sexta-feira, 3 de junho de 2022

Com que roupa eu vou?

Ciclismo a caráter:
Esqueci em casa o tênis, bermuda (normal) e camiseta (t-shirt) que eu usava para correr de moutain bike e larguei numa prova em Petrópolis vestindo uma bermuda de veludo cotelê, camisa polo, e mocassim, cinto de couro e, óbvio, meia combinando com a polo. Era 1989, bem no início do mountain bike, tudo muito improvisado, mas nem tanto. Largamos, depois de uns 100 metros afunilou, fizemos um cotovelo à esquerda e iniciamos a subida de um monte por uma trilha que permitia ao pequeno e entusiasmado público ver a longa fila de mountain bikers todos vestidos a caráter, bem dito, com roupa de ciclismo, exceto eu. Lá de baixo ouvimos alto e claro o berro do bem-humorado Henrique Coutinho, o organizador da prova, "Quem é o fdp que está vestindo roupa social?". A gargalhada foi geral, o que acabou me ajudando a abrir um pouco dos que estavam atrás. 
Eu não estava com 'roupa de franga', o que contava dois pecados; primeiro: roupa de franga no meio ciclístico apelido que roupa de ciclista, colados ao corpo bermuda de lycra e camisa de ciclismo com bolsos nas costas, sapatilha de taco (ainda não existia clipe) para travar no firma pé do pedal, o que era para bem poucos. Foi "roupa de franga" até virar vernáculo politicamente incorreto. Segundo: qual é o outro pecado mesmo? Sei lá! não me lembro mais. Que seja, roupa de ciclista hoje virou moda, coisa para lá de chique; e cara. Hoje pedalar forte no vácuo de alguém vestido com roupa diária, entendida como 'não de ciclista', é tão politicamente incorreto e tão insulto quanto dizer 'roupa de franga'. Mas que é divertidíssimo ver a cara de quem é perseguido por um velhinho sem capacete vestindo calça jeans e camisa social, ah! isto é, e como é! Recomendo que experimentem.
MTB For Fun - USP São Carlos 1995 - nota 10!


Pedalar para o trabalho:
- Por que você não vai para o trabalho pedalando?
- Tenho que trabalhar de terno. Como vou aparecer com roupa de ciclismo? No escritório não tem chuveiro nem lugar para trocar de roupa. E não posso subir no elevador vestindo roupa de ciclismo. Como vai ficar?
- Qual é o problema de ir de terno? 
- Não sei pedalar sem o pé clipado.
(Cuma? Não sei pedalar ser clipe? Como assim? Eita frase repetida aos montes!)
- Você já foi para fora, não foi? O pessoal não vai para o trabalho de terno e sapato social?
- É, vai, mas lá é lá. Eles não têm o calor que temos aqui.
- Vai me dizer que eles não têm verão? É tão ou mais quente que aqui e mesmo assim eles vão trabalhar pedalando. Então?
(silêncio)
O bicicletário do edifício de escritório começou com quatro bicicletas, passou para 10, 20, 30, tiveram que ampliar. 
- Boa! Está indo pro escritório! De terno, chique! Quem dizia que não dava para ir.
- Eu nunca falei isto.

A alegação que não consegue pedalar sem clipe dói no dente! 
Até que enfim o pessoal está descobrindo que se eles podem nós podemos também, faça frio ou faça sol. Faça chuva, o que não falta por lá. E neve...
Dizem que o calor de verão na Europa é de lascar. Nós não estamos preparados para o frio e eles não estão para o calor, mas o uso da bicicleta não para.   

Afinal, com que roupa eu vou?

Minha mais grata surpresa veio da Fernanda, que tinha medo de pedalar nas ruas, que é advogada de ponta e tem que ir vestida como tal, o que é que isto signifique. Bom, a moçoila vai chique, toda perua, faz parte do jogo.  
A necessidade é mãe da ação e em vista disto acabou a choração. Mudaram o loca do escritório, piorou para ir de carro e ficou mais perto da casa dela. A bem da verdade daria para ir a pé, mas em vista de nossos problemas de segurança... vai que roubam os balangandã da menina.
"O problema ainda (para ir de bicicleta) é que tenho que ir de salto alto". Problema? É jeito. Não me lembro onde, mas dei com uma linda senhora, lá pelos seus 50, pernas bem trabalhadas expostas por uma saia relativamente curta na bicicleta, um pouco acima dos joelhos que com vento subia mais, e salto agulha 10. O segredo: ela travava o salto por trás do pedal numa solução meio clipada. Genial, sexy, muito sexy. A classe dela 'destravando' o salto agulha quando parou foi notável. 
Ou vai com um sapato baixo ou tênis com o sapato de salto alto social numa mochila ou sacola e troca no escritório, como fazem as mulheres em NY, Londres, Paris, Milão... 
"A saia vai prender na roda"; não, não foi dita pela Fernanda, mas é reclamação comum. Uai! ajeita que não prende nem enrosca. Dobra; prende a saia com um clipe, pregador ou elástico e moeda; ou simplesmente senta em cima dela dobrando para frente, a técnica mais comum e simples. Chique mesmo seria conseguir uma old dutch, as bicicletas femininas típicas da Holanda, com redinha fechando a roda traseira, o que evita que a saia seja puxada pelo pneu para dentro do quadro. 
Cuidado meninas por que conheço quem voltou para casa com a bunda de fora. 
Óbvio que dá para ir de saia, mas com devidos cuidados, as chiques que o digam. 

Chove lá fora. Faz frio. Que dia maravilhoso para pedalar. O pessoal vai ficar entalado no congestionamento sem saber que horas chega no trabalho ou em casa e o ciclista vai passar livre, leve e solto / solta. 
"Eu vou chegar com a bunda suja". Se a bicicleta não tiver para-lamas pode ser que vá.  Pedala devagar que a água não sobe. Usa uma capa em formato de poncho de gaúcho, daqueles que cobrem as pernas e os braços, que vai chegar sequinho numa chuva normal. A Decathlon tem destas capas de chuva. Funcionam maravilhosamente bem. Indo devagar, pedalando com sabedoria, você chega mais seco que se estivesse a pé com guarda-chuva.   
"Nossas ruas são sujas. A água que sobe é escura, deixa manchas". Uai! em tempo de chuva usa roupa com cor escura, de preferência em tons cinza-chumbo, e com tecido que lava fácil, mas, de novo, pedala devagar que a bunda chega limpa e seca. 
É lógico que ter para-lamas e pneus corretos ajuda muito. "Pneus corretos?" Sim, alguns pneus são projetados para escoar bem a água e diminuir o spray. Melhora muito.

E depois de postado saí para pedalar vestindo um jeans e aí caiu a ficha de um detalhe crucial: 
Use cinto bem ajustado e presilha de calça. Mostrar o cofrinho é ""feio"", mas calça sobrando pode enroscar no selim, o que pode acabar num acidente grave. O mesmo com bainha da calça enroscando na coroa. Também vale para mangas largas. Qualquer tecido solto ou sobrando que enrosque na bicicleta é problema sério. 


Pequeno detalhe 1
- Gostou do passeio?
- Adorei, mas machucou
- É falta de costume. 
- Não foi na bunda, foi lá.
- Bom... já que você falou... E falando baixinho explicou - As meninas comentaram...
- O que?
- Com fio dental não dá certo.
E com cara de bunda a constrangida novata perguntou: 
- Dava para ver? 
- Dava. (Bermuda clara com tecido muito fino + calcinha preta; fim de conversa)
Na semana que vem estava ela de volta. Fez o passeio e no final sorriu.  


Pequeno detalhe 2
- Estou bem-vestida? Dá para ir pedalando (para a festa)?
- Está. E dá. Vamos embora que já é tarde.
Vestia uma camisa de jeans mais grosso, corte reto, que fazia desnecessário o uso de sutiã. Estava chique, a bem da verdade linda.
E saíram pedalando. Passou um motociclista, olhou para o lado, e mesmo com o namorado pedalando junto desacelerou e praticamente enfiou o nariz dentro da camisa jeans. Acelerou e se mandou. Ela olhou para o namorado e perguntou o que ele estava rindo e o que tinha acontecido com o motociclista. 
- Você conhece ele?
- Não.
- Não entendi. Me diz uma coisa, porque você está rindo.
- Olha para baixo; e ela olhou para a bicicleta e o asfalto.
- Não entendi. O que tem? A bicicleta tá com problema?
- Olha de novo; e ela olhou. - Mais para baixo, para seu umbigo; e então ela viu os seios praticamente de fora. 
- Vamos voltar.
- Esquece, você tá linda. Pega meu suéter e dá um jeito. Na festa você vai fazer sucesso. 

Pequeno detalhe 3
Se você não gosta de bermuda de ciclismo, como é meu caso, por favor não use cueca com costura grossa em viagens longas. Pelo encravado é certeza de ter de continuar pedalando sambando no selim. 
Só danço samba; só danço samba; vai, vai, vai, vai, vai; só danço samba, vai!



Um comentário:

  1. Ri com muita vontade ! Parabéns ! Pedalar é um ato de liberdade: pedale com quem te faz feliz e com sua bike.

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