Está um silêncio... Lá no
fundo, bem baixinho, em algum lugar que não consigo identificar está tocando a
música símbolo da Disney.
Não sei como está sendo a
quarentena para vocês, mas espero que estejam passando bem.
Adoro este silêncio. Adoro a
cidade vazia, qualquer cidade. Como vivemos no meio da loucura chamada São
Paulo quando todos somem, vão para a praia, a cidade fica uma delícia.
Sou daqueles paulistanos
"chiques" que viu e viveu numa cidade muito tranquila. Nasci e vivi
até meus 11 anos no meio do Jardim Europa, rua Sofia esquina com rua Alemanha,
por onde passavam poucos carros e praticamente nenhum pedestre, a não ser o
"homem da capa preta", que não sei se realmente existia, mas sua
imagem servia para apavorar criancinhas que não se comportavam bem. Nunca fui
ameaçado por aí mesmo aprontando uma atrás da outra, mas ouvia histórias com
frequência sobre o "homem da capa preta". Em 66 uma amiga de minha
irmã, bela e despachadíssima adolescente, ficou frente a frente com um homem de
capa preta que abriu a capa e mostrou seu pênis. Ela teve um acesso de
gargalhada e seguiu em frente. Nunca mais se ouviu falar da capa preta nem do
broxa.
Quando criança eu corria para
a janela do quarto de minha mãe, que ficava de frente para a esquina, quando
ouvia algum motor acelerando rua Alemanha abaixo. Adorava um Rover verde quatro
portas que cantava pneus na curva para a rua Bucareste ou passava direto e
cantava na entrada da rua Inglaterra. Era minha diversão, me colocava em
contato direto com os carros de corrida que via pela TV branco e preto, minha
outra diversão. Meu vizinho Edson tinha uma moto Gilera 175, linda, que me
arrepiava todo quando acelerava. Jardim Europa era ruas curvas perfeitas para
os malucos de então, que eram poucos, passavam muito de vez em quando, quando
passavam. Uma tranquilidade. Motorista tranquilo só o nosso padeiro que
entregava pão em casa com uma perua Ford Prefect 1948 preta, pequenina, linda,
parecendo um brinquedo para minha idade de então. O resto meio a mil. Carros
eram então o must, qualquer um, bastando ser carro. Um dia meu pai chegou com
uma Romi Isetta e eu tive a brilhante ideia de colocar nossa tartaruga na frente
da roda dela. Coitada na tartaruga, minha consciência chora até hoje.
Há uma pequena praça
triangular gramada e com arbustos entre a rua Sofia e a Bucareste, esquina
com Alemanha. E tinha tia Lígia com seu Chevrolet Bel Air 1951 que não raro
dirigindo completamente bêbada ignorava a praça, a guia, as plantas, e passava
direto com o carro dando um pulo de cavalo de cowboy que eu achava o máximo.
Ela telefonava dizendo que estava vindo e eu ia para a rua assistir o rodeio.
Não tinha perigo, tia Lígia com o tranco fazia uma curva perfeita manobrando e
estacionando o carro em nossa porta como se nada houvesse acontecido. Não resta
dúvida que o Bel Air era um tanque de guerra.
Jardim Europa daqueles tempos,
acreditem, era muito menos agitada que a São Paulo de quarentena que estamos
vivendo. A bem da verdade era uma bosta para qualquer criança ou pelo menos
para mim que não parava quieto. Não tinha com quem brincar, era um deserto, um
saco. O máximo que fazia era pedalar meu jeep de bombeiros até a outra esquina
e voltar. Numa destas pedaladas conheci Paulinha, que tinha a mesma idade e
pedalava um triciclo. Pedalamos juntos algumas vezes, era divertido, mas morreu
de sarampo logo depois. Foi bem pesado. Assim que meus pais souberam da trágica
notícia me enfiaram no carro e me levaram para tomar a vacina. Nunca mais vi
seus pais ou qualquer movimento na casa castelinho que viveram até também
morrer.
Paciência, esta São Paulo me lembra minha infância, mas vai passar.
No pré primário do Branca de Neve, 1959, no centro da fileira de cima, cabelo preto. |
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