quinta-feira, 16 de julho de 2020

Para melhorar as cidades brasileiras: uso dos imóveis pós pandemia

Tenho uma pequena loja numa galeria que alugo. Com a pandemia tive que zerar o aluguel para evitar a perda de um inquilino que está ali faz uns muitos anos, décadas talvez. Mesmo estando numa área nobre sempre a galeria sempre foi problemática, difícil de alugar, difícil para o inquilino, de manutenção e condomínio caro. Já era problema, agora então... Se ele sair dancei, como estão dançando milhares de proprietários, inquilinos, trabalhadores... E daí, o que faço com os 27 metros quadrados? Se fosse um imóvel na rua talvez pudesse alugar para residencial, mas numa galeria comercial, o que se faz?

Eu tinha um sonho: cada vez que passava por um edifício garagem ficava imaginando como se poderia transforma-lo num edifício residencial, como usar a mesma estrutura. Normalmente as vigas estruturais são bem distantes umas das outras, mas o teto nem sempre é alto. Teria que se criar aberturas no meio da estrutura para trazer iluminação e ventilação para os andares de baixo, fazer a divisão, instalar a parte hidráulica, colocar divisões, e creio eu na minha não santa ignorância, trazer moradores. Seis vagas de automóvel fazem algo em torno de 50 metros quadrados, espaço confortável para um casal.
Sonhava com esta transformação porque mesmo antes da pandemia já era óbvio que mais cedo ou mais tarde estes edifícios garagem perderiam o valor que seu uso hoje se faz. O uso do veículo particular está diminuindo rapidamente e a mudança não deve parar. Nunca consegui entender como esta discussão já não estava na pauta do dia tanto da sociedade como do poder público.

Agora o papo é outro: o que fazer com os edifícios comerciais de escritórios. Uma coisa é certa, mesmo que voltemos ao normal o normal não será mais tão normal assim. Vai mudar e pelo jeito será mais rápido que imaginávamos. Também como leigo acredito que transformar edifícios de escritório em residencial deve ser mais complicado que transformar estacionamentos. As colunas de sustentação são mais próximas, o hidráulico é centralizado, os elevadores e suas caixas foram projetados e construídos para uma circulação completamente diferente da de moradia. A circulação de ar é pensada para ar condicionado. Como será a caixa d'água? Como qualquer construção é caso a caso, e sempre tem o fator inteligência que faz milagres.

E os shoppings? Enquanto nos Estados Unidos e mundo afora não param de fechar, por aqui não param de abrir. O que fazer com um monstrengo daqueles? Que tal escolas? Centro de serviços públicos como já acontece pequeno num shopping de interior que não deu certo. Transferir favelas? Duvido, a não ser que se faça um trabalho profundo com os dois lados da mesma moeda, os moradores e ex clientes do entorno e os favelados. Não tenho a mais remota dúvida sobre o tamanho do problema porque quando o Ciclo Rede Butantã estava em projeto, e do projeto não saiu, um pequeno bairro nobre foi até a Sub Prefeitura para deixar claro que bicicleta por lá não passa. Nenhum espanto, triste realidade brasileira. "Você sabe com quem está falando?"  

O que não é recomendável é implodir e gerar entulho. É um crime ambiental sem tamanho. O negócio é usar a inteligência, que faz milagres, e como faz! Esta coisa de demole para construir algo melhor é coisa de pobre ou de ignorante da realidade. Melhor para quem? Mais barato para quem?

Passamos da hora de começar a repensar o uso das construções que temos nas cidades. Como já disse era óbvio ululante que mais cedo ou mais tarde vai mudar o uso deles, não vê quem não quer ou não tem capacidade. A função do espaço público e do espaço privado de uso público vem mudando rapidamente em todo planeta. Existe uma pressão para que sejam corrigidos erros sociais relativos a função da propriedade privada, e não estou falando em questionar o direito à propriedade, que é uma outra história, mas como o poder público tem que regulamentar a propriedade privada no sentido de seu uso. Isto já acontece nas leis de zoneamento, mas tem que ser aprofundado. Se urge diminuir as mobilidades também urge aumentar as áreas de uso misto residencial, comercial e outros.

Tem que fazer a transição com certa calma, ou pelo menos com consciência do que está fazendo. O que definitivamente não pode acontecer foi a tentativa atabalhoada de transformação do Centro de São Paulo que foi feita pela administração municipal de Fernando Haddad. A ideia era e continua sendo correta, a forma foi um desastre total, inimaginável para quem não mora aqui e não viu o antes e o depois. O depois, simbólica e tragicamente, foi o incêndio e desmoronamento de um edifício de patrimônio histórico de propriedade do poder público, com mortes. Não se faz nada na porrada, não dá certo, nunca deu. O custo do erro com o Centro será mais de uma década para estabilizar e viabilizar social e economicamente a área mais simbólica e bem estruturada da cidade.
Infelizmente não encontro as fotos deste edifício e de seu entorno que tirei antes do desmoronamento.

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