sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Bicicultura Florianópolis

Uma das participantes disse que aquilo, aquele congresso, parecia uma igreja. As palestras repetiam exatamente o mesmo discurso de sempre, como uma ladainha.

A primeira vez que vi a paisagem do litoral catarinense, quando terminando a serra que desce de Curitiba, onde se abre o verde imponente da Mata Atlântica que certa o vale por onde corre a rodovia, foi e continua, quase 60 anos depois, uma emoção forte, um respirar profundo de felicidade. Pelo menos este trecho da BR101 continua lá praticamente igual, um alegria que dura pouco.

Se BR 101 sul representa o que somos e para onde estamos indo.... 
A partir de Joinville, rumo sul, virou uma avenida, um daqueles avenidões comerciais horrorosos, apavorentes, que enfeiam qualquer cidade do planeta, cheios de propagandas de todas formas, dimensões e cores, galpões imensos com seus estacionamentos cheios de carros e caminhões, e totens altos iluminados. O que apavora é a rapidez como tudo está surgindo, mudando, se desenvolvendo. Para os desavisados, um bom sinal, pelo menos a economia anda, e como! Será? Foi-se o verde, foi-se a natureza que enchia os olhos de alegria, foi-se o gosto de colonização europeia,  italo-germanica, dentre outros, com sua forte e respeitada história. Virou algo tão comum, um nada onde vale o dinheiro, ponto. 
A paisagem catarinense era maravilhosa. Não se trata de ambientalista melancólico, mas de crescimento a qualquer custo que mais cedo ou mais tarde vai cobrar seu custo, alto por sinal. Era.

Sigo em frente e Balneário Camboriú passa ao lado, à esquerda. Muito mais forte e marcante que a imagem do mágico verde da Serra, no sentido oposto. Quem te viu, quem te vê,  Camboriú. Conheci uma cidade litorânea, desconheço a Manhattan que surgiu ali e que o povo feliz vê ainda explodir como algo natural. Os nova-iorquinos nunca sonharam, nem nos mais desvairados delírios selvagem-capitalistas, em construir algo semelhante. O próximo passo para o orgulho camburiense é o edifício de 150 andares que vem aí, o mais alto da América do Sul, ou será das Américas?

Fotografado na volta para São Paulo 

A imagem de Camboriú é mais que impressionante, beira o brutal, para letrados é brutal. Se a classe média vai ao paraíso e este é o paraíso... 

E, depois de uma pequena subida na estrada / avenida se dá com a imagem da ilha de Florianópolis e o mar, uma benção. A estrada vai sendo percorrida, mar a esquerda, a imensa ilha ao longe. Tudo cresceu, cresceu muito, muito mesmo, muito rápido, muito rápido, e não para. 
Entro em Florianópolis, a cidade continental que parece não terminar e finalmente dou na ponte com a vista da ilha ponteada de luzinhas. Cresceu muito, todos sabemos, é público e notório, mesmo assim impressiona como mudou. Não reconheço boa parte do vejo. 

Acabou-se a Santa Catarina de meus sonhos, até os mais recentes. Virou estrada e avenidas, galpões, edifícios. 

UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Ou o que resta dela. Não a conhecia, nem preciso para entender a decadência. Triste, muito triste. Entro a pé,  caminho por edifícios largados até chegar ao local onde será o Bicicultura, um grande centro de convenções bom, velho e um tanto descuidado. O teatro é grande, aconchegante, mas necessita cuidados.
Encontro amigos que não via faz muito. Vale a viagem. Os abraço forte e com carinho. Giselle, minha querida Giselle, mulher de muito valor, passa caminhando, corro até ela e ficamos num longo e terno abraço. Ela está bem, é o que basta. 
 
O Bicicultura saiu, está acontecendo, é o que importa. Passados 16 anos e várias edições continua a mesma coisa. Isto me aflige e muito. 
Gasto meu tempo procurando velhos amigos, mesmo os mais novos já estão de cabelos brancos. O tempo passa. Pergunto da vida de um deles que tenho, ou teria, como filho. Ótima pessoa, ótimo garoto, hoje homem feito, mas vivendo igual. Me preocupa.

Vim eu com sonhos de ver algo novo. Nada mudou. Não consigo ficar nas palestras. Me remetem a um passado que deveria ter ficado para trás, até porque o sonho então era muito bom e exatatamente por isto deveria ter caminhado em frente. Foi, a que passos? De certa forma segue igual. 

O hotel onde estou é um oásis verde com cheiro de civilização, próximo a UFSC, que em breve acabará. Vão passar uma rua no meio. O resto prefiro nem pensar.

Peço à dona, por favor, coloca o carro um pouco mais para trás para a gente, os hóspedes, não tomarmos chuva.  O carro continua exatamente no mesmo lugar, sequinho. Nós, os hóspedes, temos que dar uma corridinha no meio do aguaceiro que não para de cair. Igual aos edifícios de Camboriú.

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