Mudar as cidades, este tem sido um tema muito falado para o pós pandemia. Diminuir o número de carros nas ruas, melhorar o transporte coletivo, trabalhar em casa, manter as pessoas em seus bairros, comprar no comércio local, criar uma rede de ciclovias, repensar o uso do espaço público... Cá entre nós, brasileiros, isto vem sendo falado faz décadas, pelo quatro décadas, e não se fez nada, as cidades brasileiras continuam praticamente as mesmas. Houve uma melhora aqui, outra ali, mas a essência continua a mesma.
Nossa colonização é portuguesa e o traçado urbano da maioria das cidades brasileiras foi e continua sendo medieval. Poucas são as planejadas, a maioria partiu de um centro de desenho desordenado, com ruas tortas, quadras desiguais, mesmo quando o terreno é plano. Foi assim por razões de segurança da população; quem é de fora e não conhece se perde no labirinto, o que facilita a defesa. A partir de 1900 com a industrialização o crescimento de nossas cidades se deu muito rápido e desordenado. Com a indústria automobilística, no final dos anos 50, começaram as adaptações para acomodar o rápido crescimento da frota de veículos motorizados. A cidade brasileira nascida medieval passou a receber planejamento rodoviarista com total influência do planejamento urbano e rodoviário estadunidense, o mais moderno para a época: óbvio que não podia dar certo e lógico que não deu. Aquilo deu nisto. Diga-se de passagem, não foi um fenômeno exclusivamente brasileiro, a diferença é que lá fora, principalmente na Europa, se deram conta do erro e colocaram limites sensatos cedo. Aqui ainda se permitiu que o planejamento e desenvolvimento urbano fosse, e continua sendo, descaradamente influenciado por empreiteiras, construtoras, e interesses particulares do mercado imobiliário comercial e residencial, quando não por invasores, posseiros e outras ilegalidades gritantes.
O povo acha ótima a cidade que vive. É natural quando não se tem referências para comparar. A verdade é que nossas cidades não atendem aos quesitos de qualidade de vida estabelecidos por todas entidades internacionais. Falta verde, faltam parques, áreas de convívio, para práticas esportivas, culturais, sobram escolas e prédios públicos insignificantes, chafariz é símbolo de progresso, via de regra o córrego ou rio é usado para escoamento de esgoto, que nos bairros mais pobres corre a céu aberto pelas ruas. A periferia é a periferia, o lugar dos excluídos, se não esquecida, desamparada pelas autoridades e leis. Boa parte dos brasileiros vivem em favelas, mas as leis "dificultam" a presença do poder público nestes locais. E aí vai. E o povo acha ótimo. Na realidade acham ótimo o que tem no entorno de suas vidas, o resto não interessa. Não existe cidade, mas a vidinha de cada um que se transforma erroneamente na "cidade".
Hoje se pode dizer que há toda uma ciência sobre o que é a cidade ideal, que é a praticamente a antítese da cidade brasileira.
A cidade faz o indivíduo e o indivíduo faz a cidade. O que vem primeiro, o indivíduo ou a cidade? Cidade é o coletivo de indivíduos; o contrário não existe. Ou existe: são condomínios fechados, o retorno ao medieval, um retrocesso de 400 anos.
Nossas cidades são obsoletas, anacrônicas, ineficientes, sem manutenção, caras... e com sistemas de comunicação pouco confiável, o que todos seres humanos deste planeta sabem que é pelo quanto é a única saída para a crise pandêmica.
Não teremos mais dinheiro sobrando, aliás nunca tivemos por conta dos nossos eternos erros. Ou racionalizamos nossas cidades ou estaremos fadados à miséria. A humanização que vem sendo imposta às cidades mundo afora é uma questão de funcionalidade, de custo, de construção de futuro. Bloomberg, ex Prefeito de NY, estava e continua absolutamente certo. Mas somos diferentes. O povo brasileiro acredita que estamos certos e que o planeta está errado. Será?
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