O sobrado que abrigou o Aro 27 Bike Café está em obras. Não faço ideia o que vá ser, mas sinto falta da boa, melhor, da ótima, divertidíssima confusão diária daquela bicicletaria, café; e depois restaurante. E porque não dizer sinto falta de Fábio e da tropa que lá trabalhou. Passei pela caçamba cheia e como sempre fui ver o que tinha de interessante. Em cima do entulho, um pouco suja, mas inteira, uma tela de silk screen "um carro a menos" dos tempos de máxima agitação. Peguei, tirei a poeira, olhei com emocionado saudosismo, deixei a no chão, contornei a caçamba, puxei um banner do meio dos tijolos partidos, o abri um pouco, apareceu o chique logo Aro 27. Tirei o segundo banner, abri, CicloCidade, que durante muito tempo fez suas reuniões no bike café. Caçamba pronta para ser descarregada em algum lixão da cidade. Este é o Brasil.
Não tenho receio em afirmar que o Aro 27 foi um dos marcos na história da bicicleta no Brasil. Bem mais que simplesmente mais uma bicicletaria, ou um café, um restaurante, ou até o primeiro bicicletário particular que oferecia segurança para as bicicletas, armários para as roupas suadas, ótimos chuveiros, e café da manhã feito com carinho para os trabalhadores dos edifícios comerciais em volta. Foi o ponto de encontro do zoológico social completo, de A a Z, todos gêneros, todas espécies, de radicais (simpáticos, educados) a liberais (simpáticos, educados) do mercado financeiro, dentre muitas que vez ou outra via por lá. Fábio Minori, o dono, "mediava" tudo com rara habilidade.
Peguei os três troféus e fui para casa, do outro lado da rua. Cruzando meu fundo corredor passou um longo filme do que vi nestes meus mais de 40 anos de bicicletarias. Imediatamente lembrei de Celso e sua Shop Cycle, boutique de bicicletas, a primeira bicicletaria chique da história do Brasil. Celso foi diretor na Caloi antes de abri-la, não me lembro de que área, creio que comercial, portanto sabia muito bem onde estava se metendo. Eram outros tempos, década de 70. Só fechou o negócio quando não tinha mais condição física.
Fábio Minori, queria ter um negócio ligado à bicicleta, sua paixão, mas não sabia onde estava se metendo. O negócio da bicicleta não é para amadores. Um negócio que não é para amadores num Brasil que não é para amadores definitivamente não é para sonhadores, e Fábio é um destes mágicos sonhadores que estupidamente o Brasil faz questão de desperdiçar.
A Shop Cycle ficava na rua João Cachoeira quase com esquina da Pedroso Alvarenga, o bairro da vez naquela São Paulo com uma classe média explodindo, única bicicletaria por perto. Celso mirou e acertou o público alvo que não fazia ideia do que era uma bicicleta, mas então bastante interessado em pedalar as Caloi 10 e Ceci, bicicletas da moda, objeto de desejo empurrado pelo tão falado Passeio da Primavera que acontecia uma vez por ano.
Fábio abriu um negócio muito mais sofisticado, coisa de primeiro mundo, apostando que o público responderia a propostas ousadas que demandam um nível cultural que definitivamente não temos. Mesmo os que têm pecam por um pedantismo tupiniquim.
Quando o Aro 27 Bike Café foi aberto estava claro que o entorno da Estação Terminal e Metro Pinheiros iria crescer, mas aconteceu uma explosão bem diferente da esperada.
O Aro 27 Bike Café era chique. Quando entrei pela primeira vez adorei a decoração, os detalhes, as minúcias cuidadosamente espalhadas pelas estantes, penduradas nas paredes, a oficina de ferramentas de alta qualidade, o jardim bicicletário nos fundos e depois dele o vestiário e banheiro com acabamento que poucas academias e clubes da cidade ofereciam. Esta foi a primeira parte do projeto que não deu certo. Fábio imaginou que oferecendo serviço de alta qualidade o pessoal viria pedalando de casa para o trabalho, deixaria a bicicleta ali, tomaria um delicioso banho, guardaria a roupa de ciclismo no armário, se fosse o caso usaraia os serviços da bicicletaria, e iria trabalhar. Ledo engano. Um pouco depois vestiário e banheiro foram transformados na cozinha e o bike café ofereceria almoços, aliás bem boas refeições O detalhe é que na mesma rua outros restaurantes foram abrindo, e mais restaurantes, e outros... Enfim, antes da pandemia haviam 15 restaurantes próximos, a maioria quase ao lado. Não há santo que aguente. Hoje sobraram 3 ou 4 que vivem vazios.
O diferencial mesmo estava na diversidade de público que frequentava o "Aro". Duvido que tenha havido e exista qualquer outro ponto da cidade e do Brasil que tenha juntado zoológico tão diversificado, completo e com tamanha riqueza. Fábio foi o catalizador porque é pessoa rara, de inteligência aberta, fluente, conversa para horas, sonhador de primeiro mundo.
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