Justiça obrigou suspeita de covid a ficar isolada, lembrando decisão sobre febre tifóide; advogados destacam que direito coletivo prevalece sobre o individual
Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo
17 de julho de 2020 | 17h10
Detroit, USA, e a história do pedido de falência da cidade
For Detroit, Chapter 11 Would Be the Final Chapter - by Spencer Abraham; Nov. 24, 2008; NY Times
7 Lessons From The Detroit Bankruptcy - Law360, New York; Nov 14, 2014
Resumindo sobre Detroit, a cidade pediu falência literalmente, ou seja, teria que fechar, acabar, pegar todos habitantes, funcionários públicos, empresas e negócios e colocar no meio da rua, melhor, na estrada mais próxima, e como em qualquer empresa fechar as portas e vender o que puder salvar para pagar as dívidas. Agora, imagina, como é impossível fazer uma coisa destas com uma cidade, ainda mais com uma cidade grande, uma das mais importantes da história dos Estados Unidos e do mundo? Tiveram que encontrar saídas, uma delas pode ser resumida num artigo que li (e acredito que publiquei; e que não encontro mais) que dizia algo como "a cidade é mais importante que o direito individual de seus cidadãos". E é. Opa! Complicado colocar nestes termos, mas vamos lá resumindo a ópera: "unidos venceremos" ou a história da humanidade. Sem união, sem a vila e depois a cidade, não teríamos chegado aqui.
Na Europa vários países estão pagando para trazer novos moradores para vilas ameaçadas de morrer vazias. Simplesmente não dá para esquece-las, apaga-las do mapa, as implicações são muitas. Se o problema não fosse muito grave não se colocaria dinheiro público para mantê-las vivas. Agora imagina uma das cidades símbolos da história com mais de milhão de habitantes fechando as portas.
Para evitar situações como esta as grandes cidades estão sendo repensadas e reestruturadas. É uma discussão complexa: o que é prioridade, a cidade, ou seja, todos, a comunidade, ou uma minoria problemática?
Um bom exemplo: o fogo causado por moradores de rua danificou vários viadutos e pontes, o que gerou despesas para recuperar a via, enormes congestionamentos, diminuição de arrecadação de impostos, custos extras, e menor capacidade do poder público agir em prol dos mais necessitados. Repito, não é tão simples assim.
Brasil, também simplificando:
São Paulo e Rio de Janeiro têm um problema de poluição de suas águas seríssimo, dentre outras muitas poluições. A saber, as duas cidades tem menos água por habitante do que é recomendável e a situação só piora. Em nome sei lá do que permitiu se, e não foram só a Prefeitura e políticos que o fizeram, que áreas cruciais para a manutenção da qualidade das águas fossem invadidas, devastadas, depredadas e gravemente poluídas. Hoje temos uma imensa população plantada onde não deveria estar, população esta que coloca em risco a vida de todos, ou seja, coloca em risco a vida da cidade. Bom, e daí, o que se faz?
Um bom exemplo de absurdo é o Jardim Pantanal, Zona Leste de São Paulo, que nasceu e cresceu rapidamente numa área alagadiça do rio Tiete. Na época das chuvas boa parte do pantanal fica debaixo d'água. Como aquela área deveria servir para o Tiete se expandir e se acomodar na enchente, o que não acontece mais, as águas que deveriam ficar ali vão parar em outro canto da cidade carregando lixo e outras poluições, danificando tudo que toca. Não, não estou dizendo que as enchentes de São Paulo são resultado da invasão do hoje Jardim Pantanal, nem sou idiota para tanto, mas estou provocando, isto estou. Voltando: deixa o Jardim Pantanal lá?
Você já contornou a Represa Guarapiranga pelas margens? Eu sim. Vale a pena; deixa bem claro que São Paulo tem um PQP de um problema de invasões e degradação; e olha que a Guarapiranga até que não está tão ruim se comparada a outras situações. Cubatão, Santos, São Vicente...
Já viu um córrego todinho? O que é um córrego todinho? Vou explicar, bate um todinho bem grosso, com um pouco de creme de leite, e joga na pia que tem mais ou menos a mesma consistência das águas de um córrego todinho. Pois então, já vi vários córregos com esta consistência. O mais memorável, em Cumbica, Guarulhos, próximo de uma favela e ao lado de uma pequena indústria, quase vomitei.
Você já pegou um barco para ir até a Ilha de Paquetá, Rio de Janeiro? Pois deveria, a paisagem da Baía de Guanabara é bem explicativa, diz tudo. As implicações daquela degradação vão muito além das vidas dos cariocas, muito além.
Vem a pergunta sobre a vida em comunidade: quem tem mais direito, o individual ou o coletivo? Em nome de nosso sentimento de culpa vamos deixar que uma parte da população prejudique toda a cidade?
O que não se pode é repetir o Singapura. O que é? Singapura foi um projeto de Paulo Maluf que construía edifícios "bonitinhos" na frente das favelas. Quem passava na frente via tudo bonitinho e não conseguia ver o resto da favela. Esta mesma técnica foi repetida por outros, de todas linhas ideológicas. Como diria Nelson Rodrigues "Bonitinha, mas ordinária".
Não importa a condição social, passando de alguns limites tem que imperar o direito coletivo. É uma questão de sobrevivência, inclusive e principalmente das próprias populações mais necessitadas. Distorções devem ser aceitas até um certo ponto. Mesmo nas sociedades mais organizadas esta equação não se resolve com facilidade. O que não pode é ficar do jeito que deixamos até aqui, isto não pode, ou morremos - no caso brasileiro literalmente e sem exageros.
A saber: quando a cidade limpa seus problemas a economia melhora, quando
a economia melhora o preço do m² sobe, quando a propriedade fica mais cara uma parte da população mais pobre não consegue se sustentar e tem que morar mais longe. Por outro lado,
quando a economia vai bem o poder público tem mais dinheiro para trabalhar o
social tanto pelo maior recolhimento de impostos quanto pela diminuição da
população com problemas. Etc...
Nenhum comentário:
Postar um comentário