Repetindo o título: 36
ciclistas mortos em São Paulo, um crescimento de 64% em relação a 2018. Aí veio
uma gritaria generalizada, "absurdo!". Os números de acidentes fatais
no Município de São Paulo no geral, de todo trânsito, incluindo ciclistas,
melhoraram quase nada ficando quase na mesma, de 888 para 874, o que também não
é exatamente uma boa notícia. Como dizem os que gritam e os especialistas o
ideal é zero mortos, objetivo que é meta em alguns países europeus. Seria
ótimo se conseguíssemos, mas aí sim nossa realidade é outra e estamos a um ano
luz disto, principalmente porque se fala muita besteira e tem muita gente vesga
ou dando palpite interessada só no seu próprio, nunca no coletivo.
Provavelmente este aumento de
ciclistas mortos tem relação com as entregas por aplicativos, disto ninguém
duvida, mas duvido que apareça em algum B.O. para confirmar. A maioria dos
meninos e meninas que trabalham para aplicativos são de periferia, onde o
trânsito é muito menos intenso e menos controlado que na área central; portanto,
vem de um meio que vale tudo e pedalam com tal. Motoristas e motociclistas de
áreas mais pobres e afastadas têm uma formação educacional e comportamental de
condução de veículos bem mais precária que os de área central, isto aqui ou em
qualquer parte do planeta. A diferença é que aqui no bang bang temos um
problema sério de formação cidadã, que é essencial para a segurança no trânsito.
O pensamento genérico é “eu tenho que ir para lá” e o resto é resto, os outros
que saiam da frente. No meio dos bairros dormitórios e de periferia o controle
e fiscalização de trânsito é praticamente zero, muita gente não habilitada
circula motorizada, inclusive menores de idade, todos livres, leves e soltos...
Via de regra o pessoal destas periferias vêm de cidades muito mais tranquilas,
menos densas, que a megalópole que é São Paulo, o faz toda diferença na noção
dos perigos do trânsito. Estes jovens vêm trabalhar no centro expandido, uma
das áreas mais bem organizadas do Brasil, onde se cumpre a lei tanto quanto em
outras grandes capitais do mundo, e saem pedalando leves, livres e soltos da
mesma forma que fazem na sua periferia ou nas cidades de origem suas ou de suas
famílias. É óbvio que motoristas e motociclistas não esperam que surja uma bicicleta
descendo uma avenida a milhão na contramão, por exemplo. E por estarem
pedalando uma bicicleta as leis dificultam ou praticamente impedem que as
autoridades organizem, freiem, punam, eduquem. Estes ciclistas de aplicativos
sabem disto, trabalham com isto na cabeça e estão única e exclusivamente
preocupados em entregar o máximo de mercadorias para ganhar mais no fim do dia,
o resto é resto. E, pelo outro lado, os aplicativos querem exatamente isto, que
eles entreguem rápido, o resto é o resto. E os que usam aplicativo querem
rapidez, o resto é o resto. Pausa para o selfie da plateia, o resto não
importa.
A população da área central,
rica, quando pede sua comidinha está fazendo e andando para a forma como estes
jovens estão pedalando nas ruas ou calçadas; querem comer a comida quentinha e
com gosto de saída do fogão, querem entregue o mais rápido possível. Como fica
seu humor quando a pizza chega mole e o queijo endurecido? Este "já"
coletivo foi e continua sendo regra com os motoboys: eu quero ontem. Se morrer
morreu, eu quero é o meu - agora! Porque haveria de ser diferente com os ciclistas
de aplicativos? Estas mortes sempre foram um efeito colateral, nada mais, e não
se fala mais nisto, ou continuamos falando fala para atender o politicamente
correto, e ponto final. Se a sociedade paulistana (e brasileira) estivesse mesmo
interessada em diminuir as mortes no trânsito primeiro se olharia no espelho do
banheiro.
Outro ponto para o aumento das
mortes de ciclistas apontada pela pesquisa está nos fins de semana, este
sim com números. Tem gente relacionando estas mortes com o fim da ciclo faixa
de domingo. Concordo, de fato, mas com uma outra visão. Não acharia estranho
que este aumento de mortes nos fins de semana fosse resultado exatamente de
anos de Ciclo Faixa de Domingo. Existe a palavra deseducativa? (Google. Sim
existe.) Pois bem, deseducativa, a Ciclo Faixa de Domingo foi profundamente
deseducativa. Com a ciclofaixa conificada à esquerda em grandes avenidas para chamar
atenção do público em geral, não só motoristas, o ciclista aprenderia, como
aprendeu direitinho, que pedalar à esquerda das avenidas é o correto, o que muitos
continuam fazendo quando a ciclo faixa de domingo não foi montada. Mais, a
maioria dos ciclistas domingueiros continua pedalando pelos mesmos caminhos do
automóvel, ou seja, em avenidas. O interno de bairro continua não existindo, ou
seja, a cidade se resume aos caminhos das avenidas, o que é de uma pobreza e de
um deseducativo sem tamanho. São Paulo é de uma riqueza impressionante,
praticamente única no planeta, fruto de nossa diversidade sem igual – no interno
dos bairros, não nas avenidas onde tudo fica igual, seja aqui ou em qualquer
cidade do planeta.
Não sei onde li ou ouvi que uma
das razões para este aumento de mortes pode estar no pedalar em ruas mais
vazias. Precisaria cruzar com os índices de atropelamento de pedestres, de
crianças para ter um mínimo de base para uma afirmação destas. Quem já pedalou
no interno de bairro num domingo sabe que você consegue ouvir o carro vindo de
longe e que se você não estiver viajando na maionese é muito mais tranquilo e
seguro que em ruas movimentadas ou avenidas. Só sofre acidente em local
tranquilo quem não tem a mínima noção do que é pedalar numa rua. Será que tem a
ver com os ciclistas que acham seguro pedalar nas ciclovias? O que quer que
seja é fato que estamos muito atrasados em relação a implantação de acalmamento
de trânsito e redução de velocidade.
Ah! esqueci: tem a questão da
qualidade, nível de segurança e manutenção das bicicletas, o que não se ouve
uma palavra a respeito. Sobre erros de engenharia de trânsito não volto a falar
porque já fiquei chato. Yo no creo em brujas, pero que las hay las hay.
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