobre incidentes.
  4. Manutenção frequente das ciclofaixas e ciclovias; - óbvio que tem que haver manutenção frequente não só das ciclovias e ciclofaixas, mas de tudo que envolve a circulação e transporte no entorno. Por quê? Exemplo simples: pedestre que sai caminhando pela ciclovia porque a calçada é ruim ou menos cuidada. "Ou todos tem segurança ou ninguém está completamente seguro" é princípio básico de segurança. Insegurança na via dos veículos motorizados certamente vai se refletir na segurança dos ciclistas, mesmo que estes estejam segregados.
  5. Ampliar a interligação entre modais; tem que ampliar o diálogo não só com outros modais, mas com a cidade, daí a interligação será um detalhe que se resolverá naturalmente.

Defender uma boa causa vale a pena, mas precisa ter cuidado.

Aumentar a segurança do ciclista é importantíssimo, mas de que forma? O que é líquido e certo é que as cidades entraram num processo de revisão imposto pela inteligência artificial. Neste contexto será que se deve colocar tantas fichas num projeto de cidade dos anos 80? E deixo a pergunta: qual o custo da segregação neste novo contexto que vivemos?

Felizmente não repetiram o erro sobre uso de capacete, o que a ciência nega dar a segurança que todos apregoam. Por favor ler - http://escoladebicicleta.com/dicascapacetes.html ou qualquer outro documento sério sobre o assunto.

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