quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Boldrin e Gal, com muita dor digo tchau

+As imagens que passam nas TVs contando, homenageando, duas peças fundamentais não só de nossa música, mas de nossa história, história de um Brasil múltiplo, profundamente complexo, rico, por mais que sejam precisas não fazem justiça à importância que Boldrin e Gal tiveram para este mesmo Brasil, Brasil que só conhecemos um pouco, muito pouco. Pena. 
Vindo para o computador para escrever algo que não sabia o que, estômago embrulhado, vi o por do sol alaranjado na Praça do Pôr do Sol, belíssimo, e este foi deles. Inesquecíveis, de certa forma faz bom tempo meio esquecidos, meio de escanteio. Pena. 
No supermercado a caminho de casa encontrei um jovem jornalista com uma camiseta de Woodstock, o original, 1969, e ele discursou seu sonho atávico, paz e amor, não a guerra. Mesmo jornalista, portanto investigativo, é apaixonado pela imagem, pelo sonho, lhe falta ter vivido no contexto da época. Somos assim. Neste Brasil perdido e sem memória somos mais perdidos ainda. O que foi aquele Brasil?
O velho mecânico de bicicletas falou pela primeira vez em nosso longo e sempre rápido relacionamento sobre algo não relacionado a bicicletas e para meu total espanto citou Lima Barreto que "era negro, bêbado e marginal como eu". Nunca soube que era um devorador de livros de história e que agora está "lendo autores que foram esquecidos até pela intelectualidade da USP". Olhávamos e seguimos olhando o próprio umbigo. Boldrin e a geração de Gal nos fizeram levantar a cabeça e olhar em volta.

No fim da manhã soube da morte de Gal Costa. Só consegue realmente entender o impacto que a Tropicália e os Doces Bárbaros causaram quem viveu aquela época fechada e tradicionalista de nossa sociedade. A comparação com os revolucionários de hoje e de faz um bom tempo são patéticas, ignorantes, para dizer o mínimo. Gal de pernas abertas e peitos de fora, cabelos black power e uma sonoridade afinadíssima e refinadíssima, nova. Nova! Gesto e canção, música pura, arte; mas muito além: fez história. Gostava, não fã, mas reconheço o valor brasileiro. "Sou uma cantora brasileira" dizia ela. Poucos entendem o significado desta afirmação, precisa ter estofo para chegar lá. 

E no fim da tarde vem a notícia da perda de Rolando Boldrin. Felizmente a obra de vida dele e de Inezita Barroso estão fartamente documentadas. Difícil que aconteça um incêndio como o da TV Record que queimou grande parte de nossa história. Quando soube da perda de Boldrin imediatamente me veio a cabeça o incêndio no Museu Nacional. Exagero a parte, Boldrin expôs um Brasil perdido na cegueira para estes interiores e sertões de botecos, rádios, cantores e duplas como Tonico e Tinoco que vendiam mais que Roberto Carlos. Boldrin, "O senhor Brasil", abriu as portas... Abriu as portas! Dele eu era fã. 
 
A mudança social tão necessária que está aos trancos e barrancos em curso neste país começou com uma geração de uma riqueza impressionante, daquelas que temos que agradecer aos céus por existirem. 
Por mais que sejam feitas homenagens a Boldrin e Gal elas serão pelo que fizeram como artistas. Poucos saberão dimensionar a imensidão do que eles fizeram para o enriquecimento de nossa história.

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