Mais um dia, mais uma máscara lavada na pia. Sempre a mesma coisa; tampar a pia, abrir a água, ensaboar a máscara, fechar a água e deixar a máscara ensaboada na água por um tempo. A água fica escura, cheguei pensar que fosse a tinta da máscara até que caiu a ficha: poluição do ar. Destampa a pia, escorre a água suja, aperta a máscara, tampa a pia, um pouco de água, máscara dentro. Subindo a av. Rebouças passou um caminhão pequeno soltando muita fumaça. Olho a água escura da segunda lavagem da máscara e entendo porque. Vejo o caminho que fiz e lembro da quantidade absurda de máscaras perdidas no chão. Quero chuva para melhorar o ar e diminuir o risco de racionamento de água que dizem ser uma possibilidade.
Volto minhas lembranças para as águas de março. Cai uma tempestade, enche e transborda, sobe na calçada. Estou em baixo do toldo de uma loja de rua que como todas outras lojas destes muitos quarteirões, mais de dez, estão com álcool gel obrigatório em suas portas. Em muitas delas fica num totem e é espirado para as mãos com um apertar do pé. Sai um jato e boa parte cai no chão. Olho para baixo procurando onde vai manchar minha calça, mas desta vez o excesso acabou mesmo no chão. Quanto álcool desperdiçado, poluição ambiental. Tomei um expresso numa casa recém inaugurada e o assoalho em madeira, chique, bonito, está assustadoramente todo manchado. Perguntei para a dona o que havia acontecido. "Álcool gel. Já tentamos de tudo para tirar as manchas e nada funcionou. Vou ter que trocar todo o piso".
Estico o pescoço para fora para ver em quanto tempo a tempestade para. Olho as lojas e tenho certeza que o álcool gel que caiu no chão de todas não deveria correr para a captação de água pluvial. Olho as pessoas que também estão ansiosas para ir embora sem se molhar e tenho certeza que entre encherem até transbordar suas mãos de álcool gel contra o Covid e tomar cuidado usando só um pouco pensando no meio ambiente a opção é óbvia: que morram os peixes que acabaram de voltar ao rio Pinheiros.
Cada vez que entro em casa lavo as mãos. Como estarão as estações de tratamento de água da SABESP? Para onde vai todo o resíduo? Provavelmente os resíduos devem ter aumentado e muito na pandemia, principalmente as gorduras contaminadas vindas de sabonetes e detergentes. E os outros produtos de limpeza, onde vão parar? Boa parte dos trabalhadores de baixa renda que perderam seus empregos não tem esgoto encanado em casa, mas tinham no trabalho. Como estão os índices de poluição comparados a antes da pandemia?
O maluco só dá péssimo exemplo; não usa máscara e tira um sarro de quem usa. A turba o segue em raivosa festa. O problema do mal exemplo não termina só na pandemia, seus mortos, o colapso da economia que deve se alongar sem os devidos cuidados, mas no sabotar um olhar mais apurado da população em relação às próprias máscaras.
Especialistas em meio ambiente estão chamando a atenção para o descuido com o descarte de máscaras. Muitas são carregadas para os bueiros, daí para córregos, rios e mares, causando contaminação, já comprovada, que ainda não se sabe bem as consequências, certamente boas não serão. A ciência já avisou que o problema não ficará restrito aos peixinhos, mas que com certeza retornará aos humanos. O cálculo de danos é muito mais complexo do que posso imaginar e até os próprios sábios e cientistas não conseguem fechar.
Assisto o Repórter Eco da TV Cultura.
Como fazer o cálculo do impacto ambiental causado por esta pandemia?
Ontem divulgaram dados inequívocos que provam que onde há negacionismo há mais mortes. Nas cidades onde Bolsonaro ganhou o número de internações, mortes e problemas econômicos é muito maior que nas localidades onde houve e segue havendo respeito à ciência.
Onde vai parar isto?
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