terça-feira, 18 de maio de 2021

Erro de comunicação em cascata

No meio da conversa tensa saiu um "deixa de ser moleque" e o telefone foi bruscamente desligado. Uma única palavra não deveria ter consequências mais graves, mas há palavras que pegam na veia e esta foi uma delas, das que pegam na veia do pescoço e sobem direto para os mais doloridos e furiosos recantos do cérebro. Não bastasse, uns dias mais tarde uma situação estranha, a aparição de uma viatura da polícia, que não era PM, mas GCM, acontece do nada fazendo supor algo mais grave, e sucedem-se erros de comunicação em cascata, piorando mais ainda as dores emocionais causadas pelo dito "moleque" ao telefone. Estava estabelecido o ódio incondicional que encerrava qualquer possibilidade de conversa, explicação ou mesmo até discussão adulta.
Tudo tem um começo, que algumas vezes não se sabe bem se é ovo ou galinha. A meu ver está na forma e falta de limites das palavras. O que pode ser um exagero inconsequente, como "eu mato aquele filho da puta", ou "são todos bandidos, assassinos", também pode ser tomado como expressão literal. Este pode ser o fio da meada de um novelo grande de erros em cascata. Normalmente é inevitável que assim seja.

E depois de um bom tempo chegou uma mensagem especialmente formal, controlada, com cheiro de escrita a quatro mãos, que foi recebida e entendida como uma mágica fresta de comunicação. O melhor da mensagem foi o envio da mensagem em si e foi recebida festivamente com esperança.
Prazer em ter um comunicado sem palavras ou adjetivos ofensivos, o que só prejudica o entendimento das razões, boas ou más, e a comunicação, boa ou má, em si. 
Por pior que seja a raiva a conversa não deve ser unilateral muito menos monolítica. Conversar com uma porta ainda vai; com jeito ela pode abrir, gemer suas dobradiças. Com pedra nem isto.

E a resposta à mensagem foi cuidadosamente escrita, lida, revisada, reescrita, acabou inacabada e não enviada:

Não houve manipulação dos fatos, mas uma cascata de acontecimentos que remeteram a expressões fortes usadas no passado, fossem para expressar a mais profunda das intensões, ou até as que nunca seriam cumpridas, fossem por puro desbocamento.
Há uma enorme diferença entre ser manipulado e aceitar ou compreender uma informação que, por ser a versão de outro, é limitada a uma realidade particular. Não somos manipulados, nos fazemos manipulados em nome de auto proteção. É atávico ao humano.
O entendimento de qualquer situação se faz pelo que se vê e ou ouve. O que acontece no lado de quem fala tem variantes que nunca se sabe ao certo quais são por suas nuances envolvidas, só se supõe. Ter como certeza o que se supõe é a primeira pedra de muitas da cascata. Daí imputar a outros a própria responsabilidade. 
A Justiça, a das Leis escritas, a formal, julga (ou pelo menos deve julgar) pelos fatos e não por meras versões, suposições, diz que diz. Pode-se dizer que fatos levados em consideração e julgados pela Justiça tem que ser convincentes, ou são invalidados. O foco é não errar, mesmo assim erros acontecem. Para evitar erros existe todo um processo a ser seguido. 
Diferente da Justiça nós, indivíduos, com frequência trabalhamos nosso equilíbrio emocional segundo a versão que mais nos convêm. 
Nunca a palavra moleque foi tão mal entendida. Nunca o arrependimento foi tão grande.

O silêncio e o olhar fixo na porta do elevador se instalou na espera que chegasse ao térreo. Entraram, apertaram o botão do andar, a porta se fechou, olhares quietos para cima quebrados por uma piada que dali não sairia, mas descontraiu os últimos andares, até a porta do elevador abrir. Contendo o riso, mais leves, respiraram e apertaram a campainha. Vieram passos e porta do apartamento foi aberta com um sorriso contido expondo uma vontade muito contida de um aperto de mão ou até um abraço. 
A pizza da pizzaria nova tão bem falada pelo vizinho chegou bem menos cheirosa que o ansiado. Colocada sobre a mesa, caixa aberta, pescoços esticados para aquele centro com uma massa atropelada por um caminhão e um recheio deslocado para o canto. Escapou das visitas um comentário jocoso e perigoso para a delicadeza que o reencontro supostamente demandava. Uma pausa se fez, entre olharam-se e riram. "Só tem tu, vai tu mesmo". E conversaram longamente. 

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