segunda-feira, 28 de novembro de 2022

viver com 10%

Uma amiga que hoje vive em Londres está aqui em São Paulo, na minha casa, para fazer um tratamento dentário. Como de hábito entrego a casa para os visitantes e vou para o apartamento de Teresa. Desta vez a estadia vai demorar um pouco mais, melhor, bem mais que o previsto, mas não é o caso. Quando Cristina chegou tirei o básico para viver fora uns dias: umas cuecas, bermudas, camisetas, meias..., o que cabia dentro de uma mochila tamanho normal, 35 litros. Nenhuma novidade, exceto pelo fato que desta vez confirmei que não faz sentido ter tudo que tenho. Não sei onde nem quem falou sobre a quantidade absurda de bens que cada um de nós temos hoje em dia se comparado ao que tínhamos na década de 60 ou 70, por exemplo. Fato é que estou me virando muito bem e feliz da vida com um algo em torno de 10% ou menos do que normalmente tenho disponível. Para que serve ter tantas coisas?

Faz muito tempo que venho me perguntando para que tanta bicicleta espalhada dentro do apartamento de Teresa, não vou contar de novo, mas creio que nove; não 10. A pergunta também vem se repetindo cada dia com mais frequência quando estou sentado na sala de minha casa olhando o amontoado de coisas, objetos, brinquedos e memorabilias, roupas, pratos, potes... Não faz sentido. Perdulário, é isto? Ou acumulador? Socialmente normal, mas ambientalmente desequilibrado, insensato, irresponsável. Quanto mais melhor? Com certeza que não. Ter mais que o necessário mais confunde que ajuda, não deixa as ideias respirarem, ganharem fôlego, partirem para a consistência. Não estou falando baboseira, mas repetindo conhecimento comprovado, ciência. Menos é mais, sabedoria milenar.
No consumo desenfreado estamos repetindo o "minta, minta, minta um milhão de vezes e a mentira se tornará verdade" um dos princípios do nazismo e agora do terraplanismo. Compramos, compramos, compramos e nos entulhamos de coisas, a nossa felicidade de mentira. Eu num 'guento mais.  

Cada dia com mais frequência tenho fugido de casa. Preciso dar um jeito na minha casa, no meu armário, na minha vida, preciso respirar, preciso voltar a trabalhar leve, pensar leve. Difícil, muito difícil.

cabides, cabides, cabides, são os deliciosos cabides de..

Ajudei a desmontar um apartamento onde moravam uma produtora de moda, um produtor de vídeos, um adolescente e um guri de 2 anos. Esquece as crianças, vamos ao que saiu do armário dos adultos. Meu trabalho foi organizar os cabides; ("Como assim?") sim, cabides. Contei nada mais que bons 550 cabides, mais pelo menos uma centena de cabides de arame ou de plástico quebrável de péssima qualidade que foram para o reciclável. Separei todos os bons por forma e qualidade e fiz a festa de um monte de gente. 
Óbvio que se tem cabide deve ter roupa. Pendurados nos cabides, fora o que havia nas gavetas, um absurdo de roupas, de tudo quanto é jeito, uso e moda, a maioria femininas, se eu disser umas 350 roupas vou estar errando por baixo. Nunca vi tanta roupa junta, nem em loja. O casal e guri se mudaram para Itália levando consigo 3 malas grandes e três malas de bordo; deixando por aqui para serem levados por pais e amigos outras 7 malas grandes (até onde sei); mesmo assim doaram o que encheria uma Kombi de vestidos, calças, camisas, lenços, suéteres, casacos, camisetas, cintos, meias, sapatos... Maluquice? Não, síndrome que se abate sobre nossa sociedade perdida independentemente do nível social: quanto mais melhor. 

Ciro Marx em sua época, morreu nos anos 70, foi considerado um dos homens mais chiques e bem-vestidos de São Paulo. Em seu discreto armário se encontravam perfeitamente lavadas, passadas, dobradas e acomodadas 4 camisas, 4 gravatas, 4 calças, 4 casacos, 4 cintos..., o estrito necessário. Homem chiquérrimo respeitado pela sua fluidez social. Ciro estava sempre impecável. Como? Simples, se uma peça do vestuário estivesse com qualquer imperfeição imediatamente era substituída por outra nova e a velha doada. Que inveja! 
Cada peça que tenho guarda uma história particular da qual não consigo me desvencilhar. Quero viver hoje, mas...

Tenho que ler o "Small is beautiful" do Ernst Friedrich Schumacher. Já ouvi algumas palestras sobre "menos é mais", faz todo sentido, mas o livro em si não li, está debaixo de minha cama eternamente na fila. Li o curto e incisivo texto "Energia e equidade" do Ivan Illish. Hoje sou muito muito menos consumista do que era antes, mesmo assim gostaria de ser bem menos, muito menos, muito muito menos. Tenho maturidade e cultura suficiente para sentir na alma que o simples, o menos, é muito mais proveitoso. 
 
Continuo sendo um cidadão padrão, leia-se acumulativo, mesmo sendo muito menos que o geral. A cada dia estou mais exausto e me perguntando para que tanto? Quero ser gente, não comprar existência social.

A COP27 que acaba de acabar fez um pedido desesperado pela racionalidade em nome da sobrevivência de todos. Aposto que só a minoria da minoria sabe o que é COP27 e muito menos o que eles discutiram e menos ainda o teor do documento que soltaram. A bem da verdade também não li o texto final, mas em linhas gerais sei muito bem sobre o que se trata. Eu sinto na pele que "mais é melhor" definitivamente não funciona.

O casal que foi e já está instalado em Roma recomeça a vida numa Europa que terá problemas sérios com aquecimento das casas neste inverno que se inicia. Como brasileiros eles tem uma vantagem: estão acostumados com frio dentro de casa. Nossas casas não tem aquecimento nem vedação, são muito frias para o padrão americano e europeu onde se mantém a temperatura interna de 26ºC para cima. Na Europa eu dormia com a janela um pouco aberta ou fritava com o aquecimento interno. O casal hoje romano conta que outro dia passou pela porta aberta do vizinho do andar de baixo e ficaram assustados com o bafo que saía de lá. Os governos estão pedindo que se mantenha a calefação em 19ºC máximo, agradável para nós brasileiros, frio para eles, europeus.

Não sei o que vai acontecer quando voltar para minha casa. Sim ou sim tenho que reformar o banheiro e trocar minha geladeira que não tem mais conserto. E sim ou sim tenho que me livrar de um monte de coisas que estão lá dentro e que se por um lado contam minha história de vida pelo outro me angustiam. Não culpo a loucura dos outros e talvez isto é uma forma de escusa para minha própria loucura. Uma coisa todos, incluindo eu, temos certeza: do jeito que está não pode continuar, o planeta simplesmente não aguenta.

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