quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Fontes, portais, pontes estaiadas, agulheiros, privilégios

Ironia do destino, tomando um café na rua acabei conversando com uma pessoa que trabalha na consecionária EcoRodovias. Falamos sobre a questão dos ciclistas nas rodovias Imigrantes e Anchieta, que não é o ponto aqui, mas ela soltou uma pequena informação que tem tudo a ver com o texto que publico a seguir:
- Nós (consecionária) negociamos por 21 anos para ter a liberação da obra (para fluir o trânsito na entrada de Santos, que é um caos).
Sim, 21 anos para liberar uma obra crucial até para a economia do Brasil. Não é excessão, mas infelizmente quase uma regra, talvez não de 21 anos, mas... Talvez justifique "Fontes, portais, pontes estaiadas, agulheiros, privilégios". Corrupção é um problema. Ineficiência são "n" problemas todos juntos e ineficiência é o que mais abunda neste país. Portanto viva o chafariz! (pelo menos enquanto jorra água)
Praça de Paraisópolis, quase excessão muito bem cuidada, com seu chafariz dos anos 50.

Prefeito que é prefeito de cidadezinha de interior tem que colocar ou reformar a fonte na praça na frente da igreja, ou pelo menos tinha para ser reconhecido, respeitado, aplaudido, votado. Inaugurada a belezura com pompa, passado um breve tempo e a fonte seca, a água não jorra mais, o laguinho da fonte vira lixeira de alguns. 
Prefeito novo, fonte nova, e assim vai, ou assim ia, já não sei mais como é. Os cuidados políticos com a fonte têm que ser acompanhados de bancos de concreto e propaganda dos financiadores pro povo sentar-se, conversar, ver os outros passar. Se não tem tudo isto não é fonte luminosa, que beleza! 

Não se esqueça dos portais que impõe respeito. Cidade que não tem um em sua entrada é cidade menor. Quanto mais chamativo o portal mais aplaudido, mais votos. Tem que ter em algum lugar o "Bem-vindo a..."

Edifício é coisa mais importante ainda, não importa o tamanho da cidade, que muitas vezes está mais para vila, mas sem edifício alto, pelo menos uns 10 andares, único que seja no meio da cidade, não é cidade, sabe-se lá o que é. Ora! onde morarão os ricos?

NY, o povo grita contra estupidez como esta
E estamos inseridos no progresso mundial. A passos largos nossas cidades se enchem de arranha-céus, tipo os últimos de NY, pode ler Nova Iorque mesmo, sem o coraçãozinho antes do NY. 
Na beira mar de Copacabana desponta o famosos hotel destoando andares e mais andares do padrão. Está lá a décadas, hoje não mais como algo estranho, mas integrado à paisagem que sobrea toda a praia no início da tarde. Uma cascata linda de fogos de artifício no ano novo.

Camboriú vista da BR116, foto 2013. Hoje muito mais agulheiro

Camboriú é irreconhecível para quem a conheceu faz poucos anos, uma década ou pouco mais. Exemplo de agulheiro exemplar, sim com hipérbole e tudo mais. Orgulho para muitos, a maioria. Até estenderam a praia para ter um pouco mais de sol que simplesmente sumiu das areias nas tardes, ou logo depois do almoço.

São Paulo dia pós dia é deformada, mas desta vez não foi a lançadora de moda do agulheiro.
os três estúpidos palitos vistos do Central Park 

A população de NY está em pé de guerra contra os paliteiros. A gota d'água foram os que fazem sombra no Central Park. A diversão agora é que um ou dois destes paliteiros residenciais está com sérios problemas de construção. 
Os nova iorquinos querem uma cidade que ofereça mais vida. Não querem privilégios. Ora, quem compra um apartamento com vista livre 360º não tem um senhor privilégio sobre os simples mortais, aqueles que caminham pelas ruas. Que se dane que sua vista sombreie a calçada do povo, que por sua vez fique mais fria. Que se dane que mude os ventos que diminuem a umidade de outros apartamentos. "Que se danem! Eu posso!" (E quem construiu e vendeu que viva feliz para sempre.)

Ponte estaiada é a belezura do momento. Chiquérrimo! Coisa de rico. Tem que ter uma de dar inveja nas outras cidades. Não importa se vai servir ao pretexto, tem que ser imponente, bem estaiada para todo mundo ver e dizer "que linda!".

A população de São José dos Campos até que brigou contra a ponte estaiada, mas ela está lá. Dita linda iria resolver os problemas do cruzamento que atrapalhava a vida dos motoristas de Colinas e outros bairros mais ajeitados. Não resolveu por completo ou não resolveu, depende do parâmetro que se use. De qualquer forma é uma imensa escultura, até interessante, mas para que? Nem pergunto quanto custou. Bom, agora está lá, são águas passadas. Grande chance de repetir-se.


Um dia cai a ficha do povo. Ou não. 
Num negócio nunca se deve centrar atenção na venda para um único cliente ou se perde outras vendas, lucro, geração de empregos... 

Perguntas que não querem calar: 
  • como se deve definir privilégio?
  • qual é o limite de se permitir privilégios? 
  • como estabelecer equilíbrio entre o que hoje se entende como "direito individual" (ou será privilégio?) com o direito e a responsabilidade coletiva?
  • qual é o custo futuro dos privilégios que permitimos hoje?
Por último; fontes, chafarizes, portais, pontes estaiadas são bens públicos ou privilégios políticos? E a liberação para construção dos edifícios altíssimos é privilégio de quem no poder público? 

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