Passei por ele que comia um biscoito encostado a porta de ferro de uma loja fechada naquele domingo de noite fria. Pouco a frente encontrei um mercado, entrei, comprei um lanche completo, dois sanduiches, peru e atum, um suco de uva, e frutas. Voltei, me aproximei devagar para não o assustar, então percebi que não era ele, mas ela, senhora velha, cabelos muito curtos, comendo concentrada uma banana só com rosto descoberto pelo seu cobertor de pobre.
- Quer um lanche?
- Não, respondeu definitiva sem olhar para mim. Por respeito peguei o lanche e sai a procura para quem dar.
Ainda estava distante de casa mesmo assim não encontrei ninguém dormindo pelas ruas. Talvez houvesse naquele Largo de Pinheiros, provavelmente havia, mas não encontrei, ou não vi. Má vontade não tive, meu sentimento de culpa não permite.
Cheguei em casa com o pacote completo e o coloquei na geladeira. "Amanhã entrego para alguém". Cabeça girando fui para o banho quente. Foi passando lembranças das vezes que ajudei e fui bem sucedido, e das que a bondade não saiu como queria.
Uma história foi marcante e tanto o ocorrido como as explicações que tive depois valeram demais. Recebi meu primeiro salário depois de muito tempo parado e havia feito a promessa de doá-lo em comida para os pobres. Peguei Rafaela para me ajudar, paramos num McDonalds, ainda novidade e o mais desejado da época, enchi o carro de combos e fui para a Praça da Sé. Juntou um povo para receber o Big Mac, batatas fritas e milk shake. O problema começou quando já nos primeiros lanches um dos garotos reclamou que não queria milk shake de chocolate, que queria de morango; e um segundo reclamou que queria um sanduiche diferente, o terceiro reclamou sei lá do que e o primeiro sanduiche voou na minha direção. Pasmo, sem entender o que estava acontecendo deixei os lanches na calçada e tirei a Rafaela dali pela segurança dela.
No dia seguinte conversei com uma amiga que trabalhava com programas sociais e ela explicou simples e direto: "Eles têm todo direito de gostar ou não gostar. É ponto fundamental para eles, é onde sentem que ainda são gente, ter o direito a opção, a ter o que gostam, querem, sentem prazer"
No banho lembrei o que recentemente ouvi de outra amiga que trabalhou anos com o Cerimonial do Governo do Estado e por isto conhece bem o que dá resultados. "Defesa Social funciona é o melhor caminho", disse ela contando uma série de ações realizadas com sucesso. Depois de ouvir, quieto e com muito interesse as histórias confirmei minha velha convicção que ajudar os outros não é para amadores.
Tem a campanha "Vacina contra a fome" de doação de um quilo de alimento não perecível na hora de tomar a vacina. Como acabei tomando a vacina porque estava passando e o posto estava vazio não levei nada na hora, mas voltei no dia seguinte. Perguntei às senhoras que estavam recolhendo as doações o que as pessoas não estavam levando, mas era necessário. Olharam para mim e responderam "Arroz, feijão, macarrão..." e repeti a pergunta, e aí caiu a ficha delas: "Material de higiene pessoal, fraldas, fraldas geriátricas..." A lista é grande, comprei pastas de dentes, escovas, um pacote de fraldas (como é caro!), mais alguma coisa que não me lembro.
Não é o que você acha que o outro precisa; é o que outro precisa. Há uma diferença enorme entre o que pensamos e a verdade deles.
Estava destravando minha bicicleta em Amsterdam quando apareceram três holandeses com uma roda dianteira completa na mão. A bicicleta estacionada ao lado da minha estava com a roda completamente torta, inutilizada. Destravaram a bicicleta e saíram arrastando-a. Perguntei se queriam que eu fizesse a troca e aceitaram. Quando já tinha soltado a roda torta da bicicleta me estalou "Será que esta roda nova é roubada?", coisa muito mais comum que se possa imaginar por lá. E perguntei a eles, que riram e provaram que tinham comprado a roda nova.
Eu poderia ter me metido numa enrascada sem tamanho se fosse pego pela polícia com uma roda roubada na mão. Por mais desesperadora que seja a situação precisa acalmar para ver se a sua ajuda é funcional ou não, e se você não vai se meter em encrenca, o que no calor da situação é fácil acontecer.
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