Não paramos em Tenerife. "Quem não sabe perder jamais saberá ganhar" ensinamento de ouro. Tive mais tempo para conhecer Palmas de Gran Canaria e adorei. Ainda volto.
Enquanto passeava tranquilo por Las Palmas o povo deste cruzeiro que foi para Tenerife teve que enfrentar uma hora e meia de ferry, chegar lá e dar com o despejo simultâneo de quatro cruzeiros, cidade e suas lojas lotadas, mais uma hora e meia de volta (pagos pela MSC).
Depois de toda a confusão aqui no navio achei que minha reação no teatro 'xingando' (xingando?) madames e distintos senhores de 'pobres' iria acabar em alguma confusão posterior. Para minha felicidade o máximo que aconteceu foi encontrar os finos, ricos e educados revoltosos olhando para mim com cara de espanto como estivessem vendo fantasma.
Este cruzeiro é um preciso micro cosmos do que é a classe média brasileira, média baixa, média média e média alta, com todas suas nuances e regionalismos. Tem sido uma experiência humana interessantíssima. Que conclusão se tira? Boa pergunta. No geral o pessoal é comunicativo e educado. As diferenças de formação e educação são sensíveis, mas a maioria se mistura cordialmente. Não se ouviu uma palavra sobre política, nem sobre a situação atual do Brasil. Mas teve a revolta, a tentativa de motim dos piratas que queriam chegar a Tenerife de qualquer forma para saquear as lojas imposto zero baratinhas, o motim do "eu quero o meu!" (celular). O navio não foi, mas eles foram e voltaram. Vitória! devem ter gritado. A definição da aventura até onde sei foi feita por uma aparente sacoleira que entrou esfuziante no restaurante e imediatamente lhe perguntaram como foi Tenerife:
- UM PORRE! respondeu alto para todos ouvirem, o grupo da mesa de onde veio a pergunta e os que estavam a mesas de distância.
Os funcionários que estavam presentes e viram o agressivo protesto do PST, Passageiros Sem Tenerife, no lobby e depois no teatro do navio dizem que nunca vivenciaram nada igual. Uns poucos da tripulação vão mais longe e dizem que nunca viajaram com um grupo de passageiros tão difícil. "Fizeram até reclamação dizendo que os tripulantes não estão sendo alimentados direito" entre outras histórias de insurgência. "Como podem dizer uma coisa destas se não tem acesso a nossa área (interna dos tripulantes)?" A confusão para a tripulação continua, é invisível, permanente e desgastante, reflexo do que é este nosso infeliz Brasil. A maioria dos passageiros não percebe.
E descemos em Las Palmas de Gran Canária, agradabilíssima. Pegamos um táxi e fomos para o centro velho, bairro em torno da imponente catedral de Sant'Anna. Da entrada da "igreja" sai uma senhora brasileira reclamando do "absurdo de pagar EU$ 3,00 por pessoa" para visitar a catedral. Expliquei que era para manutenção, fato comum em toda Europa, e que a falta desta "ajuda" é que fazia com que o patrimônio histórico brasileiro vivesse ruindo. Ela deu meia volta, pagou os ricos EU$ 3,00 e entrou.
Falta de cultura ou pensamento pobre?
Pobre, o que é pobre? Pobre é ofensa? Pobre de dinheiro ou de cabeça?
Tem alguma coisa muito errada onde e quando a palavra pobre é uma ofensa mortal. Ou onde dizer que o outro "não tem cultura" quase acaba na porrada.
Faz muito tempo descobri que xingar usando o vocabulário chulo popular e trivial, FDP, PQP, VTC e mais alguns clássicos, serve só como explosão de desabafo porque não toca tão fundo assim. O dia termina estranho se voltar para casa sem ouvir alguma gentileza do gênero.
Um dia, cruzando a Av. Brasil, uma perua loira toda empetecada numa SUV das realmente caras olhos colados na telinha fez uma besteira grossa no trânsito. Ela estava de vidro aberto, ouviu meu "Ei!", desviou e, confesso com dor na consciência, que pelo seu jeito creio iria até pedir desculpas, mas fui mais rápido e dei um tiro certeiro que não consegui controlar: "Por que você não muda a cor da tintura do seu cabelo". A loira rodou uns metros, teve um espasmo de inteligência e a hora que ela se deu conta do que tinha ouvido quase desceu do carro para me bater, só não desceu porque percebi o estouro de fúria e fugi rabo entre as pernas.
Peguei na veia.
Em 1977 fui fechado por um Opala 6 cilindro de luxo, o chique da época. Por azar do motorista nos encontramos de novo no sinal fechado na esquina da sorveteria da moda da época, lotada. Ele estava com as janelas abertas e acompanhado por uma linda mulher. Parei na janela e com minha voz de megafone perguntei "Porque você não vende este carro e vai se educar na Europa?". A mulher e boa parte das pessoas conversando na calçada caíram na gargalhada. Ele queria morrer, derreteu para debaixo do painel.
Xingamento, ofensa, ou simples constatação? Mereço cartão vermelho?
Sem extravasar a civilização não teria chegado até aqui, isto é líquido e certo.
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