terça-feira, 7 de julho de 2020

Desaparece um idoso desaparece uma enciclopédia

Quando morre um idoso morre uma enciclopédia escreveu com sabedoria Vera no Whatsapp. Ontem saiu a decisão da justiça que não incriminou ninguém pelo incêndio na Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Do que se conclui que o museu se queimou, num suicídio imprevisível, coisa nunca antes vista pela humanidade. Enciclopédia? Nossa memória, digo a brasileira, está cada dia mais fragilizada, agora numa pátria amada sem educação, memória, e provavelmente sem futuro. O Museu Nacional queimou, não só os idosos queimam de febre e morrem na pandemia, e as enciclopédias são jogadas em caçambas para serem misturadas com entulho.   
A pandemia mundial acertou em cheio museus, bibliotecas, especialistas, artistas e tudo que a mediocridade e os imbecis consideram supérfluo. Da tragédia que estamos vivendo de perda de memórias pelo mundo fico feliz em ouvir que o Governo Inglês preservou os trabalhos dos ligados a instituições culturais, uma iniciativa que espero que não tenha sido única e que é louvável. 
Aqui no Brasil tiro o chapéu para a Rede Globo que está pinçando nomes de vítimas da pandemia e contando suas histórias no Jornal Nacional. "São vidas", tem história. Do idoso que se vai mal sabemos olhar com cuidado a capa de sua enciclopédia, e isto é uma perda imensa.
Sempre me deixou desesperado, literalmente, não conseguir transmitir para as crianças os tópicos da mísera enciclopédia que minha vida escreveu. Sou uma pessoa abençoada porque tive oportunidade e tempo para ouvir os mais velhos, pais, irmãos, tios, avós e até mesmo amigos não necessariamente mais velhos, mas mais viajados, experientes. Aprendi algo com eles, aprendi algo com minha vida, agora gostaria de conseguir transmitir algo para os que ainda vão viver muito. Os ajudaria, com certeza. Mas não é assim que funciona a humanidade, e com toda esta coisa de mídia eletrônica os valores e conhecimentos do passado são cada dia mais duvidosos para o grande público. Enciclopédia? 

Enciclopédias são recheadas de definições, histórias e ilustrações. Algumas definições, principalmente as ligadas a ciências exatas, que lá se lê, foram e continuarão sendo praticamente as mesmas, outras mudaram com a evolução das ciências e dos costumes, a bem entender, das enciclopédias antigas impressas em papel. Quem tem um olhar mais aprofundado consegue colocar tudo dentro de contextos, e isto é uma preciosidade.
Desapareceram as imensas enciclopédias impressas em papel e entrou primeiro a internet, depois o Google, e agora a Wikipedia, e daqui para frente sabe-se lá o que mais. Mesmo assim "desaparece um idoso desaparece uma enciclopédia", isto é a mais pura verdade. O valor da memória de um ser humano é muito mais vasta e preciosa do que nossa desatenção quer fazer crer. Alguns muito em especial.

A bicicleta brasileira praticamente não tem memória. Creio que a mais aprofundada que ainda temos seja Valter Busto em pessoa. Desconheço outro que tenha circulado socialmente no meio da bicicleta dos anos 80 e 90 como Valter. Ele estabeleceu amizade com uma grande quantidade de pessoas do meio, em especial velhos bicicleteiros que já se foram e quem sem Valter tem suas memórias simplesmente jogadas no lixo. Valter morou em São Paulo até quase 2000, até então o núcleo da bicicleta brasileira. Caloi e Monark, oligopólio do setor, estavam instaladas aqui, o que deu a oportunidade de Valter conhecer pessoalmente vários funcionários e diretores das fábricas. Foi com ele que conheci tradicionais bicicletarias da cidade, Casa Alberto, Casa Mercúrio, Ciclo Roma, Ciclo Rondina e tantas outras, algumas  não existem mais. 
A memória do ciclismo brasileiro está em parte na cabeça de Eduardo Puertollano, pessoa genial, um senhor senhor ciclista, conhecedor de bicicletas, ciclismo, e ex ciclistas como pouquíssimos. Não exagero quando digo que não se deve passar por esta vida sem fazer romaria para a Basílica de Aparecida (12 de Outubro, faça mesmo que não seja religioso) e sem ir conhecer a enciclopédia Eduardo Puertollano e sua mágica bicicletaria no Tremembé, perto do Horto Florestal de São Paulo.



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