segunda-feira, 16 de outubro de 2023

As pessoas enlouqueceram?

O texto de Antônio Prata, Bebês terrorista X colonialistas, publicado na Folha de São Paulo neste dia 14 de outubro de 2023, me embrulhou o estômago - literalmente! O publico aqui, o assertivo texto que pega na veia sobre uma realidade que está aí para quem quiser ver, e pelo andar da carruagem cada dia menos e menos gente tem interesse e consegue ver e entender o que realmente está acontecendo. Deprimente, literalmente deprimente.

Antonio Prata diz que escreveu e apagou vários textos, o que acontece com frequência comigo, e provavelmente com outros. Não dá para escrever na lata sob o risco de simplesmente cair no vazio, de você não passar a notícia ou o recado pretendido, ou de gerar uma reação de fúria. As pessoas querem ler o querem ler, saiu disto nas primeiras palavras pulam fora. O pensar diferente não interessa, o que não é novidade, mas agora foi para extremos. Uma mínima diferença para o que a pessoa pensa passou a ser inaceitável, intolerável.  

Aprendi com um bem sucedido tio que trabalha na imprensa a evitar "exageros", a escrever o mais neutro possível, de preferência sem adjetivos, tendo muito cuidado com a forma para conseguir uma boa comunicação. Dependendo da situação é muito difícil chegar ao equilíbrio e situações extremas são cada dia mais comuns e aceitáveis pela população a espera de milagres, de soluções mágicas, da cura de suas próprias angustias e desesperos a qualquer custo. Que me lembre, quem era incapaz de entender o outro e só buscava saídas para suas próprias dores entrava no rol dos sociopatas. Chegamos ao "sociopatas unidos jamais serão vencidos"? Em nome e com um empurrão da ideologia ou religião escolhida, sim, digo eu. 

A reação extremada que estamos vendo frente aos deprimentes acontecidos em Israel e na Faixa de Gaza não é nenhuma novidade. A novidade talvez seja o alto índice de aceitação da barbárie.

Perdi o fio da meada. Não consegui começar a escrever logo depois de ler Antonio Prado porque tive muita vontade de chorar e infelizmente não consegui. Passado um tempo fui lembrando do que tenho lido, de mais um ótimo artigo do Yuval Harari, da Argentina, de vivências minhas passadas que remetem ao texto Bebês terroristas x colonialistas que me faz escrever este. Está tudo interligado, não percebem? Argentina foi divida ao meio pelos populistas Peron e Evita, desintegrou, segue desintegrando e não há notícias que pare de desintegrar. Para mim só realmente ficou clara a causa depois de ler a análise de Harari sobre onde e porque Israel chegou onde chegou: divisão interna provocada por populistas. Já disse mil vezes e não canso de repetir que conheci a Argentina dos 4% de população na linha de pobreza, país maravilhoso, antes da reeleição de Peron em 1974; e conheço a Argentina dos 40% da população pobre de hoje onde ou se é peronista ou se é contra os peronistas, mas sem o apoio destes não se faz nada. A divisão, o extremismo, o nós e eles, o populismo estúpido, levou o 5° país mais rico do planeta, a maior reserva de ouro no pós WWII, o celeiro do mundo, a miséria. Populismo de merda! O Brasil vem sendo dividido ao meio bem antes de Bolsonaro e os bolsominions. Em 1975, ou por aí, fui excluído de participar de uma das reuniões que resultaram na criação do PT sob a alegação que usava mocasins, critério ideológico importantíssimo. Durante décadas por usar bicicleta fui considerado bicha e comunista. Não faz muito passei a ser fascista. E aí vamos. O que acontece comigo acontece amiúde com tantos outros. Pensou fora da boiada, pensou errado, não é assim?

Não sou gente, sou uma peteca ao sabor de discursos ideológicos e religiosos, nada mais. Todos nós somos petecas.

Os inúmeros artigos e análises que estão sendo publicadas sobre a guerra Israel - Hamas servem e muito como alerta sobre o que vivemos por aqui. Estabelecer um paralelo com o que temos no Brasil é facílimo de estabelecer, basta abrir os olhos. 


FOLHA DE S.PAULO
Bebês terroristas x colonialistas
ANTONIO PRATA
14 OUTUBRO 2023 | 3min de leitura

As pessoas enlouqueceram? A humanidade inteira foi mordida por cães raivosos? Não estou falando dos horrores da última semana, em Israel e na Palestina, mas das reações a eles. Ou, deveria dizer, das comemorações por eles?

Primeiro foi uma parte desmiolada da esquerda que, mundo afora, diante da barbárie do Hamas, soltou rojões. Não é uma metáfora: milhares de pessoas se reuniram diante da embaixada de Israel, em Londres e soltaram fogos de artifício, felizes. Aqui no Brasil, internet afora, também foi um foguetório. Afinal, na luta anticolonialista, vale tudo.

Mal me recuperei do asco, vieram as reações da direita, legitimando a morte de civis na Faixa de Gaza. Dizendo que é isso aí mesmo, tem mais é que bombardear todo mundo. Cortar a água, a luz, a entrada de alimentos e remédios para dois milhões de pessoas. Afinal, na luta antiterrorista, vale tudo.

Que que deu nessa gente? Eles não descendem de gerações e gerações que mataram ou morreram no Oriente Médio. Não tiveram um irmão, uma filha, uma mãe vitimada pelo outro lado. Tô falando de pessoas que nunca pisaram no Oriente Médio, pessoas cujas entranhas não fervem na pira da vendeta: brasileiros, pacatos alunos da PUC, senhoras patuscas da Pompeia, o taxista do aeroporto, meu primo.

Estou há dias tentando escrever sobre o assunto. Estou há dias apagando o que escrevo. Uma hora o que leio na tela me parece pouco, diante da treva. Outra hora me soa apelativo. "Crianças queimadas" eu já escrevi e apaguei dez vezes. Mas como tentar chacoalhar essas macacas de auditório da selvageria, essas cheerleaders da crueldade sem descrever a realidade com a contundência que ela tem?

A Bebês degolados por adagas do Hamas. Um menino de uns oito anos, inteiro queimado por um míssil israelense. É apelativo dizer "poderia ser meu filho"? Ou "poderia ser seu filho"?

(Uma vez que, pelo filho dos outros, estamos vendo, ninguém se compadece). A mulher com a calça ensanguentada. A mulher seminua na traseira de uma caminhonete. Escolas bombardeadas. E gente batendo palma, dando coraçãozinho, compartilhando artes descoladas, hypando a morte.

Foram as redes sociais que nos jogaram neste fosso, incentivando um binarismo tacanho? Ou é esquerda ou é direita. Ou é colonizador ou é oprimido. Ou é LGBTQA+ ou é defensor do patriarcado. Ou é heterossexual ou é um invertido que deve ser curado, calado ou morto. Ou é preto ou é branco. Não existem tons de cinza, e qualquer ato do meu lado está certo, qualquer ato do outro lado está errado.

Se um empresário espancar uma velhinha, boa parte da direita vai defendê-lo. Se uma pessoa trans envenenar a mãe, boa parte da esquerda vai defendê-la. Cada lado tem em seu Vade Mecum palavrinhas mágicas que, uma vez pronunciadas, acreditam eles, encerram qualquer discussão. Comunista. Decolonial. Vai pra Cuba. Heteronormativo. Ideologia de gênero. Lugar de fala. Lei Rouanet. Mansplaining. A lista é longa.

Os rótulos, a serem colados em quem desvie um milímetro dos dogmas do grupo, têm um efeito duplo. Negam qualquer dignidade ao rotulado, ao mesmo tempo em que produzem uma total paralisia no raciocínio de quem os aplica. Se a doença acometesse apenas o cérebro, menos mal, mas também ataca o coração, que, todos sabem, é um órgão diretamente ligado à visão. Uns olham um menino palestino e enxergam "o" terrorismo. Outros olham um bebê israelense e enxergam "o" colonialismo. E todos vão pras redes. E bombardeiam violência. E depois voltam pra colher os likes, comentários e reposts —seus despojos de guerra. As pessoas enlouqueceram?

Nenhum comentário:

Postar um comentário