terça-feira, 21 de novembro de 2023

O que gostaria de ter vivido - texto publicado, o original

Quanto mais velhos ficamos, mais olhamos para trás.

Vou manter o texto original publicado muito mais para minha referência; porque achei longo, cansativo e chato, a bem da verdade rui. Se quiser encarar, divirta-se.


São três eventos da história que me lembro de bate pronto e gostaria de ter vivenciado: a queda do Muro de Berlim, o atentado terrorista de 11 de setembro em NY, e o Festival de Woodstock.

Woodstock em particular, sempre sonhei ter vivenciado, pelo menos no meu imaginário, porque se estivesse pessoalmente sei que não iria ficar ali por muito tempo, se é que ficaria. Desde de novo não sou chegado a bagunça e barulheira. 
Ouvir música demanda um ambiente favorável, é muito diferente de show ao vivo, de sentar no barro e ouvir um som distorcido pela distância e ventos no meio de gente falando, gritando, se agitando, passando... . Show ao vivo é uma experiência multi sensorial, e eu não dou conta.
Se é para sonhar em ter estado em Woodstock, eu teria sido um dos poucos que teria ido pedalando, isto sim seria divertido. Se estivesse de carro no meio daquele congestionamento brutal com certeza teria dado meia volta ou largado o carro. Moto? Talvez. Odeio filas e congestionamentos.

A queda do Muro de Berlim, em 09 de novembro de 1989, foi transmitida ao vivo e assisti dando pulos na frente da TV. Chorei, disse para minha mãe, que também assistia, que daria a vida para estar lá no meio da festa. Não menos emocionado fiquei quando não faz muito estive em Berlim e vi um pequeno pedaço do muro que agora serve como marco histórico. Para mim é monumento sagrado, mas para o brasileiro que o pichou não, é simplesmente um bloco de concreto que serve para rabiscar seu nome. De qualquer forma, o pedaço do muro na minha frente só aumentou a vontade de ter vivido sua queda, e de novo com lágrimas e voz embargada.

Ainda em Berlim, não muito distante do pedaço de muro, está uma imensa praça / monumento / escultura, o Memorial aos Judeus Mortos da Europa, um espaço de uma força indescritível, duro, muito duro emocionalmente. Me remeteu a tudo que ouvi, vi e li sobre a Segunda Guerra Mundial, outro momento histórico marcante que gostaria de ter vivido, ou não. Tenho algum conhecimento sobre a realidade brutal e não sei se aguentaria vivenciar aquela loucura. Passar por um muro contínuo de quase dois metros de cadáveres empilhados a beira da estrada deve ser uma experiência brutal para todos sentidos, principalmente para o olfato. A imagem gravada na minha cabeça vem de uma foto de três crianças caminhando na estradinha e olhando para os cadáveres sem grande espanto. Nos documentários "A WWII a cores" e "Revisitando a WWII" é possível 'vivenciar' por imagens brutais que agora estão sendo liberadas. Para mim talvez já baste. Melhor, já basta.


Se eu estivesse naquele fatídico 11 de setembro em NY sei que teria corrido no sentido contrário dos que fugiam das torres em fogo e desmoronando. Iria tentar ajudar o pessoal desesperado, está no meu sangue. 
Fui tomar um café enquanto minha mãe estava na cadeira da dentista. Entrei na Tabacaria Ranieri e umas poucas pessoas estavam lá vendo pasmadas na TV o incêndio na primeira torre atingida. No exato momento que perguntei o que estava acontecendo, com os olhos grudados na tela, o segundo avião bateu na segunda torre. Houve um silêncio profundo. Demorei para entender que aquilo não era trailer de filme de ação, que estava acontecendo de fato, até porque não houve tempo para alguém responder a pergunta que fiz quando entrei na tabacaria. Voltei para o consultório, peguei minha mãe, contei o que estava acontecendo para o espanto de todos, fomos para casa e enquanto víamos o resto do absurdo eu fiquei no telefone tentando saber se tinha alguém conhecido nas torres. 
Só muito tempo depois soube que a menina bonita, tímida, formal, muito educada, Anne Marie, que vi crescer, e que morava com a mãe e a irmã no 5° andar, foi uma das vítimas. Estar pessoalmente no memorial dos torres gêmeas foi uma emoção muito difícil de ser controlada. Ler o nome de Anne Marie gravado no parapeito foi... Não sei descrever. 

Sei que teria corrido no sentido das torres gêmeas porque quando desmoronou a construção da Estação Pinheiros, vesti uma bermuda e sai correndo para tentar ajudar o pessoal. Dobrei a esquina, muitos fugiam da cratera que ainda desmoronava, e fui para lá, no sentido contrário de todos, e para a borda do precipício que se abria, para ver no que poderia ajudar, e ajudei. Fui gravado uns momentos depois pela TV Record. Não tenho dúvidas que no 11/09 teria feito o mesmo e hoje provavelmente estaria morto, ou pelo desmoronamento ou pelo câncer que ele causou em muitos.

Infelizmente descobri a corrida a pé muito tarde, mesmo assim me diverti montão. Me lembro que quando jogava futebol e pedalava ter visto notícias e reportagens bacanas sobre corridas a pé, e ter tido uma coceirinha, mas nunca me mexi para ir atrás. Se arrependimento matasse... A bem da verdade, nunca corri, nem gostava, mesmo não sabendo o que era, tipo pirraça de criança. Não me lembro mais porque desandei a correr, acho que foi um no final dos anos 90, quando já tinha uns 35 anos. Talvez tenha sido um dos grandes erros de minha vida não ter começado antes. Encontrei faz pouco minha baba e ela vive dizendo que eu não parava de correr. Nunca deveria ter parado. Hoje não posso mais correr por conta de desgaste nas juntas e quando passo por um ou uma corredora sinto uma puta inveja. 
Cheguei a fazer umas 4 ou 5 São Silvestres e duas meias maratonas, mas meu sonho mesmo seria ter feito pelo menos uma maratona, o que não deu ou não teria conseguido, sei lá. O futebol detonou meus joelhos.
Correr na terra era mais que um prazer, era o santo remédio para qualquer saco cheio que estivesse a ponto de explodir. O Parque Volpi foi meu santuário até as últimas corridas. A mata da USP, mais curta, fui quando podia e ainda não estava cercada. Dar a volta externa do Ibirapuera fazia bem, mas correr em mata fechada é uma outra história. 
Minha corrida mais marcante foi em Jundiaí, numa mata virgem, primária, que só tinha uma picada. Fui uns poucos km mata adentro, uma corrida completamente diferente, com cada passada procurando onde aterrissar, com a perna solta para não torcer o pé ou joelho, uma técnica completamente diferente dos terrenos limpos, planos e lisos. O cheiro, o silêncio, a umidade, o pisar... nossa! Quando decidi dar meia volta e voltar, parei por um bom tempo no silêncio sombreado daquele verde maravilhoso e lá entendi pela primeira vez o que de fato é o corpo animal, humano, quem pode ser Deus, o Deus da natureza, de tudo, o que deve ser a vida de um índio, o que foi a vida dos desbravadores... No momento nem me lembrei que tive uma sensação paralela no meio do Oceano Atlântico olhando o infinito  do mar e das estrelas. Lá descobri que não somos absolutamente nada, nem insignificantes somos. 
Aquela corrida na mata simplesmente mudou minha vida, mas nunca se repetiu, só na lembrança sorridente quando corria no Parque Volpi. Cada vez que vejo um dos riquíssimos biomas brasileiros torrando choro. Gostaria de vivido tudo aquilo ainda virgem, ter trabalho em algum projeto de trabalho voluntário na minha época da faculdade.

Fazer trilha pedalando é outra coisa, a atenção tem que estar na trilha, tudo passa rápido, na velocidade da máquina bicicleta, é uma outra dinâmica, que se não respeitada acaba em chão ou com a bicicleta torta. A pé você você vira índio, vira parte integrante da natureza. Uau!

Gostaria de ter corrido acompanhado por um cachorro, mas também passou. Pena. Só cachorreiro entende o tamanho da magia.

Não faz muito quase comprei uma viagem em veleiro para a Antártica e, pensando bem, olhando para minha condição física, acabei desistindo. A possibilidade de ficar mal no meio da viagem e azedar a viagem dos outros me fez desistir. Já estive em mar revolto, daqueles que o veleiro entra de proa no meio da onda. Adorei. Vivi e gostaria de viver a loucura de novo, mas não sei se meu corpo aguenta.  
Meu sonho com mar ainda está vivo. Gostaria de repetir a viagem em navio cargueiro, para qualquer lado, mar adentro, dias e dias de solidão. Fui para Europa em navio de cruzeiro, por sorte com menos da metade da lotação, mas não é a mesma coisa. Num cargueiro onde o mar é praticamente o único companheiro. Muda a cabeça, muda tudo. 
Pegar um veleiro e fazer uma viagem longa em mar aberto... Pode ser. Sempre quis fazer uma, mas não corri atrás.

Fui de Caloi 10 na minha primeira romaria, para Bom Jesus do Pirapora. Cheguei lá no final da tarde, dormi no concreto de uma pracinha no meio dos romeiros, estes de fato romeiros, acordei no dia seguinte batendo o queixo de frio. E voltei para casa. Deveria ter seguido em frente, sei lá para onde, me perder no mundo.
Fui um dos que começou o mountain bike no Brasil, mas com certeza fui daquela adorável geração o que menos fez mountain bike. Não tinha dinheiro para ficar passeando. 

Das boas recordações, lembro de uma São Paulo que explodiu em festa quando ganhamos a Copa de 70. Só quem esteve na rua Augusta é que sabe o que foi aquilo, o tamanho da loucura. Ainda posso ver todos os semáforos mudando freneticamente vermelho, amarelo, verde, amarelo, vermelho, amarelo, verde, amarelo..., do Corcel duas portas onde um casal tirou a roupa e estava transando sem qualquer constrangimento e sem ser incomodado mesmo com janelas abertas. Do povo cantando, dançando, pulando, se abraçando sem parar, bandeiras por todos lados, verde e amarelas, do Brasil, de tudo quanto era jeito, de todos clubes, estados, cidades, até o dia seguinte, numa festa que só acabou dois dias depois.    

Fiquei feliz em ter ficado com o velho Arturo, meu avô, sentado no morgue ao lado de mesa onde estava seu corpo. Não sei quanto tempo fiquei com ele até aparecer o pessoal que faria os trabalhos finais. Estranho, mas quando cheguei lá estava com o rosto tenso, quando o deixei estava com o rosto leve e quase sorridente, como que agradecendo eu ter ficado ali em seus momentos finais. 

O que não gostei e voltaria atrás tem de monte. 

A vida nos leva por seus caminhos. Não sei como, mas eu gostaria de encontrar o caminho para educar meus netos a não ter que olhar para trás e pensar "O que eu gostaria de ter vivido". Tudo, ninguém consegue, mas organizar o que vale mais isto é possível. 

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