Passo com frequência na frente de uma casa próxima à Praça Panamericana, Alto de Pinheiros com muita atenção e curiosidade. Da rua pouco se pode ver pela grade vazada de barras de ferro e o farto ajardinamento nada além de uma parede lisa em concreto e uma fachada lateral levemente curvada frente a um jardim com árvores. Nunca consegui saber de quem era o projeto. Sempre imaginei que uma outra casa próxima dali, também em concreto e construção levemente curvada com amplas janelas em madeira, sala envidraçada dando tanto para a garagem e jardim, piano de cauda no meio, fosse do mesmo arquiteto. O que nunca tive dúvida é que as duas construções são fruto de arquitetos de primeira linha construídas provavelmente nas décadas de 60 ou 70.
Foi publicado no Estadão o comunicado de uma exposição de arte montada numa casa projetada por Oscar Niemeyer que só poderia ser vista marcando data e hora. Rapidinho tentei marcar, mas já estava esgotado. Ironia do destino estou passando mais uma vez pela frente da casa, que não sabia ser a mesma que sempre me despertou curiosidade, vejo o segurança na porta conversando com uma senhora, dou meia volta, pergunto ao segurança se existe alguma forma de ver a exposição sem ter conseguido marcar a entrada pela internet, e a senhora me diz "Eu vou entrar. Estou esperando uma amiga que não chegou. Você quer entrar junto?" e virando para o segurança perguntou "Ele pode entrar comigo?"; "Pode" respondeu, e por pura sorte entrei.
A casa é simplesmente maravilhosa e não por ter a assinatura "Oscar Niemeyer", mas porque é agradabilíssima, iluminada, bem projetada, racional. A exposição que foi montada nela tinha obras de primeira linha, mas a imponência da arquitetura se impôs para mim.
Na saída conversei com o responsável pela exposição, funcionário da Fundação Oscar Niemeyer, que disse que a casa está à venda e não está tombada. Quase caí de costas. Apavorante! Com o nível de mediocridade que vivemos se corre o risco de um novo rico semianalfabeto demolir este patrimônio cultural e histórico não só do Brasil, mas da humanidade, para construir uma cópia de palacete eclético europeu do início do século XX em versão peru no pires três andares + ampla garagem no subsolo. Exagero meu? Niemeyer é o mais conhecido por aqui, mas são inúmeros os arquitetos brasileiros de sua geração que têm uma obra respeitadérrima mundo afora. Muitas das obras primas destes arquitetos menos conhecidos (aqui) foram demolidas para a construção de cópias chiques do primeiro mundo ou arquitchetchura tupinãodá. Exemplo recente e deprimente desta terra arrasada é uma casa térrea de raríssima qualidade arquitetônica espalhada pelo terreno, jardim contornando sem grade, frente a av. Pedroso de Moraes, única, que acaba de ser demolida, um crime. Quem se importa?
Murillo Marx, Professor Titular de História da Arquitetura da FAU USP; primeiro Diretor do Patrimônio Histórico do Município de São Paulo; CONDEPHAT, dizia que São Paulo provavelmente era o acervo arquitetônico mais rico do planeta, com uma diversidade de estilos e épocas único. Repetindo: São Paulo provavelmente era... O que já foi mandado abaixo é uma barbaridade, um crime em nome do progresso, que eu prefiro chamar de "pogueço" e "mudernidade". Deprimente
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O Estado de São Paulo
Em conversa com funcionário da Fundação Oscar Niemeyer descobri para meu espanto que a casa no Alto de Pinheiros projetada por Oscar Niemeyer está a venda sem ser tombada pelo DPH. Depois de o Museu Nacional ter virado cinzas é simplesmente inacreditável que as joias de nosso patrimônio histórico não esteja minimamente protegido. Por toda São Paulo, a bem da verdade por todo Brasil, o número de construções históricas que vem sendo demolidas em nome de um dito progresso incerto é assustador. A obra de Oscar Niemeyer é a mais conhecida, considerada patrimônio da humanidade, mas o Brasil teve uma geração de arquitetos geniais que são conhecidos, reconhecidos e respeitadíssimos mundo afora. Aqui suas obras viram da noite para o dia entulho, assim e como sempre nossa história. Reconheço as inúmeras dificuldades de preservar tudo, dificuldades que deveriam ser discutidas de forma mais aberta, mas o que vem acontecendo é um crime. Uma coisa é revitalizar a cidade, outra, completamente diferente, é não respeitar o espírito dos cidadãos, o carácter e a alma da cidade. Quem ganha quando se fecha os olhos para a selvageria? Só um grupo muito seleto.
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