Num passado distante, durante um breve período, ficou exposto nos primeiros km da Rodovia Anchieta um carro destroçado por um acidente. Junto a ele estava um outdoor que falava sobre as consequências de um acidente e pedia que os motoristas dirigissem com cuidado. Não demorou muito foi retirado devido aos mais diversos e veementes protestos, dentre eles o que "aquilo" era indecente. A verdade indecente seguiu matando e aleijando brasileiros em números espantosos que cresceram sem parar por décadas sem que nenhuma ação efetiva fosse feita para reverter o inaceitável.
Fernando Henrique, Presidente da República, vetou um artigo do então novo CTB, 1998, que proibia motociclistas de realizar ultrapassagens entre os carros. Vetou pela simples razão que se as motos parassem de ultrapassar entre os carros lentos ou parados pelos congestionamentos monstros com elas, motos, pararia boa parte da economia nacional, simples assim. Numa época que Internet era mais lenta que andar a pé e restrita a uns poucos, o trabalho dos motoboys era praticamente a única forma de entregar documentos e pequenos objetos urgentes para o funcionamento das empresas e negócios. Motoboys e motociclistas que morriam antes do veto continuaram morrendo as pencas como se fosse um mal necessário. Olhar o grave problema com a atenção correta e vontade de resolvê-lo nunca foi prioridade. As causas da maioria dos acidentes poderiam ter sido evitadas com campanhas inteligentes e abrangentes, mas nicas.
Mais recentemente começamos a falar sobre a vida no trânsito de ciclistas e pedestres. Começamos mal porque o correto seria inverter a ordem e falar sobre a qualidade do caminhar e a segurança dos pedestres, que em última análise somos todos nós, e só depois tocar na questão dos ciclistas que são minoria. Como pouco ou nada foi falado sobre mortes e invalidez de pedestres atropelados a poeira levantada pelos ciclo ativistas é mais que bem-vinda, mesmo que estes tenham conseguido avanços atropelando - literalmente - pedestres. Neste ponto vem um pequeno detalhe: não existe atropelamento de ciclista. Bicicleta é por lei veículo, portanto é colisão. Sutileza que muda tudo, mas desprezada até pela imprensa.
João Assumpção diz que trânsito é o sistema mais básico e fácil de ser cumprido para organizar a vida social, uma verdade indiscutível. Está vermelho para; está verde segue; deve-se dirigir mantendo-se dentro das linhas demarcadas no asfalto ou meio fio, simples assim. O pequeno número de placas e sinalizações é de leitura direta que qualquer um entende, até analfabetos, ignorantes e estúpidos. Não segue quem não quer, não dá importância ou, pior, não se interessa por puro individualismo e está fazendo e andando para o coletivo.
Pouco se divulga o número de leitos ocupados por pessoas acidentadas no trânsito e isto não é feito porque se o fosse o brasileiro descobriria que muitos problemas da saúde pública vêm do trânsito pouco civilizado e de seus acidentes insensatos. Mas alguém se importa? Pura inversão de valores. Agora, com a pandemia, a questão dos leitos para acidentados veio à baila.
Um número crescente de economistas vem apontando que a economia do Brasil só voltará ao normal em 2028. Do jeito que vai é muito provável.
Como mudar esta situação? Educando, e trânsito é o sistema organizacional mais fácil para chegar a este objetivo. O que falta ao Brasil é noção básica de coletivo.
A Espanha em quatro anos deixou o posto de um dos países com trânsito mais violento da Europa para se transformar numa das referências de segurança. A relação entre trânsito civilizado e estabilidade econômica e social de qualquer país ou população é direta, disto não resta dúvida.
Dá para mudar o Brasil? Se quisermos sim, mas aí é que que entra a questão: de verdade, queremos mudar? Ou vamos seguir em frente sem radares e multas? no figurativo e no literal.
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