É simbólico que no local onde foi o Senzala vá surgir um Burger King. E surgiu. É simbólico que o tradicional restaurante que tanto marcou gerações de paulistanos, em particular o pessoal do Alto de Pinheiros e Jardins, tenha sido demolido sem que houvessem protestos. Mais simbólico ainda que em seu lugar esteja quase pronta uma construção padrão Burger King, igualzinha a qualquer outra mundo afora, seja nos Estados Unidos ou na dita comunista China. É a simbólica globalização que unifica tudo em nome de preço, pronta entrega e qualidade de serviço padronizado.
Senzala para minha geração foi uma referência muito forte em diversos sentidos.
Uma noite quente eu e Teresa fomos ao Senzala e nos sentamos numa mesa ao ar livre. Fizemos o pedido que nos foi entregue com certa demora. Demos dois goles no chopp gelado, comemos umas batatas, eu estava sentado de frente para a rua e vi cruzando a rotatória vindo da Praça Panamericana um imenso rato que sem cerimonias veio em nossa direção, cruzou por trás da cadeira de Teresa, que não o viu, e seguiu em direção a cozinha. Ninguém percebeu até que o sujeito sentado na mesa ao lado deu um grito, puxou uma 45 automática, engatilhou, pude ver e ouvir o clique, e saiu atrás do rato gritando "Deixa comigo".
O gerente saiu de dentro do Senzala e pediu calma a todos que já saltavam sobre as mesas. Eu avisei que estava indo. "O senhor não pode sair sem pagar a conta. Não precisa ter medo, já resolvemos". "Não tenho medo do rato, mas do louco com uma 45 na mão".
Provavelmente os trinetos daquele rato não irão ousar cruzar a rotatória no sentido do burguer rei, talvez porque fiquem assustados com a arquitetura padrão do negócio.
A saber, o início da alimentação limpa, saudável e saborosa no Brasil se deu com a vinda dos escravos africanos, ou seja, com a senzala. Por uma questão religiosa o alimento era todo tratado com uma delicada e cuidadosa limpeza. Antes dos escravos a descrição do que era o preparo e as refeições provavelmente daria medo até nos ratos.
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