Estive em Atlanta, Georgia, Estados Unidos. Cheguei, fiquei um dia e felizmente fui embora na manhã seguinte. Nunca pensei que o rompimento de uma adutora e o colapso do serviço de água em todo centro de uma grande cidade, esta mesma Atlanta no caso, fosse ser não só uma ótima notícia, mas também o obrigatório convite para sair de um hotel no qual não me senti bem e pegar a estrada novamente. Mais, que o problema se transformasse numa benção, conhecer a pequena e apaixonante Newnan, uns 50 km sul da desagradável Atlanta.
Vivo fazendo críticas sobre a condição das cidades brasileiras, e repetiria todas as mesmas para Atlanta, provavelmente a cidade fora do Brasil mais desagradável por onde passei. Tem uma área urbana fracionada, cortada por uma rodovia ou via expressa larguíssima com um trânsito caótico, cortada também por linha de trem, um centro de cidade pouco convidativo, distância para e entre bairros não acessível a pé e distante de automóvel... Mesmo assim, com todas as críticas que possa fazer a ela, no geral, Atlanta tem uma qualidade de vida muito melhor que boa parte das cidades brasileiras.
Ironia do destino, passei pela esquina onde aconteceu o rompimento da adutora. Jorrava água dos bueiros, corria muita água pela rua, mas daí a todo centro ficar sem água, para mim foi um espanto. E sumi.
Newnan? Uma gracinha. Pequena, preservada, com um centrinho agradável onde as pessoas param e conversam, casas do século 19 e virada para o 20 preservadas, carinho e respeito pela cidadezinha, vários bairros afastados com casinhas no meio de gramado todas sem muro ou grades... Uma poesia. Muito parecida com a maioria das cidadezinhas que entrei ou parei entre NY e Atlanta, de onde embarquei de volta para o Brasil.
Como detalhe: o aeroporto de Atlanta é o mais movimentado do mundo, com (só) 93 milhões de passageiros ano. Em torno dele, que para dar a volta é uma longa viagem, há algo que se pode chamar de cidades, mas esta é uma outra história.
Sabe qual é a diferença das nossas cidades para cidades de países de primeiro mundo? Muitas e sensíveis. Para mim a primeira e mais importante é que o povo de lá, onde quer que seja fora do Brasil, sabe o que é ou pelo menos o que deveria ser uma cidade, o que tenho certeza que nós, brasileiros, definitivamente não sabemos. Estou errado? Em minha defesa vem os projetos de continuação da Marginal Pinheiros até Jurubatuba e a nova ponte sobre o rio Pinheiros para "desafogar" a rodovia Raposo Tavares. Não entendeu?
A partir de 1970 organismos mundiais sobre qualidade de vida nas cidades passaram a recomendar que ampliação de vias e aumento de circulação de veículos motorizados fossem evitados. A razão é simples: a partir de 200 veículos/hora inicia-se um processo de degradação local e piora sensível da qualidade de vida. Fácil entender: circule na rua Alvarenga, a via paralela à que deve desembocar na pretensa nova ponte sobre o rio Pinheiros, e veja o que ela é.
O que você quer como cidade? Que vida você quer para si e os seus?
A pergunta deveria estar fervendo em nossas cabeças. Pelo menos na minha sempre esteve e continua estando.
A resposta padrão a esta pergunta veio mais uma vez numa conversa rápida com uma brasileira no aeroporto de Atlanta antes de embarcar. Ela está morando lá, Atlanta, e subiu nas tamancas quando contamos nossa má experiência ali. A reação imediata dela foi jogar pedras em São Paulo. Ela morava em Pindamonhangaba e tinha se mudado para Atlanta fazia pouco. Está morando num condomínio na periferia de Atlanta que segundo ela é uma maravilha, em suas palavras "a" referência do que é uma "cidade". Condomínio é cidade? Misturar os dois diz tudo.
"Somos brasileiros e sabemos o que fazemos de nossas vidas" é pensamento corrente, de uma mediocridade, de uma pobreza, de uma tacanhez sem tamanho. Como diz um livro que estou lendo: a palavra cidade foi completamente vulgarizada e perdeu parte de seu sentido. NY é cidade, Pindamonhangaba é cidade, Chernobil é cidade, sim tudo é cidade, mas as diferenças entre elas são brutais, não se encaixam mais na simples palavra cidade. O tema é de uma complexidade imensa.
Fato é que condomínio definitivamente não é cidade, por mais que se queira. Pode ser um enclave medieval, todo murado, cheio de seguranças, com vida segregada e direitos específicos para uma nata, mas cidade não é.
Cidades aprendem com outras cidades, com outras experiências, é assim que se está sendo construído um novo futuro para as cidades, por conseguinte, para seus cidadãos e a humanidade. Esta troca de experiências é crucial para evitar erros crassos, como os que cometemos aos montes em nossas cidades. É sobre a cidade, não sobre a vontade particular dos eleitos que estão no poder.
Minha irritação com Atlanta foi tamanha que, para meu próprio espanto, não tirei uma foto da cidade. Não me lembro de algo assim ter acontecido antes.
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