Ontem saí pedalando de casa na hora do rush e para seguir em frente tive que fazer caminhos loucos, alguns trechos não pude fugir de pedalar na calçada, o que não me agrada em nada. O congestionamento era tanto que simplesmente não dava para passar entre os carros parados com a bicicleta. O pior é que a cada dia esta loucura fica mais comum. A bem da verdade, esta loucura dos congestionamentos nas cidades e estradas extrapolou qualquer limite.
A geração mais nova não faz ideia do que foi divertido dirigir, de quanto o carro ajudou a vida de todo mundo. Este tempo acabou e não volta mais, ponto final. O olhar para o automóvel saiu do emocional e entrou no campo do racional, quase bom senso. Paixão, amor, prazer acabaram num congestionamento.
Um carro a menos, mote do movimento ciclo ativista faz todo sentido. Um carro a menos sim, muito diferente da luta feroz pela proibição indiscriminada do automóvel, como querem os mais radicais. Sinto muito meus caros, não vai acontecer, ponto final. E não vai acontecer até porque mesmo os mais radicais que conheço ou tenho notícias quando precisam entram dentro de um carro e seguem felizes da vida no conforto do que consideram uma "máquina maldita" responsável por todos os males da humanidade, segundo os mesmos.
Tive a oportunidade de visitar uma das cidades holandesas que está construída para "zero automóveis", onde, dizem, só circulam pedestres e bicicletas. Primeiro, sim, tem automóvel, depois é uma minúscula vila onde só o centrinho tem restrições severas para a circulação de automóveis, em especial os particulares. Pedalou uns quarteirões do centro as restrições diminuem, e vi até um Morgan, um maravilhoso carro esportivo inglês estacionado na frente de uma casa ajardinada. Vimos também a saída de uma escola primária sem nenhuma mãe pegando os filhos de SUV, e com a maioria das crianças voltando tranquilas e seguras para casa pedalando suas bicicletas. É o ideal.
Em 2007 a Broadway, em NY, teve transformados 20 quarteirões sul, a partir do Central Park, em área preferencial para pedestres e ciclistas, reduzindo e restringindo a circulação de caminhões, taxis e principalmente automóveis particulares, num projeto conhecido como "ruas sustentáveis de NY". Não só deu certo, como o conceito de reurbanização segue em frente a todo vapor, com números surpreendentes não só para pedestres e ciclistas, mas para a vida de motoristas e de toda a população em geral, incluindo no que tange a economia. Deu e continua dando certo porque "um carro a menos" foi bem pensado e evitou-se radicalizações. NY não fez nada além de seguir uma tendência mundial usando a experiência que tem dado certo em inúmeras grandes cidades, capitais e metrópoles - quando bem feito. Buenos Aires teve que desfazer as besteiras e refazer tudo para começar a funcionar.
Uma cidade com menos carros é melhor? Sim, talvez. provavelmente, depende. Um monte de fatores definem a necessidade ou não do carro, automóvel: distâncias, topografia, clima, população, carga a ser transportada..., e o mais importante: para que se usa e serve o modal no sistema integrado de transporte.
A maioria da população mundial hoje vive em cidades cujo desenvolvimento urbano dos últimos 60 anos foi praticamente todo pensado tendo o uso do automóvel como ponto central. Por razões econômicas e demográficas é impossível implodir tudo o que está ai para construir uma nova realidade completamente diferente. E está provado que há um tempo de adaptação. Ninguém quer largar o que está bom. Melhor sentado num congestionamento numa lata de sardinhas do que em pé num ônibus ou amassado num metrô.
A "máquina maldita", automóvel, com as bicicletas no rack para um dia de mountain bike ou de road bike é uma delícia, muitos, mas muitos mesmo, não vão negar. Automóvel, o "maldito", na volta para casa com ar condicionado refrescando as pernocas exaustas é uma benção.
"Não odiamos o automóvel. Amamos a bicicleta" foi o tema proposto, talvez porque as redes sociais tenham reduzido tudo a extremos, a um amar ou odiar. O maravilhoso documentário disponível na internet sobre a vida e a brilhante carreira de Mark Cavendish, um dos maiores ciclistas da história, deveria ser matéria obrigatória na formação de qualquer ciclista, ou motorista, ou cidadão. Nunca é sobre bem ou mal, mas sobre ter um casamento honesto com o viver, com a vida e com todos.
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