quinta-feira, 9 de abril de 2020

Dois feriados juntos e NY vazia




Esta foto foi tirada na primeira vez que estive em NY, em 1994. Não sou de pedir que me fotografem, não gosto, mas a ocasião foi para lá de especial. Por pura sorte peguei NY completamente vazia, dois feriados juntos, dia do trabalho e o Rosh Hashaná, ano novo judaico. Acordei muito cedo no dia seguinte de meu voo de Amsterdam, sai para tomar o café da manha, andei, andei, andei muito até encontrar um sei lá o que, creio que um mercadinho, aberto onde me serviram ovos com bacon, pão de forma e aquele café americano que faz qualquer um pagar seus pecados. Voltei para o hotel, do qual não tenho boas recordações, achando que as ruas estavam vazias porque era cedo, peguei a bicicleta e fui dono das ruas. As horas passaram e as ruas seguiram vazias. Foi difícil encontrar onde almoçar e depois de muito rodar entrei num McDonald's na 7th Ave. lá pela 28th St. que era um horror, velho, maltratado, com um povo nada amigável, mas era o que tinha e ponto. Só no começo da tarde começou um movimento de carros e pedestres muito tímido, tipo o que estamos vivendo nestes dias de quarentena. Depois de circular por toda Manhattan sul olhando com toda a calma prédios, parques, esculturas, pontes, os rios, algumas vezes parando literalmente no meio de alguma avenida para fotografar ou simplesmente admirar, voltei a contra gosto no começo da noite para meu quarto por conta de caimbras nas pernas. No dia seguinte, sábado, com a cidade estava mais vazia ainda, segui pedalando até que as pernas não aguentaram mais. 

NY daquela época já tinha praticamente conseguido controlar a brutal violência dos anos 70, mas dependendo o lugar o ar ainda incomodava. Fiz a burrice de ficar num hotel na 48th St. com 9th Av, próximo ao Times Square e terminal de ônibus, na época o centro da bagunça para turistas, não necessariamente violenta, mas desagradável. Na bicicleta rodando no asfalto liso e vazio só prazer e tudo mais desaparecia. No sul da ilha três policiais me pararam na entrada do East Village dizendo que não deveria circular por ali. Um deles, de origem latina, quando percebeu meu sotaque perguntou minha origem e quando disse que era brasileiro ele disse rindo "Pode ir, vocês (brasileiros) estão acostumados". De fato, verdade; não vi nada demais, só uma cidade calma. Na TV ouvi de um comentarista que NY estava tão vazia e tranquila que até os ladrões tinham viajado. Foi uma sexta-feira, sábado e domingo dos sonhos de qualquer ciclista, uma NY que está lá, mas difícil de se ver. Quando acordei na segunda o caos tinha voltado com suas buzinas incessantes e gente caminhando apressadas para todos lados. Na 5th Ave com 57th St. vi Robert Plant e Jimmy Page esperando para cruzar a rua como qualquer outro cidadão comum, sem serem abordados. Quase bati na traseira do carro da frente. Mais para frente tive que medir forças com um yellow cab, que teve juízo e me xingando deixou passar. O contraste para os dias de paz foi interessante. Gosto das duas cidades; o zoológico é bem divertido.

Amo cidades vazias. Amaria ter a experiência de pedalar nas cidades europeias que estão em lockdown, completamente vazias. A única que fica um saco é Paris, quem já esteve lá num domingo de feriado sabe disto. É lógico que é muito melhor estar pedalando numa cidade que está vazia e sadia, de preferência com alguns cafés e restaurantes abertos, uma outra pessoa circulando com seus filhos, cachorros, correndo a pé, pedalando ou simplesmente caminhando. Necessidade provavelmente fruto da saturação que temos desta agitação ininterrupta que vivemos. Paz faz bem.

Muita paz, mais assim para completamente morto, é algo estranho. Somos animais e como tal precisamos de ação. Não é muito fácil mudar o ritmo, mais difícil ainda ter que parar por força maior, o famoso “na porrada”. Quando não há outra solução nos resta a ação do pensar, que bem aproveitado é um campo infinito para viajar. Boa viagem!

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