domingo, 25 de junho de 2023

sol de outono, depressão e alegria

Não quero perder um minuto do sol de outono. 
Nem de suas noites perfeitamente estreladas. 
Outono, o tempo das sombras muito bem definidas.

Tive que dar um basta. A todos. Sempre ajudei os outros e não olhei para mim. Minha vida se perdeu, virou uma bagunça. Minha casa está atulhada de coisas que me fazem lembrar de meu passado e de outras coisas que não sei exatamente o que estão fazendo aqui. Ou sei e não quero saber. Ajudei os outros e não olhei para mim e para minhas coisas. Não me arrependo, mas tudo tem seu tempo.

A santa Cida, minha faxineira, está doente. A casa cheia de pó. Dei um basta e comecei a limpar. No final do primeiro dia da limpeza que fiz não pude acreditar no que meu humor melhorou. Da depressão passei ao sorriso. Depressão? Depressão! Deprimido, se auto confessar que está deprimido ajuda muito, define que está deprimido, mas não o suficiente para afundar-se na depressão. É um suspiro profundo; eu vivo.

Parei de ver e falar com todos ou continuo comprando problemas que não são meus. Exceção para minha prima Thereza, que não deveria ser problema meu, mas foi jogada em meu colo. Ela é um doce, vale a pena. A notícia que tinha tomado um pequeno tombo e estava com o joelho machucado poderia ter vindo outra hora. Melhor, nunca vir.
Whatsapp do fisioterapeuta: não é cruzado, não há edema, não parece grave, mas tem que averiguar, "Não sou médico" avisa ele. Preocupação, pensamentos negativos: talvez menisco e para mim o mais assustador: osso trincado, dói e na idade dela, Thereza, vai demorar para solidificar. Saco!
Decisão de ir pela amanhã pela manhã - que acabou sendo a tarde. Levo no pronto socorro hoje de noite ou amanhã, pergunto para a enfermeira chefe. Decisão minha, e sábia, muito sábia, dorme e leva amanhã pela manhã.  

Acordo com a sensação de calma para partir, algo como um aviso de vai dar certo. Deixo a manhã passar arrumando coisas em casa, o que me faz bem. Almoço com calma e vou buscar o carro, e lá ainda dou uma descansadinha para deixar o tempo passar certo que "vou dar sorte e o pronto socorro vai estar mais vazio". Pego Thereza, levo e o pronto socorro está mais vazio. Ela entra com a enfermeira e é atendida muito mais rápido do que esperava. Mais, depois do raio X o médico diz que é só dor de batida. Ufa! 

Começo de noite de outono, temperatura amena, noite estrelada, coloco Thereza no carro e pergunto "Quer comer o que? Gosta de pastel? Tem uma feira noturna logo ali". A resposta vem incisiva, sorridente e alegre "Adoro pastel. Pastel!" E lá vamos nós. Ela come o seu dentro do carro, é lógico, e não empastela tudo. Ainda tem o saquinho de pastel de vento que vamos assaltando enquanto voltamos para casa. Estamos todos leves, eu, ela e santa enfermeira que ficou na água de coco. 
Chego em casa leve. "Vou dormir bem" e durmo.

Acordo cedo, o dia vai amanhecendo, a névoa se dissipa e fica lindo, azul de outono. Tomo café da manhã com calma e profundamente aliviado, Thereza está bem, vai ficar bem. Arrumo umas poucas coisas da casa e às 10h00 decido ir para o Pico do Jaraguá. Estou há muito me devendo esta. Pela vida arranjei desculpas para tudo, muitas por medo de perder a bicicleta, talvez o mais assustador de meus medos. Faço um rápido preparo e saio para a rua. Medo do desconhecido, do que vou encontrar fora de minha área de conforto, do meu bairro, do meu canto, mas vou, sigo em frente.
Pedalando na ciclovia, no CEASA passo por inúmeras barracas de moradores de rua. Me sinto deprimido, me dói ver todos eles naquela situação, me desagrada estar "indo pedalar no Pico do Jaraguá", um luxo. Lembro da eterna recomendação de Teresa: olhe para si próprio; você tem direito, você merece. As barracas ficam para trás, subo o viaduto sobre a linha do trem da CPTM, vejo o Pico do Jaraguá em frente, ainda longe, e penso "vai ser divertido, vamos lá". 

Ponte dos Remédios, bairro dos Remédios, não sei se erro o caminho ou faço o que não deveria, mas vou contornando as subidas pela avenida que segue em paralelo com a Marginal Tiete. Me sinto numa estrada e isto me dá uma injeção de alegria que não consigo acreditar. "Estou vivo'. A avenida dobra a esquerda, o trânsito e barulho da marginal somem, e me vejo no meio de um caminho entre árvores. Me sinto melhor ainda. Caminho errado, cruzamento errado, mas estou pedalando, dá para ir pela contramão e pelas calçadas. Estou livre. Cruzo a Anhanguera, entro no bairro do Jaraguá que não tem nada a ver com que imaginava. "Idiota! Para que ficar pensando em assalto ou perder a bicicleta?".
"O parque é mais distante do que eu imaginava ou o medo alongou o caminho?" De casa são 20 km, portanto a distância não mudou, mas a ansiedade alongou. Vou olhando o relógio e o tempo de pedal faz todo sentido, a sensação não. O caminho é menos plano do que eu esperava, só isto. 
 
O Pico do Jaraguá está imponente a minha esquerda. Cheguei. Nos últimos metros parece que a entrada não chega nunca. Finalmente. Não me lembrava mais como é. Verde, imponente, a subida começa de cara bem inclinada. Upa! Sou parado. Na barreira o funcionário me avisa que sem capacete não pode subir pedalando. Ouço a proibição feliz porque cheguei até aqui. Quebrei meus medos. E o verde, ah! o verde imponente, calmante. Ele diz que tem um capacete que pode emprestar. Vamos até a cabine dele, visto o surradíssimo capacete e começo a subida incerto de terminá-la. Como estará meu pós Covid? 
Subo. O começo é difícil. "Pelo que vi num mapa o complicado é no final e não o começo" Quando o cansaço chegou acabou, cheguei sem euforia, mas leve, mais leve, muito leve. 
Caminho para o mirante e olho a vista, São Paulo imensa, interminável. Como prêmio passa um dirigível, sim um dirigível. Não acredito. Estou muito mais inteiro que imaginava. Estou leve, que sensação maravilhosa, leve! Repito para mim mesmo sem parar. 

Saí de casa com medo da descida. Tenho que voltar, descendo. Sei descer, desço bem, mas o prazer agora que estou velho é subir, descer eu desço, mas... Desço mais rápido do que pretendia. A descida é muitíssimo menos perigosa que imaginava. O pessoal se arrebenta na descida porque tem merda na cabeça.

Lá em baixo devolvo o capacete e agradeço muito o bem que ele, funcionário, me fez. Ele não tem condições de entender a diferença que me fez neste dia, para estes dias que virão. Estou leve como há muito não me sentia. Vivo.
Peço indicação de caminhos e volto para casa pela Bandeirantes. Saí do Parque para a direita, cruzei a rua para esquerda, passei no meio da aldeia indígena, desci um pouco, cheguei na passagem por baixo da estrada e subi uma escadinha que dá na estrada. 
Estrada! Pedalo com calma, sem forçar a musculatura pouco cansada, e rapidinho estou de volta à marginal Tiete. Por ironia do destino os cruzamentos perigosos para sair da estrada estavam livres para mim, como uma benção dos céus, uma espécie de vai que eu te ajudo. Obrigado. O emocional está ótimo, não posso acreditar que tive coragem de confessar minha depressão. 

Em comemoração como num japonês que tem mesas no terraço olhando para o trânsito da rua. Estou muito menos cansado do que esperava e feliz. A quanto tempo não me sentia leve, livre e feliz. 

Não quero que o dia acabe. Fim de tarde perfeito. Anoitecer perfeito. Seguro a hora de tomar banho para não desmontar de vez. Janto, tomo banho e vou para a cama, ainda estou aceso. "Não quero que o dia acabe".  

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