domingo, 5 de dezembro de 2021

Saltar de paraquedas

Fomos arrastando a bunda pelo longo banco até a larga porta do avião. No meio do caminho o paraquedista a quem eu estava preso pediu para esperar o paraquedista da frente saltar; e ele desapareceu, não me lembro como. 
- Passa a perna sobre o banco e lembra do que te disse, cuidado com a cabeça, agachado (na beira da porta), com as mãos (segurando) nas alças do paraquedas". Eu estava completamente calmo, quase apático. Coloquei a cabeça para fora do avião, senti o vento forte passando, olhei para baixo, linda paisagem, e pelo que me lembre me joguei. 
A primeira sensação foi a da aceleração muito forte entrando na cabeça. Muito vento da cara. Antes mesmo dele pedir estiquei minhas pernas e braços. Em poucos segundos a aceleração se estabilizou e me senti mais cômodo. Zero medo. Como sempre olhava apaixonado a paisagem, nada mais. Senti uma suave desaceleração do primeiro paraquedas e logo em seguida um tranco para a desaceleração mais forte do paraquedas principal. Silêncio. O barulho do vento na cara parou. Silêncio. Olho para baixo e nada sob minhas pernas, nada. Voo. Delícia, só a terra lá em baixo, como num avião, recortada em terrenos, verdes de plantação, quadrados de construções, estradas, um pouco mais longe Piracicaba, paisagem sem a janela de um avião, sem o chão, sem nada; mágico, mágico. Paraquedas aberto a partir de uns 2.500 metros começamos a descer suave, em completo silêncio. Quisera ser urubu, sou urubu, estou urubu. Jeff, o paraquedista fez um giro rápido e pedi para parar. Quis ver a paisagem.com calma, olhar para baixo e não ter nada sob os pés, quero virar urubu, voar, voar, voar.
- Vamos saltar de 4.000 m. Para você vai ser um pouco mais longo, disse Jeff enquanto ganhávamos altitude no avião, a frase passou rápido, descemos lentamente, mas não quero descer. Aquela paisagem.
Jeff me trouxe de volta ao paraquedas 
- Segura aqui, e as cordas de comando do paraquedas foram soltas em minhas mãos. Só então olhei para cima e vi que o paraquedas não era o redondo, mas estes mais modernos, tipo paraglide ou parapente (ou simplesmente paraquedas retangulares). As reações do paraquedas aos comandos são muito suaves. Você puxa a corda da esquerda e vamos para esquerda, a da direita vamos para a direita, puxa as duas e... sei lá. Parece não ter segredo.
Ele retomou o comando. 
Só a partir de uma certa altitude se percebe de fato a descida. As referências ficam cada segundo mais nítidas e maiores. No alto é tudo muito pequeno, de uma beleza sem fim. Tive sorte com o clima, poucas nuvens, sem vento, céu azul, ar límpido, transparente, dia ideal. A região de Piracicaba é belíssima, de uma riqueza rara. Nos últimos momentos passei a olhar o ponto de aterrissagem pela curiosidade do procedimento. Medo zero, nada diferente de um avião.
- Mais um pouco vamos aterrissar. Lembre do que te disse; pernas esticadas para frente e mão segurando as alças das pernas das calças. Vamos aterrissar de bunda. (De bunda?)
Os metros finais são interessantes. Vejo pequeninhos os outros paraquedistas fechando seus paraquedas e me pergunto onde aterrissamos, no meio deles? Jeff gira para direita, gira para a esquerda, nos alinha com o gramado gramado ao lado da pista. Nos aproximamos menos rapidamente do que imaginei. Rasante bem baixo. Minha bunda arrasta pela terra levantando poeira. Fico sentado; Jeff me pede que espere, solta as travas que me prendem ao corpo dele. Me levanto, ele pergunta se gostei, quase respondo "precisa perguntar?" Maravilhoso!

O único incomodo que sinto é nos ouvidos. 
- É normal, acontece com todos paraquedistas. A diferença de pressão é muito grande. Abre a boca que passa, orienta Jeff. Aperto o nariz, fecho a boca, sopro e volto ao normal, ou quase: o corpo diz baixinho que houve algo fora do usual, nada de mais. Olho em volta e os paraquedistas que saltaram junto desapareceram. O avião, lindo por sinal, acelera o motor e passa decolando para levar outro grupo de paraquedistas.
Jeff enrola as cordas e o paraquedas, cruzamos a pista. Na entrada para o pátio ao lado do hangar encontro os três que vão fazer o salto duplo depois de mim, duas meninas e um garoto. Quando preenchíamos a ficha de inscrição estavam tensos e ansiosos.  
- E aí, como foi? pergunta uma delas com a mãe apreensiva ao lado. 
- Maravilhoso. Tranquilíssimo. Vocês vão adorar. Vale e muito a experiência. Vocês vão adorar, Tranquilíssimo.


Saltei com o Quero Saltar Dive Thru. Recomendo. Não sei como são as outras companhias que oferecem salto duplo, mas nesta o atendimento foi muito bom, pessoal educado, simpático, leve, o que é muito importante para já não sair do chão tenso. A menina da recepção recomendou que usasse o macacão deles "para não sujar a roupa", o que recomendo a todos. Fiz o salto numa sexta-feira, que é mais tranquilo, com um pouco de sorte é chegar lá e saltar. Sábado e domingo costuma ser concorrido.

Vou saltar novamente? Caso não estivesse tão sensível de labirinto com certeza. O que com certeza vou fazer é um voo duplo de asa delta, o que só não fiz antes por simples impedimentos das oportunidades. 
Medo? Zero. Sou ciclista, pedestre, motorista, me interesso por segurança no trânsito e vou ter qualquer preocupação em saltar de paraquedas? Só se for por piada. Saltar é infinitamente mais seguro que viver numa cidade.

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