sexta-feira, 17 de abril de 2020

O pior cenário na guerra e numa pandemia

Quando venta muito forte na Patagônia as pedras voam. A partir de uma certa intensidade de vento os rebanhos de ovelhas se fecham num círculo e as ovelhas mais velhas ou debilitadas formam uma barreira externa para proteger das pedras as mais novas, fêmeas e as mais sadias. Se a ventania for muito forte haverá baixas. Vários são os exemplos na natureza desta organização social "hierárquica". A humanidade existe porque conseguiu se organizar sua própria hierarquia que por sua vez se baseia nos inúmeros exemplos da natureza.
Exércitos são estruturados como uma pirâmide hierárquica, de forma que os comandantes fiquem o mais protegidos possível para poder pensar as estratégias a serem seguidas ou o trabalho a ser realizado. Cai o sistema hierárquico, o coletivo se perde, cai o exército, perde-se a guerra.
Em qualquer guerra a prioridade das prioridades é proteger mulheres, crianças, sábios ou pessoas com capacidades específicas, como médicos, engenheiros, telegrafistas (especialistas em comunicação), cozinheiros, lideres... O resto vai para a luta e se possível volta vivo. Morrer faz parte do jogo de manter as prioridades do coletivo. Não falo nenhuma novidade, a vida é assim.

A sociedade fluida que temos hoje faz com que frente a uma pandemia devastadora como a do Covid 19 preservar qualquer hierarquia seja muito difícil, em algumas situações impossível. Como em qualquer guerra usa se a técnica possível disponível para tentar parar as mortes para só depois ver os estragos. Como numa guerra escolhe-se quem vai e quem fica para preservar o futuro social. Perder uma peça chave sempre é um dos piores estragos.
Mariele Franco estava no topo de uma hierarquia social e sua perda foi um estrago brutal, só para dar um exemplo. Independente da crença e ideologia luta se para não perder a estrutura e o bom funcionamento da hierarquia.

Vamos supor que "deixa morrer, se morrer morreu, esta é a vida". Vamos supor que o Covid 19 vire um massacre aqui no Brasil. Vamos lá, vamos brincar com o macabro, aliás vamos brincar com um cenário que pode se tornar real. Tenho pouco ou nenhum conhecimento sobre análise de cenários, só quero jogar hipóteses. Não vou maneirar nas palavras e ideias, simplesmente vou ser macabro e politicamente incorreto.
Fernando Meirelles disse que se alguém apresentasse o roteiro que o coronavírus Covid 19 nos está impondo ele recusaria por achar completamente sem sentido; e terminou dizendo “a realidade superou a ficção”.
Pois então vamos lá:
  • o maior problema é a perda das melhores cabeças do país, de ficarmos sem comando, de se perder conhecimento, experiências, valores, médicos... A saber, a Argentina teve um empobrecimento brutal porque toda uma geração de argentinos muito bem educados e treinados saíram do país “fugindo” da instabilidade política e social. A geração do meu pai, nascido em 1932 em Buenos Aires, acabou gerando profissionais, administradores, diretores e alguns presidentes de empresas de primeira linha que apresentaram ótimos resultados em todas as partes do mundo, mas não na Argentina. O custo para todos, principalmente os mais pobres, da perda das melhores cabeças é altíssimo. Em qualquer coletivo, animal ou humano, existe hierarquia, estabelecido por algum valor agregado, valido até em sistemas igualitários. Quanto maior ou melhor o valor agregado de um indivíduo mais complicada é a perda dele.
  • o vírus matar os mais velhos é um ótimo negócio para o governo, porque diminuem os problemas futuros no SUS, diminuem as aposentadorias... Assim como o velho morrer pode ser ótimo para os herdeiros. Por outro lado, é ruim para a economia no geral por conta da forma como os idosos gastam seu dinheiro. Para asilos, laboratórios e hospitais é um mau negócio.
  • o lado ruim da velharada morrer é que muita gente, filhos, netos, amigos, que vive pendurada na aposentadoria do idoso vai ficar na rua da amargura. Este é um senhor problema até para a macro economia. Não faz muito tempo as aposentadorias dos ex funcionários públicos representavam uma bela fatia no PIB do Rio de janeiro.
  • idoso é crucial para a transmissão de valores sociais, para estabilidade geral, como ligação com o passado, referência que hoje ninguém duvida fator ser importantíssimo para evitar violência. Vários setores da economia são dependentes de aposentados.
  • quanto mais gente com problemas financeiros mais pressão social, mais violência, mais pobreza, mais doenças... A morte de um provedor é um estrago que extrapola e muito os dependentes diretos.
  • o vírus deve pegar em cheio as favelas, cortiços e todo tipo de residência precária que esteja cheia de gente pobre, menos protegida, o que diminui os custos para o Estado por uma lado, mas diminui também uma mão de obra que é imprescindível para o funcionamento da sociedade, nossa ou qualquer outra.
  • se matar muita gente nas favelas vai fragilizar o poder de negociação dos favelados, o que em muitos casos vai tornar possível retomar a área invadida
  • se diminuir drasticamente o número de habitantes numa favela será mais fácil reorganizar a própria favela, mexendo no urbanismo e acertando o espaço, iluminação e ventilação das residências.
  • vai ser mais fácil retirar invasores de áreas de manancial e recuperar as águas de represas (o que um dia terá que acontecer com ou sem pandemia) 
  • morrem os lideres dos favelados e as negociações de benefícios e melhorias complicam, vão demorar mais ainda, vão ficar mais tensas. Com quem falar? Quem é? O que pensa? Como vai reagir? Qual o nível de liderança? Quem apoia?
  • lembrei do Joãozinho Trinta, que foi um representante e líder importantíssimo e que depois do derrame deixou um vácuo impressionante. Não precisa morrer para causar estrago, basta ficar sequelado, o que vai acontecer aos montes.
  • os higienistas ficarão felizes porque os mendigos, desabrigados e viciados vão desaparecer 
  • Boris Johnson foi tratado em hospital público como qualquer cidadão. E se tivessem que optar entre ele e um cidadão comum, como começa acontecer aqui no Brasil? Qual seria o reflexo social?
  • a população pobre morre aos montes, se sente mais uma vez excluída e se levanta contra a elite
  • antes de se levantar contra a elite ela invade hospitais e agride quem estiver na frente, recepcionistas, enfermeiros, médicos, o que já aconteceu inúmeras vezes
  • saques, roubos, assaltos e assassinatos explodem
  • temos um banho de sangue. O povo decide "perdido por um, perdido por mil" e vai para cima dos que eles consideram os que estão bem, os ricos, funcionários públicos e políticos.
  • a esquerda coloca fogo no circo. A direita já está colocando fogo no circo. Uma outra situação é péssima para todos, inclusive para os sectários. Iniciar uma "revolução" no meio de uma guerra, será que dá certo?
  • Vai ter aproveitadores de todos tipos e formas. Termina-se uma guerra com as coisas mais ou menos sob controle porque os novos jogadores, lideres ou não, de qualquer forma os que fazem diferença, são outros, ou porque a guerra, a carnificina, mudou suas cabeças, ou porque a própria guerra fez surgir novos e desconhecidos lideres. 
  • com o empobrecimento geral as preocupações com o meio ambiente desaparecem. Com a fome o que estiver pela frente vira comida
  • a população no geral, incluindo a elite econômica e cultural, toma vergonha na cara e decide pela primeira vez construir um país de verdade. Para dar resultado babaquices ideológicas precisam ficar para trás, estabelecendo prioridades com ações realistas. 
  • e dai para frente....
  • quase esqueci, presunto por todos lados... tipo Guaiaquil

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