Fazia muito tempo que não pegava a bicicleta de estrada. Muita ansiedade, abre mapa, fecha, pensa, programa, abre mapa, olha de novo, calcula o que fazer num dia, noutro e noutro mais. Pequeno trecho de rua de terra até chegar no hotel, sem problema, espaço no quarto, sem problema. Câmaras reservas, "Será que vai ter muito fiapo de pneu de caminhão no acostamento? Acho que não, passa pouco caminhão." Quanta ansiedade! Deito no travesseiro e começo o sono sonhando com a paisagem.
Tchan! Clássico: esqueci a roda dianteira da bicicleta na garagem. Só dei conta quando tirei todas malas do carro. "Idiota!" Fim de brincadeira. Ou você ri da vida ou a vida ri de você. "Idiota! idiota!" Auto insulto não faz mal a ninguém. Está uma tempestade daquelas. Sigo rindo com minha idiotice, não resta o que fazer. Tomo folego, corro com guarda-chuva numa mão e malas noutra, abro a porta do chalé, largo as malas, dou meia volta, subo as escadas correndo até a recepção para pegar a bicicleta. "O senhor já olhou bem no carro? Esqueceu mesmo?" pergunta a recepcionista olhando a bicicleta sem roda e aí me dou conta que deixei a roda dianteira encostada na lateral direita do carro. "Merda! Manobrei na garagem. Onde caiu; onde os carros passam? Está inteira? Passaram por cima? Vou ter que pagar conserto de algum carro? Quanto vai custar a brincadeira? Quanto custa montar uma roda nova igual? Não vou conseguir outro aro igual..." e com a bicicleta no ombro desço correndo para o quarto. Com os pés ensopados a encosto com carinho na parede, encosto uma cadeira nela para que não seja derrubada por acidente, procuro o celular "Onde está? onde está?, onde está?". Rodeio, rodeio, mexo tudo e finalmente o encontro. Ligo para São Paulo, falo com o zelador, ele vai falar com o porteiro. "Seja o que Deus quiser." Bom tempo depois, incluindo subir de volta para o restaurante, engolir um bem sem graça X frango salada no francês melecado, olho no WhatsApp e acalmo; a roda está sã e salva.
A chuva diminuiu, mas ainda cai gostosa, desço, pés ensopados, giro a chave, fecho o guarda-chuva, e finalmente me instalo no quarto. Adoro o barulho de chuvas e tempestades. Chuveiro quente, cama e durmo feito anjo.
Acordo, vou tomar o café da manhã. Volto para o quarto e dou com a meia bicicleta encostada com cuidado na parede. Quanto custa um DHL? Ou compro uma roda por aqui? Consigo convencer alguém alugar uma roda dianteira?
Saio com o carro. As ruas ainda estão molhadas pela tempestade que cruzou quase toda noite, mas daria para pedalar. A paisagem da Serra da Mantiqueira é linda e as estradas bem cuidadas. Em Serra Negra só tem bicicletarias simples; paro, olho e não vejo solução para meu caso. Vou para Águas de Lindoia menos de 20 km do hotel num sobe desce em zig-zag e paisagem maravilhosa para pedalar. DHL? Pelos dias que ficarei aqui vale a pena?
Final de tarde sem chuva volto para o hotel e vejo a placa "piscina". Trouxe a sunga (quando falo maiô os netos riem e perguntam o que é isto?"), vou ver a piscina, opa, dá bem para nadar. Pouco depois estou nadando. Barbaridade! Quase um ano sem nadar virei âncora; uma piscina e paro para tomar fôlego, outra piscina e agarro-me à borda, e assim vou até pendurar a língua. Foram quatro dias de piscina e exaustão. Felizmente a roda da frente foi esquecida em São Paulo. Não daria conta de pedalar e nadar. Pandemia de merda!
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